Até onde escolas de samba e torcidas organizadas dão match?

Três das maiores paixões dos brasileiros – o samba, o futebol e o Carnaval - se encontram nesta época em que a folia momesca toma conta do país. Há quem diga que uma precede ou que é maior que a outra, mas aí será uma longa reflexão que não permitirá ser discutida em tempos tão festivos. Em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, as torcidas organizadas conseguiram fazer que seu amor ao time de futebol atravessasse as arquibancadas e entrasse na avenida numa complexa e delicada logística para mostrar seu amor ao samba.

Mas a participação das escolas de samba ligadas a clubes de futebol ou torcidas organizadas não são vistas como positivas pela unanimidade das pessoas e ainda motivam intensos debates e resistências. Estudiosos do assunto acreditam que o universo carnavalesco tem muitas lições para oferecer às torcidas e ao futebol, mas não o contrário. Segundo eles, não existe entre as escolas de samba a rivalidade violenta que há entre os times e que as coisas não deveriam se misturar, pois são paixões populares completamente diferentes.

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No capital paulista, antes da entrada oficial das torcidas organizadas no Carnaval, por exemplo, a Liga-SP, responsável pelo evento, assim como forças de segurança do Estado, alegava seu temor pela repetição de episódios de violência entre as organizadas durante o Reinado de Momo. Por muitos anos, a entidade criou barreiras e fez propostas que não foram à frente, como um desfile à parte e destinado apenas para escolas-torcidas; ou definindo que somente uma torcida organizada poderia participar do Grupo Especial; para, por fim, modificar o regulamento e permitir que escolas surgidas de torcidas também se apresentassem na divisão principal, desde que os desfiles fossem em dias diferentes, para evitar possíveis brigas.

No Grupo Especial, que reúne a elite do Carnaval, o Trio de ferro paulista, formado por Corinthians, Palmeiras e São Paulo, é representado, respectivamente, pela Gaviões da Fiel, Mancha Verde, Dragões da Real e Independente Tricolor.

Originária de um bloco e na vanguarda do movimento, a Gaviões da Fiel desfilou pela primeira vez em 1988, e já foi quatro vezes campeã do Grupo Especial (1995, 1999, 2002 e 2003). Sua maior rival em termos futebolísticos é a Mancha Verde, fundada em 1995, e que possui dois títulos (2019 e 2022). Ligadas ao São Paulo, a Dragões da Real, fundada em 2000, e a Independente Tricolor, fundada em 1987, ainda não conquistaram títulos de consagração.

Há ainda nas divisões inferiores a Torcida Jovem, fundada em 2003, que integra o Grupo de Acesso 1 e é a única representante do Santos no meio carnavalesco; e a Camisa 12, fundada em 1996 por outros torcedores do Corinthians, que está atualmente no Grupo de Acesso 2, considerado a terceira divisão da folia paulista.

No Rio de Janeiro, ainda de forma tímida, os quatro grandes clubes da cidade tentam emplacar suas escolas de samba representadas pelas torcidas organizadas do Flamengo (Flamanguaça, Raça Rubro-Negra e Imperadores Rubro-Negros), Fluminense (Guerreiros Tricolores), Vasco (União Cruzmaltina) e Botafogo (Botafogo Samba Clube).

A consolidação das escolas de samba originadas nas torcidas de futebol só foi possível, principalmente em São Paulo, porque elas foram estruturadas como uma empresa, com estatuto, CNPJs e administrações distintas das torcidas, em que seus integrantes sabem sua divisão por setores e função e possuem espaços para que possam opinar e crescer. Algumas delas existem graças a recursos próprios e que são captados através de diversos eventos durante o ano, como feijoadas e programações socioculturais, ou são patrocinadas em parte, direta ou indiretamente, pela diretoria dos clubes que representam.

Historiadores apontam que o contexto histórico de cada uma das duas maiores cidades do país foi fundamental para diferenciar a ascensão e a dinâmica das torcidas organizadas no Carnaval, com maior ou menor sucesso. Segundo eles, o fato do Rio de Janeiro ter sido a capital do país ao final da Colônia, no Império e durante boa parte da República foi um fator de maior controle sobre a festa, bem como a associação umbilical com o jogo do bicho e a contravenção, praticamente inexistentes em São Paulo.

Para eles, conta também o argumento de que as escolas de samba do Rio de Janeiro já existiam há bem mais tempo e começaram a se consolidar na cidade a partir da década de 1930, ao mesmo tempo da popularização do futebol, porém não de forma relacionada. Pela própria importância deste tipo de ritmo e de musicalidade na então capital do país, cada carioca já trazia culturalmente uma escola de samba de coração, sem nenhuma relação com o time de futebol.

Para os pesquisadores, foi um movimento totalmente diferente do ocorrido em São Paulo, cujo Carnaval estava próximo de acabar e precisou das torcidas para resolver essa questão por causa da popularidade dos clubes.

Apesar do exagero nesta contextualização da criação das escolas ligadas às torcidas em São Paulo, eles alegam que quando Gaviões da Fiel e Mancha Verde, que não podem se apresentar no mesmo dia, entram no sambódromo, as arquibancadas lotam, mas quando vão embora, fica vazio. Sem tanto samba como podia se esperar e desejar, a Bahia segue, por enquanto, livre desse destino...

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