Aliar a vida de atleta de alto desempenho à maternidade é um conflito a mais para as mulheres que precisam de uma rotina extenuante de treinos, viagens frequentes e com pouco tempo disponível para a família. Em sua grande maioria, por pressões externas e sociais, muitas delas decidam postergar a decisão de ter filhos ou antecipar a própria aposentadoria, misturando sentimentos de alegria e frustração.
O drama nasce antes mesmo dos bebês, pois não são poucos os casos de mulheres que, no auge da carreira esportiva e com a possibilidade de disputarem torneios internacionais de renome, deparam-se com uma gravidez. Uma das histórias mais famosas envolve a tenista norte-americana Serena Williams, que descobriu estar grávida pela primeira vez a dois dias do Aberto da Austrália e optou por seguir na competição. E foi mantendo “em segredo” que que ela venceu pela sétima vez o torneio, revelando sua gestação quatro meses depois da conquista.
Leia também:
No Brasil, a história mais emblemática envolve a saudosa jogadora de vôlei Isabel Salgado (1960-2022), que na década de 1980 mostrou em público e para quem quisesse ver que é possível conciliar o esporte com a maternidade. Ela foi uma das pioneiras neste tema e, na época, sua atitude na vida e em quadras estava muito à frente de seu tempo, apontando caminhos para toda uma futura geração. Musa do Vôlei, como ficou conhecida, a atleta parou de treinar e jogar no início de sua primeira gestação, porém jogou até o sexto mês de gravidez do segundo filho.
Em pesquisa realizada pelo site semprefamilia.com.br, apenas 18 atletas gestantes competiram nos Jogos Olímpicos desde 1920. Entre elas, é conhecido o caso de Nur Suryani Taibi que, aos sete meses de gravidez, participou das provas de Tiro Esportivo em Londres-2012 e se tornou a primeira mulher da Malásia a disputar o evento. Outras esportistas de ponta conseguiram conciliar a gestação com as competições e obtiveram resultados expressivos pouco tempo depois de darem à luz, como as norte-americanas Sydney Leroux (futebol) e Candace Parker (basquetebol), a tenista belga Kim Clijsters, e as atletas brasileiras Juliana Veloso (saltos ornamentais) e Tandara Caixeta (voleibol). Conheça algumas!
Entretanto, obstáculos emocionais, psicológicos e financeiros sobrepõem-se aos físicos para as esportistas que enfrentam o desafio da gestação e,
posteriormente, da maternidade. A corredora norte-americana Phoebe Wright explicitou esses sentimentos na frase: “Ficar grávida é o beijo da morte para uma atleta mulher”. Também corredora, a estadunidense Alysia Montaño declarou: “Quando a mulher decide ter um bebê, a indústria do esporte a expulsa”.
É triste comprovar que a decisão pela maternidade ainda é tratada desta forma na vida de uma atleta, com perda de patrocínios, queda de remuneração, rupturas de contratos e a percepção de que, após a gravidez, a mulher se torna improdutiva no cenário esportivo. Enquanto os homens conseguem se dedicar ao esporte mesmo quando se tornam pais, as mulheres ainda precisam lidar com o fato que tornar-se mãe não é um indicativo de fim de carreira.
De todo modo, há iniciativas promissoras recentes e de médio prazo de patrocinadores nacionais e internacionais que vêm mudando essa mentalidade. Empresas privadas vêm apostando na criação de programas que visam oferecer uma perspectiva de que as atletas poderão gerenciar suas carreiras de forma mais tranquila e segura, podendo conciliá-las com a maternidade.
Seleção Brasileira
Única mãe entre as convocadas pela Seleção Brasileira para a Copa do Mundo na França em 2019, Tamires Dias disse em entrevistas que, mesmo tendo dado à luz há mais de 10 anos, ainda é questionada sobre como conciliar a maternidade e o esporte. Paralelamente, dos 23 jogadores homens convocados para a Copa do Mundo na Rússia em 2018, somente três não eram pais (naquele momento). Não se conhece publicamente o caso de algum que foi questionado sobre como conciliar paternidade e esporte.
Última hora
Apesar de proibido por lei no Brasil qualquer ato discriminatório contra a mulher (o que inclui as gestantes, as que pretendem engravidar e as que já são mães) na esfera da relação de emprego, infelizmente, no ambiente esportivo, quando uma atleta comunica sua gravidez, as coisas mudam de figura. Aparecem ações trabalhistas contra clubes que não quiseram honrar contratos e movimentos coletivos entre as mulheres. Alguns visaram recentemente, por exemplo, a criação de um auxílio financeiro para as atletas-mães que disputaram a Tokyo-2020 e a implantação de uma rede de apoio entre elas.
Apesar do cenário ainda cruel, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal aprovou, na semana que passou, um importante projeto que concede licença-maternidade a atletas profissionais (PL 229 / 2022). O benefício valerá também nos casos de adoção ou guarda judicial de menor. Este direito já está previsto na Constituição, mas os clubes não cumprem a medida por não estar explícito na legislação, vazio que a proposta deverá preencher.
Silvio Tudela
Silvio Tudela
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!