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Tabus, Tretas e Troças

E mais uma vez, o que parecia impossível vestiu-se de Corinthians

Tetracampeonato da Copa do Brasil chegou unindo sofrimento, resistência, fé quase irracional, luta até o fim, redenção e um improvável final feliz

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Sílvio Tudela

29/12/2025 às 9:00 - há XX semanas
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Há alguns poucos dias tudo indicava que o Corinthians terminaria 2025 como um retrato da desordem e apenas podendo comemorar a conquista do Campeonato Paulista justamente sobre o seu arquirrival Palmeiras, após seis longos anos de jejum de títulos. Poderia até se vangloriar de ter impedido o tetracampeonato do Alviverde (num movimento de vice-versa, quando também teve este mesmo sonho interrompido em 2020 pelo adversário). Também poderia celebrar por ter eliminado o mesmo time nas Oitavas de Final da Copa do Brasil e por ter visto seu maior adversário fracassar em todas as competições que disputou neste ano.


					E mais uma vez, o que parecia impossível vestiu-se de Corinthians
Foto: Reprodução / Redes sociais

Mas eis que no último jogo desta temporada do futebol brasileiro, o Corinthians se tornou tetracampeão da Copa do Brasil. E o título veio da maneira mais corintiana possível: na base da resistência, da fé quase irracional, da luta até o último segundo. Veio em um roteiro que misturou sofrimento, redenção e um improvável final feliz, daqueles que só fazem sentido no futebol. O título conquistado pelo clube paulista não foi apenas mais uma taça erguida; foi um acontecimento estatístico, emocional e simbólico. Um daqueles episódios que reforçam a razão do futebol insistir em escapar de qualquer tentativa de previsão racional.

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No início da temporada, os números eram implacáveis. O Corinthians tinha apenas 0,004% de chances de disputar a Copa do Brasil. Sim, praticamente nenhuma. Por causa dos péssimos resultados no Campeonato Paulista de 2024, quando nem chegou às fases finais, e no Campeonato Brasileiro do ano passado, a classificação para a própria Copa do Brasil deste ano já havia sido uma epopeia. Ainda assim, contrariando toda a matemática possível, o clube arrancou uma vaga na competição ao engatar nove vitórias consecutivas no Campeonato Brasileiro do ano passado, deixar a zona de rebaixamento e entrar na pré-Libertadores da América. Foi a partir dali que escreveu uma das histórias mais improváveis de sua centenária trajetória.

Um reencontro 25 anos depois

A final contra o Vasco da Gama trouxe ecos do passado. Vinte e cinco anos depois do histórico Mundial de Clubes da Fifa, em 2000, esses dois gigantes do futebol brasileiro, se reencontraram numa decisão nacional, novamente no Maracanã, novamente com o Corinthians vestindo branco, novamente com o peso da história pairando no ar. De cada um dos lados, desta vez, os dois últimos técnicos da Seleção Brasileira, mas que saíram desacreditados por causa dos péssimos resultados: Fernando Diniz (Vasco) e Dorival Júnior (Corinthians).

O empate sem gols num entediante jogo de ida, na Neo Química Arena, em Itaquera, deixou o roteiro em aberto. Mas a verdade é que, à exceção de sua Fiel Torcida, poucos apostavam no Corinthians após o desempenho na partida dentro de casa. O time vinha de um ano caótico, com trocas de treinador, crise política, dívidas sufocantes, processos de transfer ban na FIFA, protestos de torcedores organizados e uma campanha irregular no Campeonato Brasileiro. O resultado esperado era mais uma frustração.

Mas foi o derradeiro gol de Memphis Depay, quando a partida estava empatada em 1 a 1 nos domínios vascaínos, que talvez represente o símbolo máximo dessa história tão bonita. O lance que originou o gol do título nasceu de uma jogada genial do jovem Breno Bidon, passes sob medida de outros jogadores, como Matheuzinho e Yuri Alberto, e selou uma trajetória improvável para um time que soube ser eficiente quando mais precisava e transformou jogadores até então desacreditados em heróis. O sistema defensivo resistiu, o meio-campo lutou até o limite, e a equipe, como um organismo único, sobreviveu ao caos de um ano muito difícil e se tornou campeã.

Vídeo: Reprodução / Redes sociais

Talvez tenha sido a camisa, a memória coletiva ou aquela frase do poeta e artista francês Jean Cocteau, que pareceu ter sido escrita sob medida para a história alvinegra: “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.”. O Corinthians fez. Aquele jogo também foi sobre resistir ao abismo, como na reflexão do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “Quando você olha para o abismo, o abismo olha de volta para você.”. Pois o Corinthians olhou. Encarou suas próprias ruínas, suas contradições, seus erros administrativos, sua crise institucional. E, em vez de ser engolido, respondeu com futebol, com raça e com o sonhado e esperado título.

A trajetória até o título

O roteiro para o título ganhou contornos ainda mais épicos quando se observa o caminho até a decisão. Depois da desclassificação na pré-Libertadores da América e na Copa Sul-Americana ainda no primeiro semestre, tudo indicava que a trajetória pela Copa do Brasil seria parecida. A caminhada foi tortuosa desde o início. Com técnico novo no comando, o Corinthians precisou passar pela fase preliminar do torneio e eliminou o Novorizontino, mas logo se viu, por sorteio, diante do Palmeiras, o maior rival e então considerado o melhor time do país naquele momento. Enquanto o adversário desfilava favoritismo e investimentos milionários e se vangloriava de disputar a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, o Corinthians sobrevivia de ajustes, superação e entrega. Pois venceu os dois jogos com autoridade e com alma. E ao eliminar da competição seu maior antagonista, em uma temporada na qual o rival investiu pesado e terminou sem títulos, deixou claro para o torcedor que essa vitória não era um detalhe, mas um combustível emocional de transcendência.

Na sequência, veio o Athletico Paranaense nas Quartas de Final e depois o Cruzeiro nas Semifinais - dois clubes mais organizados, mais estáveis e teoricamente superiores naquele momento da temporada. Contra os mineiros, com uma vitória fora de casa e uma derrota em seus domínios, mas com o placar agregado empatado, a classificação veio nos pênaltis, com atuação decisiva do goleiro Hugo Souza, que viraria um dos símbolos da campanha. Até então, cada fase parecia o limite. E cada limite foi ultrapassado até a grande final.

Os bastidores tumultuados

O retrato do Corinthians neste ano foi o de um clube endividado e cofres vazios, acuado por investigações, atolado em crises políticas, dirigentes afastados, tropeçando em campo, colecionando vexames e convivendo mais uma vez com o fantasma real do rebaixamento por praticamente todo o campeonato de pontos corridos. Um time que, em muitos momentos, parecia caminhar mais para o abismo do que para a glória.

Mas o futebol, esse velho conspirador de narrativas improváveis, decidiu mais uma vez contrariar a lógica. O Corinthians termina a temporada levantando uma taça nacional após oito anos (a última havia sido o Heptacampeonato

Brasileiro de 2017), celebrando seu tetracampeonato da Copa do Brasil (1995, 2002, 2009 e 2025) e garantindo a última vaga direta na fase de grupos da Libertadores da América, algo impensável há semanas. Um contraste radical com a realidade administrativa, mas absolutamente fiel à sua história esportiva.

Mística corintiana

O título também resgata a mística da Fiel. Uma torcida que não abandona, que canta na derrota, que empurra mesmo quando o time parece não responder. Uma torcida que atravessou décadas de jejum, que invadiu aeroportos, que chorou, mas não abandonou sua equipe durante o rebaixamento, e que agora volta a celebrar. Porque até mesmo os mais ferrenhos adversários sabem que a torcida corintiana não assiste: ela participa, empurra e também decide.

E há ainda o toque mágico e quase sobrenatural na figura de seu treinador Dorival Júnior, técnico tantas vezes subestimado e que agora construiu mais um capítulo histórico de sua carreira justamente no Corinthians, que já havia vencido na final do mesmo torneio em 2022 comandando o Flamengo e eliminado na semifinal em 2023 dirigindo o São Paulo. Com o Corinthians, Dorival Júnior conquistou seu quarto título na competição (o primeiro havia sido com o Santos em 2010) e se tornou o recordista, igualando-se a Luiz Felipe Scolari.

Ao final, o que fica é a sensação de que o Corinthians venceu não apenas adversários, mas também o próprio destino. Um clube que parecia afundar encontrou fôlego onde não havia. Um time desacreditado escreveu mais um capítulo épico. E assim, entre ruínas e redenção, o Alvinegro Paulista mostrou mais uma vez que não existe impossível quando se carrega uma camisa que pesa, uma torcida que empurra e uma história que insiste em se repetir sempre do mesmo jeito: sofrida, dramática e absolutamente inesquecível, mostrando que não se trata de apenas um clube ou um time de futebol, como todos dizem e principalmente seus torcedores, mas de uma identidade.

Vídeo: Reprodução / Redes sociais

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