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O Olhar Dela

Eu sou uma fraude e estou prestes a ser descoberta

Coluna de estreia de Jéssica Senra traz reflexão sobre Síndrome da Impostora e outras vivências

Jéssica Senra • 27/09/2023 às 8:00 • Atualizada em 27/09/2023 às 13:21 - há XX semanas

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					Eu sou uma fraude e estou prestes a ser descoberta
Foto: Acervo Jéssica Senra

Eu devia estar celebrando o nascimento dessa coluna – é um privilégio pra qualquer jornalista ter sua própria coluna, ter espaço num grande veículo para dizer o que pensa. Mas estou com um 'cagaço da zorra', me perdoe o palavreado. Porque é a primeira vez que farei isso desse jeito. Meus comentários na TV estão sempre vinculados às notícias que transmitimos. Aqui, eu mesma vou escolher sobre o que vou falar e como vou falar. Maravilha, não?

Sim. Mas, tão logo disse sim ao convite, minha ansiedade disparou uma série de perguntas que invadiram a mente em avalanche: será que alguém vai ler? será que tenho mesmo algo relevante a dizer? algo que alguém não já tenha dito? será que vai fazer alguma diferença na vida das pessoas? como escolher um assunto que interesse às pessoas? como trazer algo novo? e se as pessoas não gostarem?

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Com as perguntas, o medo por hipotéticos futuros.

Escrever sempre foi um grande sonho, mas no meu ideal eu faço isso com muito sucesso. Ter que realmente começar a escrever e me deparar com a possibilidade de não ser boa nisso é aterrorizante.

Entre as perguntas e o medo, não restou espaço para as ideias.

Eu simplesmente não conseguia pensar em nada interessante para contar na coluna. Não importa já ter 40 anos de vida, ter lido bons e bastantes livros, não importam as experiências de bastidores que já vivi... Minha mente bloqueou e eu não conseguia pensar em nada que julgasse relevante e irresistível para as pessoas. Eu estava paralisada. E, com isso, demorava para definir a data de estreia e para acertar detalhes da coluna, querendo postergar ao máximo este momento aqui.

Um dia, ao me ouvir desabafar sobre isso, meu amigo Vanderson soltou uma daquelas gargalhadas espontâneas que escapolem sem que ele consiga segurar. “Tá doida? O tempo todo você faz várias reflexões massa. E nem estou falando do jornal. No dia a dia, aqui na nossa conversa, saem inúmeros assuntos que poderiam facilmente ser desenvolvidos num texto”.

É verdade. Nos meus dias, compartilho ótimas conversas e pensamentos com pessoas ao meu redor sobre a vida, sobre inquietações, descobertas... Pensar nisso me animou. Comecei a listar as ideias. E elas foram surgindo aos montes. Agora, a cada conversa interessante com alguém, anoto ideias para a coluna.

Então, depois de umas quantas ideias anotadas, resolvi me sentar para escrever.

[...]

Nada.

Não sabia como iniciar o texto. Me lembrei de tantos manuais de escrita e tantos livros de literatura que já li que indicavam que temos que ter um grande começo pra ganhar atenção. Putz. E agora? Como começo? Eu, jornalista e geminiana, estava sem palavras.

Uma pessoa que trabalha comunicando todos os dias. Como posso estar insegura sobre escrever?

Bom, é um lugar novo, com público novo, assuntos novos... e o novo assusta.

Li em algum lugar que, quando vamos fazer algo que nunca fizemos, como nosso cérebro não tem lembranças disso na memória, ele cria um bloqueio que traz a sensação de medo para nos proteger. Pois fiquei assim. Você já passou por isso? Ficar meio paralisada diante de um novo desafio?

Medo de errar, de não dar conta, de não ser capaz, de decepcionar... medo das coisas não saírem como a gente idealiza - e elas não vão sair assim... e, sendo um trabalho, como a minha coluna, medo de descobrirem que não sou boa profissional, que sou uma fraude. É isso: eu sou uma fraude e estou prestes a ser descoberta.

Todos os dias, entro ao vivo na casa das pessoas. Tenho total conhecimento do que faço, entro no ar e lido com o que quer que aconteça ao vivo. Eu domino totalmente aquilo. No entanto, sempre saio com a sensação de que poderia ter sido melhor. E que, por isso, não mereço estar onde estou.

Pois descobri que isso se chama Síndrome do Impostor. Ou Síndrome da Impostora. E é um sentimento comum a cerca de 75% das mulheres executivas de todos os setores, segundo pesquisa da KPMG. Ou seja, mais de sete a cada dez mulheres bem-sucedidas em suas áreas se sentem uma fraude. Tem noção do tamanho disso? Esse sentimento afeta mulheres incríveis como Michele Obama e Kate Winslet, que já falaram publicamente sobre o assunto.

É mais comum nas mulheres, mas também afeta os homens - homens em posição de liderança, que dirigem grandes empresas, gestores públicos, artistas famosos.

É um sentimento de insegurança, de inadequação. Uma paralisia diante de novos projetos ou desafios. Um questionamento constante sobre a própria qualificação. Uma tendência à procrastinação. Quem tem a síndrome tem um nível altíssimo de autocobrança, perfeccionismo, se martiriza quando algo não sai como o ideal, está sempre achando que poderia fazer melhor.

Ela sente que tudo o que conquistou é coincidência e não merecimento. Sofre com a tensão de ser desmascarada.

Isso também pode acontecer nas relações afetivas - a pessoa achar que o parceiro ou parceira irá descobrir que ela não é tudo isso e, portanto, vai terminar a relação -, mas acontece mais no mercado de trabalho, em ambientes de alta competitividade como o corporativo e o acadêmico.

Essa opinião não tem nada de científica, mas suspeito que tenha a ver com aquela ideia socrática de “só sei que nada sei”, a consciência da nossa própria limitação quanto ao saber. Quanto mais a gente sabe, quanto mais a gente vive, mais a gente percebe que não sabe nada e que tem muito mais para viver e compreender. Então nos deparamos com a nossa própria ignorância e nos sentimos uma fraude. Algo assim, divago.

Uma amiga me fez uma provocação convincente: “a maior prova de que você não é impostora é que você se questiona, você se cobra. Os impostores não se questionam. Eles acham que têm direito àquilo, mesmo sem nenhuma capacidade”.

Sabemos que nós, mulheres, precisamos provar que somos boas em dobro para ser reconhecidas. Enfrentar um preconceito que nos subestima, que nos interrompe, nos rouba as ideias, nos impede de crescer, nos impede de ganhar mais, nos trata como menos capazes e menos merecedoras. O machismo que nos assedia, que nos constrange. Por tudo isso, é normal que nos sintamos quase sempre deslocadas e inadequadas. Dizem que somos frágeis. Mas aguentamos tantas coisas que homens nem imaginam.

Eu tive muito medo de compartilhar tudo isso. Muitas mulheres me procuram para elogiar a minha força e agradecer por lutar por um mundo mais seguro para nós. E eu me sinto no dever de ser forte para essas outras pessoas. Mulheres que passaram por traumas terríveis e sobreviveram... não quero decepcioná-las. Não me sinto nem no direito de fraquejar. Assim, mostrar minha fragilidade me aterroriza. Mas a fragilidade pode ser uma grande força – tema para uma próxima coluna.

Parte do processo para superar a síndrome do impostor e a paralisia de fazer algo novo é justamente falar sobre o problema e buscar se expor pouco a pouco. Sair do ideal de perfeição e encarar a realidade possível. Reconhecer os próprios méritos e botar a mão na massa. Assim, diante do receio de sair da zona de conforto, eu resolvi dar o passo à frente. Mesmo com todos os medos, eu escolho abraçar a oportunidade. A coragem não é a ausência do medo. Ser corajosa é justamente ir adiante apesar dos medos. Porque medo todo mundo tem e a gente só os vence se os conhecer. Você conhece os seus?

Hoje mesmo vi um post na internet que dizia algo do tipo: “fazer uma coisa pela primeira vez significa não fazer bem. Mas não se faz o centésimo sem fazer o primeiro”. Só se escreve um excelente texto com a prática de escrever textos. Não se faz o centésimo texto sem fazer o primeiro. Então, aqui estou. Escrevendo. Quebrando o tabu do primeiro, do novo. E eu, que não sabia nem por onde começar esse texto, já extrapolei o tamanho que pretendia.

A sensação de ter conseguido fortalece de uma maneira que você nem imagina!

Espero que enfrentar o meu medo te encoraje a enfrentar também o seu medo. Que meu novo passo também te encoraje a começar algo novo, a realizar um sonho que você deseja muito. E que você aprenda a dar o devido crédito a si mesma sobre suas conquistas e seu merecimento. Até a próxima!

O OLHAR DELA
Jessica Senra

Jornalista, vivo da realidade, mas também da utopia.

Imagem ilustrativa da coluna O Olhar Dela
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