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Bruno Capinan busca na história da escravidão uma reconexão com a Bahia

Artista não-binare baiane busca no passado familiar inspiração para construir “Tara Rara”, seu sexto álbum

Marcelo Argôlo • 15/06/2022 às 18:00 • Atualizada em 26/08/2022 às 19:30 - há XX semanas

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					Bruno Capinan busca na história da escravidão uma reconexão com a Bahia
Bruno Capinan, artista baiane que busca espaço na cena musical queer brasileira (Foto: Daryan Dornelles / Divulgação)

Um consenso que existe entre as diversas entidades e movimentos sociais, que discutem a questão negra e a pauta antirracista no Brasil, é a de que no dia 13 de maio não há nada a se comemorar. Nessa data, em 1888 foi assinada a Lei Áurea, que supostamente acabou com a escravidão no país. Contudo, se seguiu a ela, uma série de medidas que institucionalizaram o lugar de marginalização da população negra e suas manifestações culturais, como a Lei dos Vadios e Capoeiras, de 1893.

Apesar desse consenso, foi no dia 13 de maio que Bruno Capinan escolheu lançar “Tara Rara”, seu sexto álbum. Elo se identifica como pessoa não-binária, mas não apresenta uma identificação racial para si. Mesmo assim, escolheu abordar no trabalho a história da escravidão no Brasil, a partir da inspiração no passado familiar. Seu objetivo era buscar uma reconexão com a Bahia e um espaço dentro da cena musical queer brasileira, aquela construída por artistas que não se identificam com os gêneros binários (masculino ou feminino) e/ou não expressam uma sexualidade que segue o padrão heteronormativo.

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No material de divulgação enviado à imprensa, Bruno narrou a centelha criativa do projeto: “Certa manhã em 2020 acordei com versos de Castro Alves, ecos dum Navio Negreiro, e lembrei de uma história contada por minha tia, irmã mais velha de minha mãe, sobre meu bisavô preto ‘que odiava preto’. Fiquei imaginando o sofrimento que é odiar a si mesmo. Imaginei dois homens escravizados num navio negreiro, na possibilidade de uma história de amor entre eles em meio à crueldade e a tortura. Os dois unidos pelo mero desejo de existir, e separados pelo mar da história”.

Elo ainda se cercou de artistas renomados na cena brasileira para construir “Tara Rara”: os cariocas Marcelo Costa na percussão e Bem Gil no violão, além da produtora curitibana Vivian Kuczynski, de apenas 19 anos, mas com grande maturidade artística apesar da pouca idade. O resultado é um álbum com um ótimo acabamento sonoro, composições sólidas e arranjos precisos. É um trabalho gostoso de se ouvir, que parte da bossa nova tradicional, aquela de Tom Jobim e João Gilberto, e segue o caminho por ambientes musicais atuais. Contudo, peca na abordagem da questão racial.

O frescor da Bossa Nova queer

“Tara Rara” traz um toque de frescor no gênero que desde os anos de 1950 vem tornando a música brasileira uma referência em todo o mundo. Esse frescor vem tanto com a proposta musical, quanto no diálogo com a pauta queer. No mesmo texto que já citei acima, Bruno credita a Vivian Kuczynski as inovações sonoras do álbum. “Somente uma adolescente gay de 17 anos poderia redirecionar as minhas ideias para um lugar menos óbvio”, escreveu elo. O destaque da construção sonora do álbum é a mistura de sons orgânicos, como um violão tipicamente bossanovista com forte referência em João Gilberto, com sons eletrônicos muito bem colocados, que dão texturas e criam climas nas canções.

Um bom exemplo disso é a canção “Qualquer Lugar”, terceira faixa de “Tara Rara”. A introdução remete a um clássico da música de concerto brasileira, “O Guarani”, de Carlos Gomes. Tanto a melodia quanto o timbre de metais escolhidos remetem à obra que há muitos anos é a trilha sonora da abertura da “Voz do Brasil”. A aura de salões de luxo de alta classe (um ambiente bastante condizente com a Bossa Nova também) é construída nos primeiros segundos da música e logo é quebrada com a entrada de uma batida de funk carioca. É o jogo com esses aparentes contrastes musicais que tornam “Tara Rara” um trabalho interessante de se ouvir.

A abordagem da pauta queer também é um aspecto uma forte do álbum. Tanto que o crítico musical do G1 Mauro Ferreira, mesmo antes do lançamento, classificou o trabalho como “queer bossa nova”. Esse gênero se construiu em cima de canções “românticas”, quase que exclusivamente binárias e heteronormativas, e que por diversas vezes retratou relacionamentos abusivos como em “Minha Namorada”, canção de 1964, e em “Regra Três”, de 1972. Então, falar de amor LGBTQIA+ é um enfrentamento extremamente necessário a ser feito dentro da Bossa Nova em 2022.

Ausência de reflexão racial

O que faltou no processo criativo de Bruno Capinan para “Tara Rara” foi uma reflexão mais aprofundada sobre sua própria identidade racial. Ao reivindicar uma história do bisavô negro, Elo demonstra um distanciamento com a questão da negritude. Até mesmo a infeliz escolha de 13 de maio para “saudar meus bisavôs e meus tataravós”, como escreveu em seu texto de divulgação, deixa evidente uma desconexão com a simbologia envolta na questão da negritude e da história escravocrata brasileira.

Em outra passagem do texto enviado à imprensa, Bruno mostra que dentro do contexto social brasileiro usufrui de privilégio racial. “Fui compreender o que o racismo provoca na mente de uma pessoa preta somente depois de me mudar pro Canadá em 2002, quando me vi num país anglófono sendo seguido pela viatura da polícia. Ou sempre que rejeitado pelas gays brancas que já em 2002 expressavam sua preferência pelo padrão branco heteronormativo. Foi longe da Bahia, longe dos meus, na ausência da minha cultura, que me vi ainda mais baiano. Passei a entender o sofrimento dos meus pais, e daqueles que deixaram de ser para que eu pudesse existir como o que hoje sou.”

Raça não é uma categoria biológica e sim uma construção social e ideológica. Ou seja, a depender do contexto em que estamos inseridos, os nossos corpos provocam leituras diferentes do ponto de vista racial. A violência sexual de mulheres negras e inígenas por parte dos homens brancos europeus colonizadores que gerou a mestiçagem brasileira tem como resultado pessoas que dentro do contexto brasileiro usufruem de privilégios da branquitude, mas não o exercem no Canadá, por exemplo.

A percepção que “Tara Rara” deixa é que, na sua conceituação, faltou uma reflexão sobre este lugar racial ambíguo ocupado por Bruno. A riqueza sonora e o aprofundamento nas discussões sobre o amor fora do padrão heteronormativo não são alcançados pela reflexão da questão racial no trabalho. O álbum não deixa, contudo, de gerar deslocamentos importantes e necessários para a Bossa Nova. Acredito que “Tara Rara” pode garantir um lugar de destaque na música brasileira contemporânea, mas não deve ser visto como referência na abordagem da questão racial.


				
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