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Fabiano Lacerda

Nem todo abuso deixa marca na pele

Reconhecer a violência também é um ato de coragem

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Fabiano Lacerda

05/08/2025 às 9:00 - há XX semanas
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Agosto é o mês dedicado ao combate à violência contra a mulher. Como psicólogo, percebo que ainda temos uma tendência a enxergar apenas o que é visível: o roxo na pele, o braço machucado, a denúncia que chega tardiamente.


					Nem todo abuso deixa marca na pele
Nem todo abuso deixa marca na pele. ​Foto: Freepik

No entanto, há outras formas de abuso que, embora não deixem hematomas, destroem aos poucos a autoestima, o senso de autonomia e até a identidade de quem sofre. Mulheres que vivem todos os dias com insônia, ansiedade, crises de autoestima, uma tristeza sem nome.

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					Nem todo abuso deixa marca na pele
Agosto Lilás. ​Foto: Freepik

Resolvi separar algumas reflexões e exemplos simbólicos de violências comuns, mas normalizadas, que precisam ser desnaturalizadas:

Violência psicológica

É a mais sutil e uma das mais cruéis. Ela não grita, mas se infiltra. Pode vir disfarçada de preocupação, de ciúme, de correção amorosa. Uma certa vez uma mulher me contou que durante anos ouviu que era “emocionalmente instável”. Toda vez que chorava, que queria conversar, que expressava uma dor, o parceiro dizia: “Você está exagerando de novo”. A repetição desse discurso desorganiza o afeto e a percepção de realidade. Quando a mulher começa a se perguntar se realmente está louca, é sinal de que algo muito sério está acontecendo.

Essa violência mina a autoestima, o senso de valor, a confiança em si. Não deixa hematomas visíveis, mas implode a identidade.


					Nem todo abuso deixa marca na pele
​Foto: Freepik

Violência patrimonial

Não se trata apenas de impedir a mulher de trabalhar, mas também de controlar cada gasto, negar acesso a contas bancárias conjuntas, esconder contracheques, registrar bens apenas em nome do parceiro, usar o nome da mulher para dívidas ou impedir decisões financeiras autônomas. Uma colega minha descobriu que seu carro estava em nome do sogro. Ao tentar sair da relação, não pôde vendê-lo, nem o provar como seu.

Esse tipo de abuso é cruel porque prende a mulher à dependência material. Muitas vezes, mesmo com desejo de romper, ela se pergunta: “Como vou pagar meu aluguel? Como sustentar meus filhos?” Isso também é uma forma de aprisionamento.

Violência moral

É quando a mulher é inferiorizada com frequência, principalmente em público. “Você não sabe nem falar direito”, “Deixa que eu resolvo, você sempre estraga tudo”, “Se não fosse por mim, você nem saberia viver”. Palavras que a diminuem, risadas que zombam das ideias dela, comparações constantes com outras mulheres.

Esse tipo de violência constrange, silencia e envergonha. E o pior: muitas vezes é normalizada por quem escuta, como se fosse só uma “brincadeira”. O que parece “piada” para alguns, pode ser a gota diária que vai esvaziando a identidade de quem escuta.


					Nem todo abuso deixa marca na pele
​Foto: Freepik

Violência sexual

Sim, é possível haver violência sexual dentro de relacionamentos afetivos. Quando o corpo da mulher é tomado como obrigação, quando ela não pode recusar, quando o sexo acontece sob ameaça, medo ou chantagem emocional, isso é abuso. Uma vez vi no Instagram um depoimento de uma mulher que cedia às relações para “evitar briga”. Outra disse que só conseguia dizer “não” quando os filhos estavam em casa, como se a presença deles a protegesse.

Consentimento não é permanente, nem automático, nem dado uma vez só. Não importa o estado civil. O corpo da mulher não é dívida a ser paga.

Violência social e institucional

Em alguns casos, a violência aparece em forma de isolamento. A mulher se afasta da família, dos amigos, muda a forma de se vestir, deixa de frequentar ambientes por “respeito” ao parceiro. Quando percebe, já não tem mais rede. Está sozinha. E toda tentativa de reconexão com o mundo é sabotada com frases como “ninguém gosta de você”, “eles só te enchem a cabeça”.

Além disso, muitas mulheres que buscam ajuda em serviços públicos relatam revitimização: precisam repetir suas histórias várias vezes, são desacreditadas, ouvem que “não parece ser tão grave”. Isso também é violência. E institucional.


Vá por mim, uma vida sem medo é um direito, não um prêmio.

Agosto Lilás nos convida a lembrar que amar não é se anular. Amar não é viver com medo de desagradar, de falar alto demais, de se arrumar demais, de ser “demais”. E que, se você está em dúvida se o que vive é abuso, essa dúvida já é um pedido de escuta.

Existem redes de apoio. Existem psicólogas e psicólogos que escutam sem julgamento. Existem instituições e caminhos para começar. E, acima de tudo, existe o direito de recomeçar, mesmo com medo, mesmo sem certeza, mesmo aos poucos.

Se você precisa conversar, busque ajuda. Se você reconhece sinais em alguém próxima, não minimize, não silencie. Pergunte. Ofereça presença. Às vezes, tudo começa por uma escuta que acolhe sem culpar.

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