O café amargo, sem açúcar ou adoçante, impõe uma pausa na entrevista, até porque Christiane Torloni precisa remover o aparelho ortodôntico. “Parece coisa de criança, né? Mas isso mantém o alinhamento de dente e gengiva. Dente é saúde. Não é só estética. A gente precisa ter o equipamento todo funcionando direitinho”, diz a atriz de “O tempo não para”, da TV Globo.
Aos 61 anos, Christiane agarra-se com unhas e dentes a outra bandeira que também inspira cuidados: o meio ambiente. Lança-se no Festival do Rio como diretora do documentário “Amazônia — O despertar da florestania”, com pré-estreia na próxima sexta-feira, no Estação Net Gávea.
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A vocação para abraçar causas não é de hoje. Em 1984, em um cenário de dúvidas, ela já mostrava a face de ativista na campanha das “Diretas já”. Mas a durona engajada também vê a fortaleza balançar. Christiane sucumbe quando fala sobre a trágica perda de um dos filhos gêmeos do casamento com o ator e diretor Dennis Carvalho — Guilherme, de 12 anos, morreu em outubro de 1991, em um acidente de carro, praticamente nos seus braços. A dor ainda umedece os olhos e amarga a vida, 27 anos depois.
Como surgiu a ideia do documentário?
Vou para a Amazônia desde os anos 80 e, quando gravamos lá a minissérie “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes” (em 2007), vi o que era a devastação. Aquilo mexeu tanto comigo, que eu, o Victor Fasano e o Juca de Oliveira fizemos um manifesto pela preservação da Amazônia, com mais de 1,2 milhão de assinaturas. Entregamos isso na mão do Lula, em 2008.
Pretende seguir como diretora?
Senti necessidade de me expressar, e o cinema foi a ferramenta. Não penso que agora começa a carreira de uma diretora. Na verdade, precisei do cinema como ferramenta para poder contar essa história.
A gente está falando sobre a Amazônia na semana em que se cogitou a fusão do ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura...
(Passa as mãos nos cabelos se despenteando).
É pra se descabelar?
Existe um porquê de essas pastas serem separadas. Nem todos os interesses do agronegócio são os do meio ambiente. Nada pode acontecer por decreto. O Brasil de hoje está muito mais mobilizado do que há cinco anos. Vamos pressionar senadores, deputados, para que determinadas coisas não passem.
Mas a eleição não mostra um Brasil desunido?
Estamos mais mobilizados, e isso pra mim é mais importante do que aquela atitude blasé de anos atrás, quando parecia que estavam botando Rivotril no Rio Guandu. As pessoas estavam anestesiadas.
Por que não divulgou seu voto?
O voto é meu. Lutei tanto para que as pessoas pudessem votar... Não dá para declarar. Mas as eleições mostram que não gostamos do que foi feito no Rio. Não gostamos do seu trabalho. Por isso, o senhor (o ex-prefeito Eduardo Paes) não foi eleito. Ler a questão das urnas é importante.
Teme o patrulhamento?
E isso é democrático? Isso para mim instaura a discórdia, a falência das relações civilizadas. Trabalho com pessoas que têm visões diferentes das minhas. Ouço o que elas têm a dizer, acho interessante.
Orgulha-se por ter participado das "Diretas"?
Na minha casa, ser artista era olhar o mundo de uma maneira política. Nós, artistas, nos unimos. Foi difícil. Achava que chegaria na Cinemateca Brasileira, e nossos arquivos estariam lá. Mas era impenetrável. A cinemateca ficou tanto tempo desaparelhada que só agora, depois de anos, começaram a responder os e-mails. Eu me deparei com um Brasil que foi sendo desmontado. Não é por outra razão que o museu pegou fogo.
Usando o tema da novela “O tempo não para”, essa é uma boa hora para a gente se congelar?
Não. Eu acho que as pessoas têm que continuar exercendo os direitos de cidadão. Quando as “Diretas já” não passaram, eu pensava: como um país mobilizado como esse vai voltar pra casa? Nem sempre as coisas acontecem como você desejaria. Mas o bom jogador não sai da mesa.
Você passou três anos em Portugal (91 a 94), depois da morte do seu filho. Estava também triste com o país?
Nunca saí por causa do Brasil. Só quis viver meu luto.
Em que momento superou?
Não existe superação. Nada fica igual como antes. Mas o dia a dia vai reconstruindo as pessoas. E a Globo sempre foi solidária. Fui trabalhar na emissora com 18 para 19 anos.
São 27 novelas?
Eu nem sei.
O trabalho, então, a ajudou?
Só a arte salva.
No dia a dia, qual é o sentimento em relação à perda do filho?
(Pausa). Todo dia você começa com a sua dor. Tem dia que ela está menor, tem dia que ela está mais forte. (Pausa). Tenho pessoas próximas que me amam, e existe uma rede amorosa de gente que nem me conhece, mas manda cartas do Japão, da Rússia... Entrei no Instagram há duas semanas. Aliás, @Chistorloni. Por favor, me sigam!
Não consegue falar sobre o acidente?
Não, porque faz muito mal pra mim. Você pode sobreviver a uma guerra, o que não quer dizer que venceu. Apesar dos atos de heroísmo e de superação, há mortes e dores. Como alguém que tem o seu fígado desfeito, eu não tinha certeza se ia conseguir que meu coração voltasse a bater direito. É feito o tsunami que há uns anos mexeu com o eixo da Terra. Minha Terra mudou de eixo. Meu tempo mudou. Tenho que tomar cuidado comigo.
Fez muita terapia?
Faço desde os 17 anos. Fui até casada com o Eduardo Mascarenhas (psicanalista).
Há quem diga que você é mal-humorada. Verdade?
Se eu fosse problemática, não teria construído a carreira que construí. Tem gente que trabalha comigo há 40 anos.
Como contraste a essa fama, há aquela sua frase no Rock in Rio de 2011 que viralizou: “Hoje é dia de rock, bebê”...
O que me espantou foi isso ter causado um efeito tão grande. Sou reservada. Então, as pessoas se surpreenderam. Os mais íntimos sabem que tenho um lado engraçado. Num set de gravação, acontece muito.
Vai ao Rock in Rio em 2019?
Se eu puder, irei. Fui ao Pink Floyd (Roger Waters), no Maracanã. Foi maravilhoso.
Edson Celulari vai aparecer lavando louça, em “O tempo não para”. Seu neto, Lucca, de 1 ano, vai lavar louça?
Todo mundo deve lavar louça. Você perguntou como supero as coisas da vida. É fazendo coisas simples assim. Assim como todo mundo deve aprender a pendurar a toalha depois do banho, não deixar o tampo da privada aberta...
Está feliz no amor?
Minha vida particular é particular, maravilhosa. Isso não interessa.
Você já posou nua três vezes. Posaria de novo?
Mas eu tinha 27 anos, né? (Risos). A mulher de 60 deve fazer tudo o que vai deixá-la feliz. Se é posar nua, que pose nua. Se é fumar um baseado, que fume um baseado. Mas que não se desestabilize. Pessoas que passaram trancos existenciais como eu devem perceber o quanto ficaram frágeis. Hoje, sou uma pessoa muito mais frágil do que era há 27 anos. Tomo cuidado com os que estão à minha volta para que não me desestabilizem. Se isso acontece, tenho um trabalho enorme para voltar ao meu prumo e poder gravar 17 cenas. Gente que briga e faz confusão não é bem-vinda à minha vida. Aviso aos navegantes: a partir de um ponto, a entrada está proibida. Só passa quem chegar para o bem.
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Redação iBahia
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