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Gilberto Gil fala sobre as descobertas da velhice

As celebrações dos 70 anos do artista começam esta semana, quando estreia, no TCA, o Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo

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13/05/2012 às 13:47 • Atualizada em 14/09/2022 às 10:19 - há XX semanas
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Gilberto Passos Gil Moreira faz 70 anos em 26 de junho. Na data propriamente dita, a comemoração será com um prosaico almoço em família, no Rio. Mas as celebrações, com toda a pompa que o aniversariante merece, começam esta semana, quando estreia, no Teatro Castro Alves, sexta e sábado, o Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo. No show, Gil divide o palco com o filho Bem (violão), Jaques Morelenbaum (violoncelo), Nicolas Krassik (violino) e Gustavo di Dalva (percussão).
Gil toca violão no concerto que celebra seus 70 anos: no fim de junho, ele viaja para apresentar o espetáculo em várias cidades da Europa
Em Salvador, ele também será acompanhado pela Orquestra Sinfônica da Bahia. No Theatro Municipal do Rio, com a Orquestra Petrobras Sinfônica, o show, dia 28, vai virar DVD, dirigido por Andrucha Waddington. Em ritmo intenso de ensaios, Gil, com a serenidade e a eloquência que lhe são peculiares, bateu um papo, por telefone, com o CORREIO. Dizer que foi uma conversa deliciosa é redundância. Confira. É mais difícil cantar acompanhado por uma orquestra?Orquestra, para música popular, é mais difícil, dá trabalho. Com conjuntos mais leves, é sempre mais fácil. Mas é também um desafio. Tem os vários setores da orquestra, os naipes – as cordas, os sopros -, que são constituídos por músicos interessantes, em geral muito competentes e com muito gosto por música popular. É sempre bacana possibilitar essa interação. Por ser com orquestra, o repertório do show é mais cool?Há um equilíbrio. Tem coisas mais suaves, toadas, baladas, que seriam, em tese, mais adequadas à coisa sinfônica, mas tem também Domingo no Parque, Máquina de Ritmo, que é um samba rasgado, Oriente, com ritmo nordestino...
Passa pela sua cabeça voltar a morar em Salvador?Já estou pensando nisso. É uma coisa que ficou sempre na cabeça como um fechamento de ciclo natural na vida. Tem uma música que diz “Eu vim da Bahia e um dia volto pra lá”. Minha geração e as anteriores tiveram que fazer esse deslocamento, vir para o Rio ou São Paulo, cuidar de suas carreiras. As gerações que nos sucederam, não. Ivete ficou aí, Durval, Bell, Brown... Com as comunicações mais expandidas no país inteiro não há mais esse imperativo de ter que vir para os então chamados grandes centros. Esses grandes centros estão pulverizados. Belo Horizonte é uma grande metrópole, Salvador, Recife, Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre... Os músicos saem para trabalhar no resto do pais, mas suas bases, suas residências, seus locais de criação são os originários deles. O que você deseja com essa volta para Salvador?É voltar pra casa mesmo. Não é uma coisa associada à carreira ou a uma revisão de aspectos do meu trabalho. Quero voltar pra Bahia pra morar, né? (risos). Tem a ver com minha família, com Flora, os filhos... Isabela (filha), por exemplo, que está morando em Nova York, gostaria de passar mais tempo na Bahia, com a filhinha (Flor, de 3 anos), de ter a oportunidade de estar aí com a gente. Você gostou da mudança da casa do Horto, onde passava os verões, para o apartamento no Corredor da Vitória?Pois é, eu gosto muito dali. É uma das razões de voltar: viver numa casa bonita, confortável, num lugar aprazível... Além do concerto, existem outros projetos para celebrar seus 70 anos?Há muitas propostas. Eu não gosto de aniversário, não gosto de festa de aniversário. Por mim, não comemorava nada. Mas o entorno todo exige. As pessoas querem homenagear, querem celebrar a data. Um dos projetos é de um livro, um pouco biográfico, com textos e fotografias. Como o de Chico Buarque (lançado no ano passado)?Exatamente. Inclusive é o mesmo pessoal que está fazendo. Regina Zappa (autora e jornalista) tem feito longas entrevistas comigo. O livro (da editora Nova Fronteira) deve ser lançado até o fim do ano. Você tem medo da velhice?Não. Até agora, não. Tem a coisa da decrepitude, da descendência da curva da vitalidade, no sentido clássico. Mas tem uma revitalização em níveis profundos, em níveis sutis, em dimensões inapercebidas até então, que estão começando a se insinuar. A velhice tem uma novidade, uma infância, um frescor de infância. Eu me sinto de novo menino, descobrindo potencialmente a possibilidade de que novas coisas aconteçam e se insinuem, se instalem, se revelem, se manifestem. Até nas próprias dores. Tudo isso vai lhe dando novos insights, uma nova capacidade de compreender e de ficar atento ao viver. A velhice faz com que você fique mais atento ao fato de estar vivo. O que é o melhor e o pior dos 70 anos?É uma época da vida marcada por toda uma reacomodação da questão física, da questão psíquica, da questão sexual... Com novas propostas, novas problematizacões e, portanto, novas respostas. Eu gosto do fato de que há um arrefecimento da vibração intensa da energia vital. Tem uma suavização dos fluxos de energia vital, no corpo, na mente, que eu gosto. É muito de acordo com o que caracterizou minha busca ao longo da vida. Sempre gostei da ioga, das coisas que colocam a atuação do corpo dentro de um conjunto de regras mínimas, que me possibilitem o mínimo controle do jeito de estar no mundo, uma certa possibilidade de saúde. Uma saúde que possa contar com meu apoio pessoal. Porque ela está muito ligada aos caprichos da natureza. Mas tem uma contribuição nossa, pessoal. Sempre achei que era um dever complementar o trabalho da natureza. A idade, a velhice, vai dando um certo sentido a isso. Vai dando resposta a essa busca. Ao mesmo tempo, tem o inicio da decrepitude, a musculatura que já não responde tanto. Você não pode descer as escadas correndo, como fazia antigamente. E como você complementa o trabalho da natureza?Eu me exercito. Há pelo menos 10 anos faço ritmoprática, técnica de exercícios proposta pelo professor Tomio Kikuchi, mestre da macrobiótica no Brasil. Faço todos os dias, uma hora. E medito também, diariamente. Tem algo que você gostaria de ter feito e ainda não fez?Muita coisa. Gostaria de ter tido talento para pintar, desenhar, ter essa outra forma de expressão. Gostaria de ter mais gosto, mais talento para escrever, para ser um ensaísta, um romancista. Gostaria de ter ímpeto suficiente para escrever ensaios filosóficos sobre a vida, a existência. Ainda não tive esse impulso. Talvez daqui a um tempo, quando eu voltar pra Bahia... (risos) Já tem prazo para essa volta?Não. Mas está perto. Já estou voltando mais, cada vez mais... Na medida em que vá diminuindo essa coisa mais compulsiva da atividade artística, vou voltando mais à Bahia, ficando mais aí. Como é Salvador, hoje, para você?Vejo a cidade de sempre. Como quase todas as outras, ela cresceu muito, de forma muito ligada a esse modo contemporâneo de expansão das cidades, esse urbanismo internacional, essa arquitetura internacional... Há uma favelização, por causa das dificuldades sociais e econômicas que são características do país todo. Ao mesmo tempo, você tem a cidade clássica, colonial, à beira-mar... A Bahia de Todos os Santos, linda. E a cultura, o povo, que continuam basicamente a mesma coisa. A mestiçagem cultural e racial forte, o sincretismo religioso, que dá um sabor especial à Bahia. O culto à celebração, as grandes festas, a capacidade de festejar. Tudo isso é herança histórica que continua sendo cultivada. Houve intervenções que mudaram o desenho da cidade. Um pouco para melhor, um pouco para pior. Mas é assim mesmo. O cerne, a coisa importante que é o espirito, a linguagem, a cultura. Essas coisas, ainda que em transformação, continuam muito interessantes, revelando um ser baiano, uma baianidade que eu aprecio. Você tem religião?Não. Sou católico de origem, por causa da família. Aí, vem o sincretismo com o candomblé, a ioga, o budismo, a filosofia zen, que me interessou muito em determinado momento. Minha religiosidade, no sentido institucional, é um pastiche. Acredita em Deus?Acredito em tudo. No fato de que a natureza manifesta o todo e manifesta o nada também, o vazio, a inexistência dessas entidades. Elas são e não são, ao mesmo tempo. Elas são resultantes do nosso trabalho mental. Deus, nesse sentido, é uma extensão da nossa consciência. É uma invenção do homem. O homem inventa Deus para que ele tenha inventado o homem. Para que o homem tenha o conforto de se perceber criado por algo. Complementa essa sensação de pertencimento a natureza, traz um sentimento de conforto... É a ideia do pai e da mãe, né? Deus é o pai e a mãe. Você reza?Rezo, porque medito. Peço pelas pessoas. Todas as vezes em que sei que tem alguém doente, peço à natureza, me concentro, faço votos. Nesse sentido, rezo, sim. Às vezes, vou à igreja, outras, a um terreiro de candomblé... Sua mãe, dona Claudina, vai fazer 99 anos. Você gostaria de chegar aos 100?Gostaria. De certa forma, tento ajudar a natureza para chegar até lá. (risos) Tem medo da morte?Tenho medo de morrer, como todo mundo. Porque é o último ato, né? O cessar absoluto da vibração. Possivelmente, a morte será outra forma de vida, mas totalmente desconhecida. Então, tem esse impacto do encontro com o desconhecido. Esse momento, essa passagem, deverá se revestir de uma certa dramaticidade, que provoca um certo medo. Agora, o fato mesmo de passar para o lado de lá, não me assusta. O medo é de viver a morte, o último momento de vida, isso me assusta. Fiz uma música, Não Tenho Medo da Morte, que trata disso. Aliás, vou cantar no show. Também está no repertório Quatro Coisas, que você compôs para Flora. Há quanto tempo vocês estão juntos?São 32 anos de casamento. Tive quatro casamentos. Todos eles com sua beleza, sua intensidade, seu prazer. Três deles se desfizeram, por circunstâncias da vida. Mas a grande força afetiva que me ligou a essas mulheres continuou. Eu continuei amigo delas. Flora teve a sabedoria de se colocar à disposição dessa costura. Ela é a minha mulher, que vive comigo na minha casa, mas representa todas as outras, cuida das famílias todas... É uma grande comunidade do Gil. Como é o Gil avô?Tenho oito netos e já estou querendo um bisneto. João, filho da Nara, vai fazer 22 anos. O mais novo é Dom, filho de Bem, que nasceu em janeiro. Não tenho a responsabilidade de educar, de criar, não tenho aquele impulso de me desdobrar em cuidados. São pessoinhas queridas, objetos de descarrego de afeto. Descarrego muita afetividade sobre eles.

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