“E a música de matriz africana é o tripé que sustenta toda a música brasileira”. A declaração é do maestro da Orquestra Afro Sinfônica, Ubiratan Marques. “Isso foi revelado para mim da mesma forma que a música. É como a chuva que, ao cair, toma forma daquele lugar”, completou ele.
O maestro está se referindo ao samba duro, ritmo que deriva do samba junino, uma manifestação cultural baiana que, mesmo enfrentando dificuldades, resiste ao tempo. Emocionado, o maestro diz que o samba duro é um ritmo que não tem um criador e explica didaticamente: “o samba duro é uma corrente genética que envolve pai, filho, avô, bisavô de toda uma realeza africana” .
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O samba duro é um parente de ritmos que surgem nos terreiros de candomblé de todas as nações, inclusive a de Jêje, de Ketu e Angola. Ele nasceu nos terreiros de candomblé de Salvador, nas festas de caboclo, que marcavam o encerramento do calendário litúrgico.
Patrimônio Imaterial de Salvador, o samba junino está completando 51 anos. Mas lá atrás, bem lá atrás, esse ritmo fazia arrastões pelas ruas da cidade, de uma forma natural, sem grandes produções. Essência pura! Os mais velhos falam com orgulho do Grupo Terríveis, criado por seu Muçum, pai do musicista conhecido como Parará. O grupo reunia moradores do Binóculo, ali atrás do antigo Hospital Salvador, que não existe mais.
No Bairro do Garcia teve seu Luizão que fundou o Sambalanço, o Sambinha do Calabar, o Muguinos também do Garcia onde só saia homem, e muitos outros que a cultura popular esqueceu e nunca tiveram visibilidade na mídia. Naquela época era tudo artesanal, na base do amor a cultura, solidariedade e empenho do povo, conta o multi instrumentista Augusto Conceição. “As pessoas botavam um chapéu de palha na cabeça e caiam no samba “, lembra.
Augusto era criança e o pai, o saudoso maestro Vivaldo Conceição (morto em 1994), já lhe contava histórias do samba junino. Muitas o próprio Augusto viveu. Ele, o irmão Rayala e o amigo de infância Robsom de Jesus foram cantores do Samba Fama. E não dá pra contar a história do samba junino sem falar no Samba Fama. Robsom de Jesus, um dos fundadores, me conta que o Samba Fama começou no Bairro do Calabar, depois passou a ensaiar no Alto das Pombas e saiu de lá porque o lugar ficou pequeno de tanta gente que frequentava.
O terceiro e último endereço do Samba Fama foi o Alto do Gantois. Era um sucesso! Foi o primeiro grupo a gravar um disco vinil, produzido pelo radialista Baby Santiago ( já falecido) e pela jornalista Katia Guzzo. “ Tive o prazer e honra de ver o samba duro brilhar”, diz Katia, um ícone do jornalismo, uma das maiores apresentadoras que a Tv baiana já teve.
O Leva Eu, Skorpios, Jaké, Fogueirão e tantos outros revelaram compositores e cantores que migraram do samba junino para a axé music e pagode, a exemplo de Tatau, Ninha e Marcio Victor. Mas isso eu vou contar na próxima quinta-feira. Entrevistei o musicista e produtor cultural, presidente da Associação Cultural União, Jorjão Bafafé. A instituição foi criada para preservar a cultura e realizar trabalho social no Engenho Velho de Brotas.
Em parceria com o irmão Mário Bafafé, O União já foi um grupo de samba duro, só saiu um ano e eles optaram em criar uma Associação que também realiza eventos no Bairro. “É uma outra política “. Este ano, com apoio da Prefeitura, será realizado um Festival, como nos anos 80 e 90. Na próxima quinta-feira, voltamos a contar histórias sobre essa gente que faz o samba junino. Você vai saber como Ninha foi parar na Timbalada e conhecer um jeito especial e de raiz do samba duro, reproduzido por Caetano Veloso. E viva o samba duro!!!
Wanda Chase
Wanda Chase
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