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MÚSICA

'Faço da música a minha religião', diz Lenine em entrevista

Cantor se apresenta em Salvador no dia 19 de maio, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves

Redação iBahia • 16/05/2018 às 15:00 • Atualizada em 26/08/2022 às 18:54 - há XX semanas

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Transitório, transitivo e trans... Lenine afirma que não há adjetivo que possa definir o momento desesperançoso que estamos vivendo. O lançamento do novo álbum 'Em Trânsito' será nesta sexta-feira (11) e o artista escolheu a capital baiana para estrear sua turnê, o show será no dia 19 de maio, na Conha Acústica, às 19h. Ele resolveu nomear o projeto desta forma como uma tentativa de decodificar o que, muitas vezes, é inexplicável. "Revela um pouco desse caos que a gente está vivendo, essa confusão ímpar, dissimulação escancarada em todas as áreas do ser humano", declarou.

Aos 59 anos, o cantautor - palavra que o melhor define - relatou que encontra no mundo as inspirações necessárias para compor. Lenine fez da música sua casa, família e religião. "Eu transformei tocar, subir no palco e fazer um show como minha missa, o meu ritual, a minha conexão com o divino".

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Foto: Rogério Von Kruger/ Divulgação

Em entrevista para o iBahia, o artista abriu o coração e falou sobre carreira, família, política, cenário musical brasileiro, além de religião. Questionado sobre o peso de saber que ele é considerado um formador de opinião, Lenine contou que acredita na arte como uma ferramenta de transformação e, também, que enquanto ele puder utilizar essa visibilidade que a música proporciona, ele utilizará. Confira a entrevista na íntegra:

iBahia: Em entrevista a um programa de televisão, você se definiu como colecionador de palavras e ainda comentou que antes mesmo de produzir um disco, o nome precisa ser criado. Por que você escolheu nomear seu novo trabalho como 'Em Trânsito'?
LN:
Justamente por não ter a mínima ideia para onde ir. Na física e na química, como você detecta um elétron? Não detecta. Você detecta só o movimento. Então, essa sensação de estar em trânsito e, por tanto, ser muito transitório, esse estado de condição de não termos a mínima ideia para onde isso vai nos levar. Ao estado de coisas que estamos ao ponto da gente desacreditar de qualquer futuro possível, melhor, a falta de expectativa e perspectiva que a gente vê hoje em dia. Por tudo isso, eu fui quase que levado a fazer um projeto novo, que tem esse título não por acaso, e que forçosamente revela um pouco desse caos que a gente está vivendo, essa confusão ímpar, dissimulação escancarada em todas as áreas do ser humano. Para quem trabalha com sentimento, é muito difícil de sintonizar. Muito do projeto ‘Em Trânsito’ revela esse momento desesperançoso que eu me encontro, esse momento transitório, transitivo, esse momento trans que eu me encontro, que não tem adjetivo, não tem palavra para descrever. Tem muito a ver com a ideia do efêmero, do que está acontecendo e eu acho que isso faz parte da alma do que eu preferi chamar de ‘Em Trânsito’. Esse processo tem algumas coisas que diferenciam muito dos processos e das mecânicas que eu já vinha fazendo. Eu estava necessitado de estímulo. O tempo todo eu estou querendo mudar a forma de fazer, testar novos caminhos. Para garantir que eu permaneça com o mesmo desejo, com a mesma paixão. Eu não saberia fazer de outra forma. E vou estrear em Salvador não por acaso, os shows darão origem ao documentário, que, talvez, depois eu pegue as músicas inéditas e lance um novo CD chamado ‘Transitado’, produzido em estúdio.

iB: Com todo esse processo criativo, existe alguma música que é seu 'xodó'?
LN:
As mais novas (risos). Sabe por quê? Porque é como filho. Não é que a gente goste mais de um, mas precisamos dar mais atenção ao mais novo. Mas a gente só faz isso porque o filho mais novo carece disso. É como eu sinto com as canções novas, eu sinto uma paixão delicada porque são novas, precisam da minha atenção e estão engatinhando ainda.

iB: Se você fosse regravar uma música com alguma artista baiano qual faixa seria e com quem seria?
LN: Caramba, que sacanagem! (risos) Eu teria tantas canções que eu poderia fazer. Tantos amigos que eu tenho. Eu lembro de um Gerônimo, “eu vou navegar...”, mas eu me lembro também de Raimundo Sodré, “a massa da mandioca”, é muita coisa... Roberto Mendes, Margareth Menezes, eu tenho muitos, muitos amigos. É muito difícil escolher um.

iB: No seu disco 'Carbono', lançado em 2015, você chegou a gravar uma das músicas aqui em Salvador. Qual sua relação com a cidade? E o que mais chamou a sua atenção?
LN:
Um dos maiores públicos que eu tenho é o de Salvador. Tenho ciência de que eu tenho um público fiel na cidade. Há uma passionalidade que, pra mim, é de um afeto enorme. A cidade é muito musical e existe uma indústria do ramo muito forte, mas ela é, às vezes, monocórdia. As pessoas são extremamente musicais e gostam de diversidade. Todo mundo em Salvador é meio músico e eles encontram esse reflexo na cidade. Eu acho que por conta de tudo isso, eu tenho essa ligação profunda e perene com a cidade.

Foto: Rogério Von Kruger/ Divulgação
iB: Por que você se denomina como cantautor?LN: Essa palavra existe em todas línguas latinas, mas só no Brasil que a gente não usa. Ela diz muito e estou fazendo uma maior campanha pro Aurélio [dicionário] assumir. Cantautor é aquela pessoa que compõe, toca e canta. É um pacotão, um combo, 3 em 1. Mas, ora, a cultura popular do cancioneiro vem desse universo. A palavra me define... desde o século XI quando as pessoas se apresentavam com instrumentos e declamavam suas poesias. Me define mais do que compositor, artista, cantor ou músico.

iB: Depois de tantos anos de carreira, o que mais te motiva a continuar e qual o sentido que a música tem em sua vida?
LN:
É difícil. Sou feito de raízes e antenas... O ser humano é muito volátil. O que achava ontem, a gente já não acha hoje. É sempre muito temeroso pra mim botar as coisas concretas demais. Eu continuo fazendo o que eu gosto e da maneira que eu gosto... Uma maneira até um pouco egoísta. Mas não abro mão disso e sou um pouco intransigente na hora do fazer e de cantar. Continuo me divertindo de uma maneira quase adolescente, ainda. Sobre os estímulos para compor, nesse caos todo, acho que o que não falta é tema. Daí que surgiu, desse caos, a primeira música lançada do cd, ‘Intolerância’. Essa senhora está frequentando os lares de todos os cantos e ela chega com o pé na porta. Isso é um sinal dos tempos e revela muito o que nós estamos vivendo. Principalmente no universo de rede, que aumenta a possibilidade da pessoa ser não o que ela é, mas sim um ‘avatar’.

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iB: De alguma forma, trabalhar com a família auxilia na produção? É mais fácil cobrar quem é 'dos nossos'?
LN:
Não é só questão de cobrar, é porque você é amado. Ritualizei o que eu faço ao ponto de ser um núcleo familiar. A gente se gosta muito. Não é só a turma que fica em cima do palco comigo, mas um grupo, um núcleo de quase 20 pessoas que crescem juntos. E esse eu acho que é o melhor alimento para quem cria: trabalhar com a arte de maneira coletiva. Esse coletivo tem importância fundamental pra mim e isso continua me dando forças, me alimentando e dando tesão. Quando eu falo de família não falo apenas de família sanguínea, mas sim de laços criados ao longo da vida. Eu só sei fazer com os meus, eu só sei fazer com a hedge do afeto.

iB: Em suas redes sociais e entrevistas você não costuma esconder suas ideias e posicionamentos. Você acha que isso te prejudica de alguma forma? Ou te complementa como artista e cidadão?
LN:
Eu sou um ser humano, sou um cidadão antes de ser um artista. Me posicionar faz parte da minha formação e, por isso, não me preocupo muito se me ajuda ou me atrapalha. Eu acho que é um exercício de cidadania que todos nós deviríamos praticar. Mas as coisas quando são editadas e decupadas ela podem soar com uma intenção totalmente diferente. Uma coisa é eu falar algo com um determinado contexto e alguém escrever esse mesmo texto sem pontuação mandado por e-mail, por exemplo. Você pode ter mil entendimentos diferentes com essas mesmas palavras. Eu sou o que sou e sou um cidadão. Tenho minhas posições e elas antecedem o fato de ser artista.

iB: Sabemos que você levanta a bandeira da causa ambiental. Quando você percebeu que era preciso abraçar essa causa e incentivar que outras pessoas também abraçassem essa pauta?
LN: Não gosto de levantar bandeira não (risos). Eu apenas me solidarizo muito com algumas causas, não só as ambientais. A grande questão é como eu posso, com a exposição que meu trabalho em dá, ajudar os invisíveis. Quando eu falo dos invisíveis, por exemplo, eu falo desse ser humano abnegado que se trancou no Pará para catalogar as plantas da cidade. Esse cara não é furo jornalístico. O cara que matou o policial é, lógico. Essa invisibilidade faz com que a gente não reverbere as coisas boas, as conquistas do ser humano. Eu tenho muitos parceiros que eu divido a exposição que a música me dá, para chamar atenção das coisas que eu acho relevantes e sérias, não só na área ambiental e social. Ultimamente tem sido a causa indígena. Eles ainda hoje são dizimados de maneira oficiosa. Essa história do agronegócio, ‘o agro é pop’, o agro é tóxico! Cada vez mais estão sendo não só usurpados do seu viver, mas estão sendo dizimados. São causas que eu acho que todos nós deviríamos nos engajar. O agro tem que entender que se não tiver água, ele não tem como alimentar o boi dele e que a água só vai continuar vindo dos rios voadores, se a Amazônia continuar intacta. É um paradoxo o agro querer desmatar, são questões que são relevantes para qualquer um que imagina um futuro melhor para as pessoas. Essas causas me tocam, me comovem e à medida que eu posso dividir a atenção da minha música com esses invisíveis, eu vou dividir.

iB: Pesa saber que além de inspiração artística para algumas pessoas, você também é formador de opinião?
LN:
Olha, que bom! Se eu levar as pessoas a pensar, eu já estou muito feliz. Eu não em encaixo só no universo do entretenimento, lógico adoro entreter. Mas eu conto com a possibilidade de que quando as pessoas forem para casa depois do show, elas pensem sobre o que estou cantando, falando... E isso é acreditar que pode ser uma ferramenta de transformação. Eu acredito nessa ferramenta.

iB: Sabemos que o Brasil é um país diverso e isso se reflete, também, na música. Como você define o cenário da música brasileira?
LN:
É um cenário multifacetado, muito bacana. Nunca foi tão instigante, nunca ouvi tanta coisa boa como tenho ouvido e acho que quem diz o contrário ou é surdo ou é míope. O difícil, talvez, seja achar as coisas, pois está tudo muito pulverizado. O que eu tenho ouvido é muita coisa boa e seria difícil listar, eu teria que pegar lugar por lugar, estado por estado... sempre tem pessoas misturando pop, eletrônica com ritmos regionais e o vocabulário do local. Eu vejo isso em todo canto do Brasil. E não é nenhum tipo de ufanismo não, é constatação. Eu viajo muito, a música é generosa comigo, e eu vejo isso pelo país.

iB: Você se considera um profissional realizado? Existe algo que você ainda não conseguiu colocar em prática, mas sempre desejou?
LN: Eu prefiro o gerúndio, realizando (risos). Eu me sinto realizando, em trânsito.

iB: Qual papel que a religião tem em sua vida?
LN: A música é minha religião. Eu transformei tocar, subir no palco e fazer um show como minha missa, o meu ritual, a minha conexão com o divino. A minha religião passou a ser isso: a constatação do divino. E isso não funciona só com a música não... Eu quando acordo de manhã e vejo aquele sol lindo, maravilhoso, eu digo “eita! Isso é o divino”. Então, essa possibilidade de perceber o divino em todo canto, se a gente pode chamar isso de religião, então eu sou um ser cada vez mais religioso.

Serviço
Show: Lenine em Trânsito
Data: 19 maio (sábado)
Local: Concha Acústica do TCA
Horário: 19h
Vendas: Bilheteria do TCA, SAC's Barra e Bela Vista e site
Valores: 1° lote - Plateia - R$ 30 (meia) / R$ 60 (inteira)

; Camarote – R$ 60 (meia) / R$ 120 (inteira)

*Sob orientação e supervisão da repórter Isadora Sodré.

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