Antes de deixar a Espanha para se apresentar à Seleção Brasileira para disputar as Eliminatórias, Vinicius Júnior foi novamente vítima de racismo. Nenhuma novidade na trajetória recente deste talentoso e promissor atleta brasileiro que não aceita nenhum tipo de preconceito e, mais que isso, combate a todos aqueles que o ofendem e o sistema que lhe ataca.
Goste-se dele ou não, é por esta razão que neste Dia da Consciência Negra é mais que importante relembrar os fatos e a luta que Vini Jr trava todos os dias, praticamente tomando à frente o caso de milhares de jogadores que passam pela mesma situação, em todos os continentes e também no Brasil.
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O último episódio ocorreu logo após a goleada por 5 a 1 do Real Madrid sobre o Valencia, clube que foi o pivô de uma das mais horrendas cenas de racismo no futebol em maio deste ano - quando o time de Vini Jr foi jogar no leste mediterrâneo, no segundo turno do Campeonato Espanhol da temporada 2022/2023. Praticamente em uníssono, torcedores valencianos no Estádio Mestalla entoaram cânticos racistas contra o jogador e chocaram o mundo.
Desta vez, os ataques racistas partiram também de uma publicação esportiva valenciana, que acusou o jogador brasileiro de mentiroso e de prejudicar a imagem do time da cidade, após seu discurso ao receber a Bola de Ouro do Prêmio Sócrates, concedido pela France Football para identificar e homenagear ações de solidariedade e ações sociais promovidas por personalidades do futebol.
Durante o evento, ocorrido no final de outubro, Vini Jr foi elogiado pelo ex-atacante marfinense Didier Drogba, mestre de cerimônia da premiação, justamente em razão de sua luta contra o racismo. Na solenidade, o brasileiro falou que está cansado e triste em falar sobre o assunto e que preferia comentar sobre futebol, mas entende que não pode abandonar o tema e que vai seguir na luta para que crianças não se se sintam desamparadas em sua jornada.
O que mais irrita os racistas e atormenta aqueles que não assumem a gravidade da questão é que Vini Jr, felizmente e para nossa alegria, não se cala e, pelo contrário, parte para o ataque em suas entrevistas e redes sociais, da mesma forma como faz em campo esportivamente contra seus adversários.
Logo após o último jogo contra o Valência, em suas redes sociais, o brasileiro postou duas fotos das comemorações dos seus dois gols, no estádio Santiago Bernabéu, com indiretas ao veículo de comunicação que defende a “inexistência” de casos de racismo e já chegou a publicar uma capa com uma ilustração que mostrava o jogador brasileiro como Pinóquio.
No começo deste mês de novembro, a primeira página de seu site apresentou três textos em destaque criticando Vini Jr, sob os títulos "Chega de injustiças com Mestalla e Valência", "Prêmio Pinóquio pela ausência de valores" e "Os valores de Vinícius não merecem prêmios".
Antes disso, o veículo já havia desqualificado o depoimento dado pelo atacante após o lamentável episódio no Estádio Mestalla, em maio deste ano, e assumiu a postura negacionista e defensiva do Valência, que contestou os episódios de racismo no seu estádio e alegou, em comunicado oficial, que os torcedores valencianos não podem ser classificados como racistas. Mais que isso, pediu uma espécie de retratação pública do brasileiro sobre o seu depoimento.
Em termos práticos, o Comitê de Competições da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) puniu o Valencia com multa de 45 mil euros (cerca de R$ 241 mil na época) e interditou por cinco partidas o setor do estádio onde ocorreu a maior parte das ofensas ao brasileiro. A direção da equipe espanhola considerou as punições injustas e também acusou Rodrygo, parceiro de Vini Jr no Real Madrid, de mentir sobre o caso.
Sevilla age, mas também mostra seu preconceito
Alguns outros episódios hediondos de racismo contra o jogador brasileiro foram registrados, como quando enfrentou o Sevilla, agora em outubro. Após a partida, o clube informou que expulsou um torcedor do estádio por “comportamento racista e xenófobo”, conduziu o mesmo à polícia, e o expulsou do quadro de sócios do clube.
Mas durante uma transmissão de pós-jogo no canal oficial do clube andaluz no YouTube, o jogador brasileiro foi criticado por sua “postura provocativa”. Chegaram ao ponto de afirmar que, apesar das atitudes racistas serem repreensíveis e injustificadas, não é possível consentir com tudo o que ele faz, e não se deve dar a ele o Prêmio da Paz. A verdade é que o simples fato de Vini Jr olhar para a arquibancada adversária e comemorar seus gols de forma festiva já é o bastante para a fúria racista vir à tona.
Em suas redes sociais, o brasileiro lamentou "mais um triste episódio no futebol espanhol" e disparou ironias: "Desculpem parecer repetitivo, mas é o episódio isolado número 19. E contando...", escreveu.
Não são casos isolados
Até maio, o ataque racista no Estádio Mestalla, ao que se sabe, já se configurava como o décimo episódio noticiado como racismo contra Vini Jr na Espanha e já é comprovado que os casos contra ele vêm se intensificando: houve uma notificação em 2021, três em 2022 e seis até o emblemático caso de Valência.
Torcedores do Mallorca, Real Betis, Real Valladolid e Osasuna não estão sozinhos nos ataques. Apoiadores do Barcelona foram flagrados gritando insultos contra o brasileiro cantando 'Morra, Vinícius' várias vezes ao longo de uma partida. Torcedores do Atlético de Madrid fizeram pichações e ameaças em vias públicas, expondo um boneco enforcado do jogador numa ponte e cercaram o estádio aos cânticos de "Eres un mono, Vinicius eres un mono" ("Você é um macaco, Vinicius você é um macaco").
O silêncio das autoridades espanholas
Mais do que voltar-se contra os torcedores racistas que o ofendem, Vini Jr também não poupa a Real Federação Espanhola de Futebol e a La Liga e as acusa de serem coniventes e omissas com o racismo, pois até agora, as punições se restringiram a multas, suspensões temporárias de torcedores e nenhuma prisão.
Fugindo do debate e de ações mais severas, a entidade esportiva diz que não tem autoridade para punir clubes ou jogadores, mas que encaminha todos os casos para as autoridades policiais espanholas. E para piorar, Pedro Bravo, presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores, já chegou a dizer que o atacante deveria "parar de fazer macaquice" e ir ao "sambódromo do Brasil" caso queira "dançar", provocando forte reação da opinião pública.
Enfim, é muito feio e vergonhoso que um país que vai sediar a Copa do Mundo de 2030, em conjunto com Portugal e Marrocos, repleto de imigrantes pretos em seu futebol, todos na fronteira mais próxima entre a Europa e a África, ainda continue deixando impune manifestações racistas e trazendo para dentro de um dos campeonatos mais ricos e disputados do mundo uma mancha que entristece e envergonha o sentido de humanidade.
Mas para isso, felizmente, ainda temos Vini Jr!
SÍLVIO TUDELA
Silvio Tudela
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