Era para ser uma festa. O convite para o 2° Fórum Brasileiro dos Treinadores de Futebol (FBTF) dizia que o evento pretendia discutir os desafios da profissão e trazia como chamariz a “presença de renomados treinadores brasileiros e muitos profissionais ligados ao futebol e toda sua cadeia operacional”. A convocação destacava a abordagem de temas relevantes para a classe, mas principalmente para o crescimento e o desenvolvimento do futebol nacional, e, por fim, a presença ilustre de Carlo Ancelotti, treinador da Seleção Brasileira, como convidado de honra. Deu tudo errado.

O constrangimento exposto publicamente no evento, realizado na sede da CBF, foi mais do que um episódio de grosseria diplomática. Foi um retrato fiel de um futebol que ainda resiste a olhar para o mundo. Diante de Carlo Ancelotti, técnico multicampeão da Europa e atual comandante da Seleção Brasileira, os ex-treinadores Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira reviveram um discurso nacionalista que soa cada vez mais ultrapassado: o de que apenas brasileiros deveriam ocupar os postos de treinadores do país. As declarações soam hipócritas e contraditórias, pois ambos os técnicos tiveram passagens vitoriosas no exterior, especialmente no futebol japonês.
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As declarações, feitas quando Carlo Ancelotti subia ao palco para homenagear Emerson Leão - provavelmente um ilustre desconhecido para ele -, geraram desconforto evidente e uma avalanche de críticas nas redes sociais, na imprensa e até dentro das próprias instituições envolvidas.
Convidado a permanecer no palco para entregar uma placa ao ex-treinador, Carlo Ancelotti ouviu em silêncio quando Emerson Leão declarou: “Eu sempre disse que não gosto de treinadores estrangeiros no meu país. Antes eu falava que não suportava, e continuo não suportando.”
Oswaldo de Oliveira, em seguida, reforçou a linha de raciocínio: “Quando o [Carlo] Ancelotti for embora, depois de ser campeão, que [a Seleção] volte a ter um treinador brasileiro.”.
Oswaldo de Oliveira “Quando o Ancelotti for embora depois de ser campeão, tomara que volte um treinador brasileiro ao comando da Seleção Brasileira!” byu/superdouradas infutebol
Apesar das protocolares palmas que foram feitas durante o discurso, talvez até sem a devida interpretação do “climão” ocorrido, o ambiente ficou pesado. Jornalistas presentes classificaram a cena como “constrangedora” e “vergonhosa”. Nas redes sociais, internautas ironizaram: “Palmas para Ancelotti - pela paciência.”
Mais tarde, Oswaldo de Oliveira tentou se explicar, afirmando que suas falas foram "editadas de forma mal-intencionada". Segundo ele, apenas quis defender a valorização dos técnicos brasileiros, e garantiu ter “enorme respeito” por Carlo Ancelotti.
Ao ser abordado pela imprensa, Davide Ancelotti, filho de treinador italiano e atualmente técnico do Botafogo, preferiu não reacender o episódio e afirmou ter uma boa relação com muitos treinadores do Brasil e que foi bem acolhido por todos. Segundo ele, em todas as ligas do mundo há profissionais nacionais e estrangeiros. Para ele, se você for olhar a Premier League, não é o futebol inglês dos anos 1990, e há muita integração. De acordo com ele, em 2025, falar e opor treinadores brasileiros com os de fora é uma coisa um pouco antiga.

Reações imediatas: CBF e FBTF repudiam as falas
A repercussão foi rápida. A CBF classificou as declarações de Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira como “deselegantes e desnecessárias”, especialmente por terem ocorrido dentro da própria sede da entidade, que havia cedido o espaço e oferecido apoio logístico ao evento. Internamente, o episódio foi tratado como um “desgaste desnecessário”, num momento em que a confederação tenta valorizar o diálogo entre os técnicos e a Seleção.
A FBTF, organizadora do fórum, também divulgou uma nota oficial de repúdio. No comunicado, lamentou a “postura inaceitável” de Oswaldo de Oliveira, que “manchou o espírito de união e diálogo” do evento. A federação reforçou ainda que “o futebol não tem fronteiras” e destacou que “Carlo Ancelotti é um profissional extremamente competente, com enormes conquistas e que merece todo respeito da categoria”.
Três trajetórias, três mundos diferentes
O contraste entre os currículos dos três personagens ajuda a entender o tamanho da distância simbólica e profissional entre eles. Enquanto Carlo Ancelotti continua no auge, sendo respeitado, relevante e, agora, responsável por comandar a Seleção Brasileira rumo à Copa do Mundo de 2026, Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira soam presos ao passado, defendendo fronteiras que o futebol moderno já derrubou há muito tempo.
Carlo Ancelotti, aos 66 anos, é o único treinador da história a vencer as cinco principais ligas europeias (Itália, Inglaterra, Espanha, Alemanha e França) e o recordista de títulos da Liga dos Campeões da UEFA, com cinco conquistas. É um símbolo de adaptação, diálogo e respeito por ser um técnico que sobreviveu a gerações de craques e transformações táticas sem jamais perder relevância.
Já Oswaldo de Oliveira, hoje com 73 anos, teve seu auge no final dos anos 1990, quando conquistou, com o Corinthians, o Campeonato Brasileiro de 1999 e o Mundial de Clubes em 2000. Depois disso, acumulou passagens instáveis e rápidas por mais de 20 clubes no Brasil, sem repetir o mesmo brilho. Teve uma boa passagem pelo Japão, onde conquistou títulos relevantes.
Emerson Leão, por sua vez, foi o goleiro reserva da Seleção Brasileira tricampeã de 1970 e construiu uma carreira de jogador e técnico marcada pela rigidez e pelo discurso inflamado. Embora tenha conquistado títulos nacionais por Sport (1987) e Santos (2002) e o da Conmebol com o Atlético Mineiro (1997), sua trajetória como treinador terminou sem projeção internacional, apesar de dois títulos conquistados no futebol japonês. Nos últimos anos, foi substituída por aparições esporádicas em eventos e entrevistas nostálgicas.
Um debate legítimo, mas malconduzido
Valorizar o técnico brasileiro é uma causa justa. O problema surge quando essa defesa se transforma em um discurso de isolamento e ressentimento. O futebol moderno é feito de trocas: ideias, metodologias e culturas se misturam e é justamente esse intercâmbio que mantém o jogo vivo e em evolução.
Enquanto Emerson Leão e Oswaldo de Oliveira insistem em proteger uma fronteira imaginária, Carlo Ancelotti, com seu histórico de conquistas e sua postura serena, encarna a antítese desse pensamento: a de que o respeito se constrói pelo trabalho, não pela nacionalidade.
As vergonhosas falas desses dois técnicos brasileiros são mais do que um desabafo de ex-treinadores. São um sintoma de uma parte do futebol brasileiro que ainda não se reconciliou com o próprio atraso. Em pleno 2025, a Seleção é comandada por um dos técnicos mais respeitados do planeta e, ironicamente, é dentro da sede da CBF que se escuta a resistência ao progresso.
O fórum, que pretendia celebrar a união dos treinadores, terminou revelando um abismo geracional. De um lado, um italiano que simboliza o futuro e o profissionalismo global. Do outro, dois brasileiros que ainda falam em nome de um passado que o futebol moderno já abandonou.
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