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TABUS, TRETAS E TROÇAS COM SÍLVIO TUDELA

Treta antiga: Inglaterra e Brasil disputam narrativa pela posse do futebol

Criador e Criatura do futebol já duelaram em Copas do Mundo, Mundiais de Clube e tiveram encontro de milhões de reais

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Sílvio Tudela

19/09/2022 às 9:00 - há XX semanas
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					Treta antiga: Inglaterra e Brasil disputam narrativa pela posse do futebol

Apesar de jogos duríssimos e com destinos decisivos em campo, Brasil e Inglaterra nunca foram adversários que se odiaram com a máxima força, mas, em termos de batalhas simbólicas, esse conflito já dura quase uma “Guerra dos 100 Anos” e a história promete nunca acabar. Enquanto os ingleses se autodenominam os Pais do Futebol, os brasileiros têm certeza que vivem no País do Futebol.

É importante lembrar que o futebol moderno foi codificado e organizado na maioria de suas regras pela Inglaterra, por volta de 1860, e introduzido oficialmente no Brasil por Charles Miller, em 1895, logo que este retornou dos estudos na Grã-Bretanha. Praticado inicialmente pelos membros da elite brasileira que dominavam o idioma inglês, sua rápida popularização entre as camadas mais populares ocorreu até o início da década de 1930 e mudou o cenário do futebol no Brasil e no mundo através da apropriação do esporte de “origem britânica”. Não é à toa que maioria das equipes que surgiram na época tinham grafias estrangeiras e que versos do Sport Club Corinthians Paulista relembrem até hoje a origem desse esporte em seu hino: “Teu passado é uma bandeira / Teu presente é uma lição / Figuras entre os primeiros / do nosso esporte bretão”.

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Nessa disputa pela linguagem, os ingleses continuam na frente, mesmo que a maioria dos brasileiros não tenham essa percepção. O palavreado usado entre técnicos, jogadores e torcedores ainda é reflexo da passagem de um esporte de elite para um de prática extremamente popular. Não foram poucos os puristas que tentaram batizá-lo por aqui de ludopédio, balípodo ou podosfera, mas seus esforços fracassaram porque o termo futebol já estava dominado pela população que, queiram ou não, define o que gosta e como quer que seja jogado e chamado.

A começar pelo nome do esporte, o termo futebol talvez seja o anglicismo mais celebrado do Brasil e muitos podem nem imaginar que veio do inglês football, da associação de foot (pé) mais ball (bola), ou literalmente "bola no pé". A lista é extensa e começou a ser registrada nas primeiras súmulas dos jogos, nas palavras goal (gol, meta, objetivo) e team (time), talvez as mais importantes.

No futebol inglês, as posições no jogo, entre tantas outras, possuíam goalkeeper (goleiro), backs (defensores) e halfs (meios de campo), mas no Brasil, com o surgimento do rádio e das primeiras transmissões, ganharam as formas de "golquíper", "beques" e "alfos", numa curiosa e pitoresca mistura linguística. Até mesmo as jogadas tinham o DNA inglês: corner virou escanteio, penalty passou a ser pênalti ou penalidade máxima, o consolation goal abrasileirou-se para gol de honra, extra time virou prorrogação e stadium ou arena passaram a serem chamados de estádios e arenas (este último a partir da Copa do Mundo de 2014). Alguns termos não conseguiram ser aportuguesados e continuaram a ser usados no original, como replay (repetição), fair play (jogo limpo) e hat trick (termo que todo fã de futebol conhece e que significa três gols marcados pelo mesmo jogador numa mesma partida – o que virou até quadro no Fantástico (Rede Globo) para o atleta pedir música.


				
					Treta antiga: Inglaterra e Brasil disputam narrativa pela posse do futebol
Thompson Paul

Para quem torce a família real britânica?

Realeza que é realeza não se manifesta sobre assuntos mundanos, principalmente em público, e isso diz respeito até mesmo a questões políticas, econômicas, sociais e esportivas, tudo com o objetivo de evitar polêmicas e fazer pairar sobre os súditos uma aura de neutralidade. Mas nem tudo é assim no futebol, que realmente extrapola paixões, inclusive reais, e somente os fracos conseguem vestir mais de uma camisa.

Nesta última semana, em que o mundo acompanhou as cerimônias do funeral de Elizabeth II, não foram poucos os veículos de comunicação e portais esportivos que tentaram especular ou cravar, nas entrelinhas históricas, as preferências da rainha e de seus herdeiros ao trono inglês. Os times de Londres, como Chelsea e West Ham, já foram apontados como os clubes que contavam com o amor dos membros da Família Real. Mas times de outras regiões da Inglaterra também entraram na lista de agremiações admiradas.

Durante anos especulou-se que a Elizabeth II era grande fã do West Ham United nos anos 1960. Mas há também suposições de que ela era torcedora do Arsenal, o que ganhou maior proporção após a monarca ter recebido o treinador e ex-jogador francês Arsène Wenger, que foi técnico do Arsenal de 1996 a 2018, em um evento no Castelo de Buckingham, no ano de 2007. Mas esse segredo vai com ela para o túmulo, pois a soberana preferiu permanecer neutra nesta questão.

Na linha sucessória direta ao trono, os herdeiros demonstraram sutilmente torcer por vários clubes de futebol ao longo dos anos, com rumores de que certos jogadores e treinadores influenciaram suas escolhas. Supõe-se que o Rei Charles III seja torcedor do Burnley Football Club, apelidado de The Clarets, após fazer um trabalho comunitário na área, em 2012. Mais afoito, o Príncipe William é dado como um torcedor ativo do Aston Villa e já foi visto muitas vezes no Villa Park desde que foi apresentado ao estádio quando criança. Uma coisa é certa: ao conversar com alguns jovens nestes dias e descobrir que um deles seria fã do Manchester United, sorriu e maliciosamente disparou: “ninguém pode ser perfeito em tudo”. Mais discreto em sua participação com o futebol, sendo visto apenas em jogos da Inglaterra ou nas finais das Copas do Mundo, o Príncipe Harry passou a ser identificado como mais um da Família Real a torcer para o Arsenal, durante um depoimento feito enquanto conduzia um serviço social na Nova Zelândia. Menos ligada ao protocolo real, Kate Middleton, futura rainha consorte esperada do Reino Unido, revelou, durante um evento em 2015, que é torcedora do Chelsea.

Que reis, rainhas, príncipes e princesas tenham suas predileções ninguém duvida, mas se nos parece estranho que o agora Rei Charles III seja o chefe da Igreja Anglicana, não é de se estranhar que o Príncipe William, primeiro na linha sucessória ao trono, tem como uma de suas funções o quase figurativo cargo de presidente da Football Association (FA), a federação inglesa, desde 2006. A posição é destinada a um membro da Família Real desde a década de 1930.

Honrarias aos destaques do esporte

Nesta segunda-feira, 19 de setembro, quando se encerra de vez uma era, é importante destacar que a rainha Elizabeth II, por diversas vezes, condecorou como cavaleiros da Ordem do Império Britânico, pessoas que tiveram destaque em diversas áreas, como desporto, música, cinema, artes em geral e cientistas. No esporte, o título de “Sir” foi concedido:

  • Em 1974, a Bobby Charlton (principal nome da história do futebol inglês e o maior jogador da equipe que conquistou o inédito título da Copa do Mundo de 1966, quando os ingleses jogaram em casa);
  • Em 1999, ao multicampeão técnico do Manchester United Alex Ferguson (no ano em que o clube ganhou sua primeira taça do Mundial de Clubes contra o Palmeiras e eleito, em 2020, pela revista inglesa FourFourTwo, como o maior técnico da história do futebol, em uma lista com 100 nomes);
  • Em 2003, ao jogador David Beckham (quando atuava pelo Manchester United e por ser o líder e o principal nome da seleção da Inglaterra na época e definido como um grande embaixador para o país, dentro e fora de campo);
  • Em 2017, ao atleta Mohamed Muktar Jama Mo Farah, cujo verdadeiro nome é Hussein Abdi Kahin (fundista bicampeão olímpico e mundial nascido na Somália e filho de britânicos, além de especialista nos 5 mil e 10 mil metros);
  • E em 2018, ao heptacampeão mundial de Fórmula 1 Lewis Hamilton (ainda em atividade e tendo como meta isolar-se como o maior piloto de todos os tempos se superar a marca de Michael Schumacher).

Os encontros entre o Rei Pelé e a Rainha Elizabeth II

Brasil e Inglaterra tiveram por duas vezes, no século passado, um “encontro real”. O primeiro aconteceu em novembro de 1968, quando em sua única visita ao país, a Rainha Elizabeth II esteve no Maracanã para ver o Rei Pelé em ação durante uma partida amistosa. O brasileiro marcou um dos gols (o 900º de sua carreira) na vitória da seleção de São Paulo sobre a do Rio de Janeiro por 5 a 3. Posteriormente, ele teve um breve diálogo com a monarca nas tribunas do Maracanã, onde ela lhe entregou o troféu.

Quase 20 anos depois, o brasileiro e então titular do Ministério do Esporte Edson Arantes do Nascimento teve um segundo encontro com Sua Majestade, em dezembro de 1997, quando foi condecorado, na sede do Chelsea, em Londres, com a Ordem de Cavaleiro do Império Britânico. Diferentemente das condecorações já mencionadas aos esportistas, de acordo com o Palácio de Buckingham, a comenda é equivalente ao título de "Sir", mas como o ex-jogador não é britânico, não poderia ser chamado desta forma.

Até porque de súdito Pelé não tem é nada. E também porque é Rei!

Batalha entre Criador e Criatura pode definir o Hexacampeonato

Há um equilíbrio completo nas finais entre clubes brasileiros e ingleses nos Mundiais de Clubes da Fifa. Nos últimos dez anos, os britânicos levaram a melhor nas edições de 2021 (Chelsea 2 x 1 Palmeiras) e 2019 (Liverpool 1 x 0 Flamengo), enquanto na década anterior os times brasileiros venceram em 2012 (Corinthians 1 x 0 Chelsea) e em 2005 (São Paulo 1 x 0 Liverpool).

Com cinco títulos mundiais na galeria, a Seleção Brasileira dá de ombros para o título solitário e conquistado de forma polêmica pelos ingleses. Em Copas do Mundo foram apenas quatro encontros, com três vitórias brasileiras (3 a 1 em 1962, 1 a 0 em 1970, e 2 a 1 em 2002) e um empate (0 a 0 em 1958). O Brasil só não foi campeão mundial passando pela seleção inglesa na campanha do Penta.

Nos cenários para o Qatar 2022, para chegar ao Hexa, levando-se em conta somente a possibilidade de encontrar pelo caminho as seleções europeias (o nosso maior pesadelo desde 2002), o grupo classificatório do Brasil terá o reencontro com Sérvia e Suíça logo de entrada, mesmos adversários de 2018. Caso a classificação seja confirmada para as fases decisivas, Portugal pode pintar nas Oitavas; Alemanha, Bélgica, Espanha ou Croácia nas Quartas; Holanda na Semifinal; e França ou Inglaterra na Grande Final. A confirmar se teremos uma confirmação da superioridade brasileira ou uma redenção do Reino Unido.


				
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