“Oh, meu Deus do céu, na terra é Carnaval/ Chama o pessoal/ Manda descer pra ver Filhos de Gandhi”, cantou Gilberto Gil na música Filhos de Gandhi, composta logo após seu regresso do exílio em Londres (1968-1971), ao se deparar com o afoxé Filhos de Gandhy em tamanho reduzido na avenida.
“O bloco, tão vivo na minha memória, tinha sido um dos grandes emblemas da minha infância e era o mais antigo da cidade”, explicou o cantor em depoimento no disco Gil & Jorge - Ogum Xangô (1975). Em 2014, quando completa 65 anos, o afoxé tem 15 mil associados, dos quais entre cinco e seis mil desfilam na folia.
“Eu tinha veneração pelo Gandhy e, ao revê-lo numa situação de indigência, me deu uma dor seguida de um arroubo de filialidade, de amor de filho, arrimo de família; resolvi dar uma força. A primeira coisa que fiz foi me inscrever no bloco para ‘engrossar o caldo’. Depois fiz a música, e continuei saindo - saí 13 anos seguidos”, recorda Gil (depoimento disponível em seu site), que tinha apenas 7 anos quando o Gandhy estreou no Carnaval baiano, em 1949.
A força do filho ilustre, de fato, renovou os ares do Gandhy, que chegou a ficar de fora do Carnaval nos anos de 1974 e 75 por problemas administrativos. Mas, amanhã, o afoxé demonstra a força de uma tradição construída ao longo dos anos, nas ruas do Centro Histórico de Salvador, na festa em comemoração aos seus 65 anos, no Museu du Ritmo, às 17h, com a participação de convidados - dentre eles, Carlinhos Brown, que homenageia o bloco em seu novo e bom disco, Marabô, com o ijexá eletrônico Tatá Gandhi.
Nova estética
“O Gandhy surgiu por uma questão econômica, como uma alternativa pro momento. Não tinha intenção de ser um grande bloco”, recorda o vice-presidente da entidade, Xiko Lima, que assumiu o posto em abril do ano passado, mas já é associado desde a década de 1980.
Criado por um grupo de estivadores inconformados com a impossibilidade de o bloco carnavalesco Comendo Coentro desfilar, o Filhos de Gandhy foi às ruas com apenas 36 pessoas em seu primeiro ano, entoando marchinhas carnavalescas, antes mesmo de se dedicar ao ijexá, mas já dentro da filosofia de paz encampada pelo líder indiano Gandhi (1869-1948), assassinado no ano anterior.
“Nos tornamos referência da cultura da paz. E é preciso retomar esse discurso e fazer dele uma bandeira; partindo para a prática”, ressalta Lima.
Um dos focos, na prática, é justamente a Banda Show Filhos de Gandhy. “Estamos buscando uma nova estética pro afoxé, sem perder a tradição, que é o mais importante. Então, mantemos a nossa linha de interpretação, o ritmo ijexá, mas com uma nova roupagem, acrescentando harmonia dentro da percussão”, explica o vice-presidente.
E o público vai poder conferir as novidades no show, cuja direção artística está a cargo do maestro Letieres Leite, idealizador da Orkestra Rumpilezz. “Minha relação com o Gandhy sempre foi de afeto, observação e estudo. Há muito tempo que analiso o toque e a maneira com que eles executam o ijexá, pra identificar os diferentes tipos de levada”, afirma Leite.
Ao toque do agogô e atabaques, o maestro acrescentou baixo vertical e violão. “Mas o público nem vai notar diferenças, porque a percussão tá toda ali: o baixo conversa com o tambor grave e o violão faz o papel de instrumento médio ou agogô. É o mesmo formato usado na salsa e na música africana, preservando o universo rítmico do ijexá dentro da sua originalidade e força”.
A proposta de se atualizar, mas sem perder a essência, inclui oficinas de empreendedorismo voltada às crianças e adolescentes do Pelourinho e entorno. Duas já estão em execução, fruto de parceria com a Rede Bahia; de canto e de percussão, beneficiando diretamente 60 jovens. A turma, inclusive, se apresenta dia 23, no Cais Dourado, como parte dos festejos dos 65 anos do bloco.
A programação de aniversário ainda inclui um Festival de Música, dia 16, gratuito, na sede do bloco, com concurso de músicas inspiradas em seu tema de Carnaval: Gandhy - Tradição, Religião, Fé e Respeito: Uma Reverência aos Templos dos Orixás. Já no dia 18 tem missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, aberta ao público.
É preparar o turbante, as contas e a alfazema. “Na hora que se coloca a fantasia de Gandhy, a hierarquia social desaparece e são todos iguais”, decreta Xiko Lima. Matéria original: Correio24h Afoxé Filhos de Gandhy celebra 65 anos com show e novos arranjos
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