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Tabus, Tretas e Troças

A impunidade no caso Ninho do Urubu é o fogo que nunca se apaga

Ministério Público anunciou que recorrerá da decisão, mas, independentemente do que ainda virá, o estrago está feito: a sensação de impunidade venceu

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Sílvio Tudela

03/11/2025 às 11:22 - há XX semanas
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Seis anos depois da tragédia no Ninho do Urubu, o incêndio que matou dez garotos das categorias de base do Flamengo terminou, no tribunal, em absolvição geral. Ninguém foi responsabilizado criminalmente. Dez vidas ceifadas, nenhum culpado.


					A impunidade no caso Ninho do Urubu é o fogo que nunca se apaga
A impunidade no caso Ninho do Urubu é o fogo que nunca se apaga.

A sentença é fria como o aço das camas improvisadas que viraram armadilhas mortais naquela madrugada de 08 de fevereiro de 2019. A decisão da 36ª Vara Criminal do Rio de Janeiro entendeu que não havia provas suficientes para condenar os sete réus, entre dirigentes, engenheiros e funcionários. A decisão se escora no formalismo jurídico, mas ignora o óbvio: se há vítimas, houve negligência. É mais do que um veredito jurídico: é um símbolo da fragilidade moral de um sistema que se perde em formalidades enquanto falha em garantir o essencial: a vida.

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O Flamengo, clube mais popular do país, dono de receitas milionárias e símbolo de glórias esportivas, agiu - e continua agindo - com vergonhosa irresponsabilidade institucional. O Rubro Negro Carioca nunca assumiu plenamente sua responsabilidade e preferiu o silêncio protocolar, a negociação financeira e o distanciamento emocional. Enquanto famílias seguem mutiladas pelo luto, o clube reerguia muros, conquistava títulos e renovava contratos milionários, tentando encerrar o episódio como um “acidente trágico”, sem nunca admitir, de fato, o descuido, a pressa e o improviso que transformaram um centro de treinamento em um campo de extermínio. A tragédia virou item de pauta jurídica e nota de rodapé nos relatórios do clube. Em qualquer país com real cultura de responsabilidade corporativa, o episódio seria um divisor de águas. No Brasil, virou apenas mais um caso ainda não resolvido.


					A impunidade no caso Ninho do Urubu é o fogo que nunca se apaga
Foto: Reprodução / Flamengo

Pior do que o esquecimento do clube é o silêncio cúmplice de parte da torcida. O clubismo venceu a empatia. Nas arquibancadas e nas redes sociais, muitos preferem apagar o incêndio da memória a confrontar a própria consciência. Parte da torcida segue tratando o assunto como um “ataque ao clube” e não como uma tragédia humana. Há quem evite falar sobre o tema para não “prejudicar a imagem” do time. É como se a camisa rubro-negra, que representa paixão e identidade popular, agora servisse também de escudo moral contra a irresponsabilidade. Triste constatar que quando o torcedor se cala diante da injustiça, ele ajuda a perpetuar a lógica que naturaliza a morte dos pobres, a negligência dos poderosos e a indiferença das instituições.

Mas tragédias não prescrevem na memória. O fogo que consumiu o alojamento não queimou apenas colchões e paredes: carbonizou a confiança de que vidas humildes seriam protegidas por instituições bilionárias. Os meninos sonhavam com o Maracanã e encontraram a morte em contêineres sem licença, com instalações irregulares e aparelhos de ar-condicionado sobrecarregados.

Nas redes sociais que marcam o CT do Flamengo - Ninho do Urubu, é possível conferir a indignação, mas nada que venha de um dos mais poderosos clubes do Brasil.

O caso do Ninho do Urubu é mais do que uma ferida aberta; é um espelho do país. Um país em que a morte de pobres é apenas uma estatística, e em que a justiça penal parece feita sob medida para absolver quem tem dinheiro e poder. O futebol se apequena quando se cala diante da tragédia. Enquanto o clube se orgulha de seus troféus, há dez famílias sem filhos, sem respostas e sem reparação moral.

O retrospecto de um crime sem culpados


					A impunidade no caso Ninho do Urubu é o fogo que nunca se apaga
Foto: Reprodução / Flamengo

Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, o fogo consumiu o alojamento do CT George Helal, conhecido como Ninho do Urubu. O incêndio começou em um dos aparelhos de ar-condicionado e se espalhou rapidamente por quartos improvisados com paredes inflamáveis e estruturas irregulares.

As vítimas eram garotos entre 14 e 16 anos, vindos de famílias humildes, que haviam trocado a casa pelos sonhos de uma carreira no futebol. O que deveria ser um abrigo virou uma armadilha: instalações sem alvará, sem plano de emergência e sem a mínima segurança elétrica.

Em 2020, o Ministério Público denunciou 11 pessoas por homicídio culposo e lesões corporais. O clube iniciou acordos extrajudiciais com famílias das vítimas. Entre 2021e 2023, parte das acusações foi arquivada; alguns réus – os mais poderosos - foram desmembrados do processo e o caso perdeu ritmo judicial.

Em outubro de 2025, mesmo diante das evidências de que há culpados, o juiz alegou falta de provas diretas que ligassem os acusados à tragédia. Juridicamente, o argumento cumpre a letra fria da lei. Moralmente, é indefensável. O Ministério Público do Rio de Janeiro já anunciou que recorrerá da decisão. Mas, independentemente do resultado que ainda virá, o estrago está feito: a sensação de impunidade venceu. A Justiça brasileira é rápida para punir pequenos furtos e lenta para responsabilizar estruturas inteiras. A tragédia do Ninho do Urubu é o retrato de um país que absolve o poder, condena os mais vulneráveis e enterra o futuro.

O incêndio do Ninho do Urubu foi controlado em poucas horas. Mas o ardor da indignação e da cobrança por responsabilidade moral que ele acendeu ainda queima e não deve se apagar. Porque a consequência da tragédia não é o fogo de 2019, mas o gelo da indiferença, da covardia e da impunidade de 2025.

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