Juliana Lohman utilizou suas redes sociais para fazer uma revelação chocante. É que a atriz contou que foi estuprada por um "famoso" diretor de cinema, quando tinha 18 anos. No Instagram a atriz pontuou que apenas hoje, com 30 anos, entende que não foi culpada pelo crime.
"Falar sobre o estupro que vivi aos 18 anos e as agressões provenientes de uma relação abusiva tempos depois é resultado de um processo muito longo de elaboração. São acontecimentos que habitam meu íntimo de maneira muito profunda e constituem grande parte da mulher que me torno a cada dia. Essas memórias perduraram por tempo demais no silêncio e na dúvida que a estrutura patriarcal nos faz ter acerca das próprias marcas que nos infringem", iniciou a atriz.
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"Ajo movida pela força da certeza de que não podemos mais nos calar. Precisamos falar sobre as estruturas de opressão sob as quais as mulheres estão submetidas, sobre o machismo, sobre violência doméstica, sobre relacionamento abusivo, sobre estupro. Exponho esse relato no intuito de, além de jogar luz nessas questões, fazer com que outras mulheres, que talvez possam se identificar com tais acontecimentos, tenham mais clareza acerca das próprias experiências. Meu desejo, ao expor esse relato pessoal, é de denúncia. Não apenas da forma de operar desses homens, mas principalmente de um sistema", completou Juliana.
Através de um texto em tom de desabafo, a atriz que atuou em novelas como "Malhação", "I Love Paraisópolis" e "O Outro Lado do Paraíso" relatou: "Ele me ligou e me chamou diretamente. Era em São Paulo e eu sou do Rio de Janeiro. Perguntei se podia levar minha mãe. Não, ele não poderia pagar mais uma passagem. Pediu desculpas. Fui mesmo assim. Era a primeira vez que viajava sozinha, me senti uma desbravadora de novos horizontes, pronta pra fazer cinema. Passei a madrugada estudando a personagem, cheguei com a cabeça cheia de ideias e perguntas. Me instalei no quarto do hotel e, em seguida, a convite dele, nos encontramos em seu apart, no último andar desse mesmo hotel, pra conversarmos um pouco sobre o roteiro enquanto esperávamos um sinal dos produtores para a realização do teste. O papo foi mais sobre outros assuntos do que sobre o próprio filme, ele se mostrou divertido e parecia querer me deixar à vontade com suas tiradas de humor.
Passamos o texto duas ou três vezes já no fim da tarde. Ele concluiu que a personagem exigia “mais loucura” e me sugeriu que fumássemos maconha pra que a cena fosse relida posteriormente, argumentando que dessa forma descobriríamos novas nuances. Fiquei reticente, mas acabei aceitando. Dizer não para um diretor não é algo que uma atriz de dezoito anos sabe exatamente fazer. Um trago foi o suficiente pra que eu ficasse completamente chapada. Em determinado momento, percebi que o contato que ele fazia comigo excedia o profissional. Minha inexperiência com a erva não me deixou em condições de avaliar com mais clareza o que de fato estava acontecendo. Ele veio me beijar. Eu me assustei, disse que não queria. Foi uma completa surpresa acreditar que aquele homem, com sua boa imagem midiática de família margarina, pudesse se aventurar com outras mulheres. E ainda mais comigo. Não fazia a menor ideia de que eu seria atraente pra um homem como ele. Nós, mulheres, somos acostumadas a medir nosso valor de acordo com o desejo masculino. Era pra eu estar feliz por aquele homem poderoso, bonito e tão desejado estar me desejando. Mas eu não queria e não sabia como fazer pra me desvencilhar do diretor do filme cujo teste, àquela altura, iria acontecer somente no dia seguinte, por causa da disponibilidade dos produtores.
Ele disse algumas vezes que aquilo não havia sido premeditado, que ele estava ali de forma estritamente profissional, mas que eu o havia encantado. Eu o tinha deixado maluco, não havia o que ele pudesse fazer. Peguei o texto e, muito nervosa, pedi que voltássemos à leitura. Ele tirou o roteiro da minha mão e me apertou com força contra o corpo dele. Eu pedi pra parar, mas ele me apertou mais forte. Fiz força para sair e não consegui. Imobilizada, eu disse que ia gritar. Ele respondeu em um tom doce que, se eu gritasse, ninguém iria ouvir. Pensei em gritar mesmo assim, mas, se alguém escutasse e fosse me socorrer, seria um escândalo. Todos iriam saber que eu estava ali, com aquele homem casado e famoso em seu apart hotel. O que eu tinha ido fazer lá? Eu tinha me colocado naquela situação. Tinha aceitado viajar sem minha mãe, tinha fumado maconha com essa pessoa, tinha um ensaio sensual meu na internet. Eu tinha provocado. 'Fica calma, eu só quero dançar com você', ele disse. E, ainda me imobilizando, me jogou calmamente de um lado pro outro.
Eu fui tentando respirar e acalmar o pânico do pensamento de que eu estava a centenas de quilômetros de casa. Entendi que não tinha saída. Fiquei quieta. Fiz o que ele queria. Tive que insistir muito pra ele pelo menos colocar a camisinha, o que fez somente depois de algum tempo de penetração. Havia um quadro na parede em cima da cama. De trás do quadro ele retirou um saco plástico com alguns preservativos. Aquilo me deu a sensação de que eu não era a única pela qual ele “tinha se encantado”. Colocou a proteção, mas retirou logo em seguida, ejaculando dentro de mim. Insistiu pra que eu dormisse com ele. No dia seguinte, de manhã, fui acordada por seu membro invadindo minha vagina. Lembro de ficar na mesma posição, deitada de lado, e apenas enfiar meu rosto no travesseiro pra que ele não percebesse as lágrimas que caíam sem controle. Ele ejaculou dentro, de novo"
"Anos mais tarde, toda vez que sentia um pouco de agressividade numa relação sexual, engatava num choro compulsivo. Quando tive coragem de contar esse episódio à um namorado, ouvi que se eu realmente não quisesse ter transado, eu teria jogado um abajur na cara do sujeito. 'Você quis', ele dizia. Eu e esse namorado tivemos um relacionamento relativamente duradouro por volta dos meus 20 anos, no qual constantemente sofri violências psicológicas, verbais e físicas. Sempre muito ciumento, ele me tolhia no meu modo de dançar, de me vestir, de trabalhar e de me comunicar com as pessoas. As violências físicas começaram aos poucos: recebia apertões fortes e disfarçados quando ele queria que eu parasse de falar na frente de alguém e, quando estávamos à sós, ao se irritar, levava a mão fechada em direção ao meu rosto, mas socava a superfície atrás de mim. Uma vez, ele me empurrou no chão e caí uns três ou quatro metros depois. Fiquei mancando alguns dias, o que me fez ter que inventar uma desculpa no trabalho. Ele colocou a tesoura no meu pescoço e disse que ia me cortar inteirinha. E me trancou no banheiro de uma festa e ameaçou jogar uma garrafa de whisky na minha cabeça.
Em uma madrugada, voltando da casa de uns amigos, ele me socou três vezes no rosto, dentro do carro, logo após ter feito “roleta russa” nos sinais de uma das mais movimentadas avenidas do país, até perder o controle do carro e bater em uma banca de jornal. Ao chegar na casa dos pais, tentou se jogar da varanda na frente da família. Foi quando seus parentes souberam um pouco do que se passava. Eu lidava com tudo sozinha.
Qualquer ação ou inação minha podia desencadear uma situação perigosa. Ele dizia que ia me matar, me machucava, depois dizia que ia se matar. E eu tinha que acudi-lo em vez de me acolher. Depois, ele voltava com flores, dizia que ia mudar, eu aceitava. Tive muito medo de morrer. Tinha medo de pedir ajuda, de contar pra alguém. Achava que ele precisava de tratamento psicológico. Uma noite, ao sair do trabalho, ele me ligou e disse que por minha causa iria se matar. Eu o achei bêbado pela rua quase andando contra os carros e tentei interná-lo em uma clínica psiquiátrica, sem sucesso. Ele precisava tomar soro, então fomos a um hospital. Quando ele finalmente acalmou no leito, desmaiei.
No término da relação, descobri que estava com uma DST. Eu só havia transado com ele durante a nossa relação. Na época, a ginecologista me disse que por causa disso talvez fosse difícil engravidar por vias naturais, caso um dia eu quisesse. Até hoje não se sabe até que ponto minhas trompas foram obstruídas"
"Este diretor usou de sua posição de poder, não só por ser um homem branco muito mais velho, mas principalmente por ser o diretor do filme, responsável por decidir se eu trabalharia ali ou não. Eu, uma atriz de dezoito anos recém-feitos e que ainda começava a entender como me posicionar profissionalmente sem minha mãe por perto. Ele me enganou, me drogou e me estuprou, violando minha dignidade sexual e deixando marcas que carregarei pro resto da vida. E o namorado a seguir também se utilizou da sua posição para me violentar física, verbal e psicologicamente, me fazendo acreditar que o amor é exatamente a submissão, o silenciamento e a destruição de toda potência, liberdade e beleza feminina.
Eu poderia não estar aqui contando essa história. Mas estou, e é por isso que não me silenciarei mais. Exponho esse relato no intuito de que outras mulheres possam ler, talvez se identificar, e refletir sobre suas existências e seus relacionamentos. E, falando sobre o meu ofício: nós, atrizes, que trabalhamos com a exposição de nossos corpos, precisamos ser protegidas e respeitadas de fato. Não pode mais haver espaço para que sejamos assediadas por diretores, atores, produtores, ou qualquer homem que esteja em uma situação de poder maior que a nossa, seja pela desigualdade estrutural de gênero ou pela posição hierárquica que habita. Somos acuadas tanto pela constante invalidação do nosso pensamento dentro do afazer artístico, quanto sofrendo assédios já absolutamente naturalizados. É preciso que falemos sobre esse assunto. É preciso que falemos sobre as estruturas e relações de poder às quais todas as mulheres, em diferentes formas e intensidades, estão invariavelmente submetidas.
Eu não consegui prestar queixa na época do primeiro evento e, depois, durante essa relação abusiva, porque não entendia o que estava se passando, nem quais eram os meus direitos como mulher. Quando finalmente elaborei os acontecimentos vividos, soube que tais crimes, para a justiça, já haviam prescrito. Perdi meu direito de ter direitos sobre minhas dores. Talvez, se eu tivesse lido um relato como esse, pudesse ter compreendido melhor a situação e eles não estariam impunes. Talvez a namorada seguinte do meu ex não tivesse sofrido o que sofreu. Também tenho certeza de que não fui a única a ser violentada sexualmente naquele quarto de hotel em São Paulo. Quanto tempo será necessário pra que a gente se liberte, pra que essa dúvida, essa maldita dúvida, filha do patriarcado, deixe de crescer como parasitas em nossos corpos, tomando nossa consciência e nosso poder? As marcas, se não compartilhadas e transformadas, aumentam através dos tempos. A minha libertação não é só minha; ela encontra eco e força em outras vozes que vieram antes de mim, e também faz coro às que virão depois"
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Redação iBahia
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