Nanda Costa chega para este ensaio dirigindo o próprio carro e com uma toalhinha debaixo do braço. O sótão de um casarão em obras, na Barra, serviu de cenário para a sessão de fotos. E toma-lhe água, com o mínimo de desperdício, é claro, até achar o melhor ângulo.
O camarim improvisado num dos quartos da casa, com mesa de cavalete de madeira montada pelos pedreiros, não causou estranheza nessa “garota suingue sangue bom”. Chinelo? Nada. Pés descalços no chão coberto de resíduos da construção, bem à vontade. Pausa só para um café expresso, puro. Quatro horas depois, lábios roxos de frio, cílios colados de tão molhados e... Partiu gravação!
Comprometimento, para ela, é dentro e fora do set. Aos 32 anos, essa libriana vem dando a cara a tapa como Maura, e como Nanda, numa montanha-russa de emoções. Sujeitas a todo tipo de julgamento, atriz e personagem têm trilhado seus caminhos, sem passarem despercebidas.
Na pele da policial, ela pode até dividir opiniões quanto à bissexualidade de Maura, que assumiu sua paixão por Selma (Carol Fazu), mas vem se sentindo atraída pelo parceiro de trabalho, Ionan (Armando Babaioff), de quem engravidou após doação de sêmen. Na vida real, foi corajosa ao se revelar também fora dos Estúdios Globo, no Dia dos Namorados, quando abriu o jogo sobre o relacionamento de cinco anos com a percussionista Lan Lanh, de 50.
Para arrematar um 2018 de reconhecimento profissional e liberdade no amor, ela, Lan Lanh e Sambê concorrem ao Grammy Latino com a música “Aponte”, na categoria Melhor Canção em Língua Portuguesa. O tema de abertura da série “Entre irmãs” foi gravada por Maria Bethânia. Ainda no cenário musical, Nanda e a namorada lançaram a composição “Não é comum, mas é normal”, para celebrar o Dia Internacional do Orgulho LGBT, comemorado em 28 de junho.
— Eu me despedi da Sandra Helena (de “Pega pega”), fiz “Entre irmãs”, teve a música “Aponte”, que a Bethânia gravou, e agora o Grammy... Ganhei milhares de presentes! Foi um ano em que enfrentei meus medos. Acho que fui muito corajosa e me orgulho disso. Sei o quanto foi importante tudo o que aconteceu comigo pelo retorno que venho tendo ao longo desse trabalho. Cada um escreve a sua história. Eu estou escrevendo a minha! Quando me dizem “me inspiro em você”, eu respondo: “Se inspire, mas seja você” — encoraja Nanda.
Aqui, a artista fala sobre temas recorrentes à personagem, como sexualidade, liberdade, traição e poliamor, já que no fim da novela Maura, Selma e Ionan podem formar um “trisal”. Além de música e família, assuntos que fazem parte de sua vida.
Chega mais, sem preconceito!
100% ELA
“Não estava dentro do armário, estava com o peso do armário nas costas. A gente não relaxa quando não pode ser quem é. Autenticidade, essência e espontaneidade acontecem, assim como na arte, quando a gente está relaxado para aflorar quem é de fato. Eu já me aceitava, mas achava que as pessoas não pudessem aceitar. A partir do momento que compartilhei mais a minha vida amorosa, fiquei mais à vontade, de verdade e transparente!”
CRISE DE IDENTIDADE
“Acho que a gente já é educado para ser hétero. Demorei para entender. Tive um namorado por três anos, ele se vestiu de mulher num carnaval e foi aí que eu despertei, fiquei animada com aquilo (risos). Depois, comecei a namorar uma menina e entrei numa puta crise: ‘será que sou gay?’. Nem abria muito para as pessoas, achava que ia passar, que era bi... Namorei outro menino, mas meio que forçando uma barra, sabe? Depois, outra mulher, até que me apaixonei pela Lan. A gente se pergunta mesmo. Mas, quando relaxa, o amor acontece de forma natural.”
MEDO
“Eu não estava preparada para falar disso antes, para me assumir. No começo, não queria que minha vida afetiva estivesse à frente das minhas personagens. O que me deu forças para perder esse medo foram meus últimos trabalhos, que eram completamente diferentes um do outro, e de mim. Não é porque Maura se relaciona com uma mulher que somos iguais. Quando me senti mais segura na profissão, isso me fortaleceu.”
MAURA LÁ, ELA AQUI
“Ela é muito confusa, sofre, teve uma criação bem diferente da minha, um pai preconceituoso. Maura também tem que lidar com o próprio preconceito. A gente vive no país onde mais se mata LGBTs. Do armário, sai uma gente que sofre e tem muita vontade de amar e ser amada. Uma gente colorida e que, quando consegue ‘sair’, é mais divertida, de verdade. Covarde não sai do armário. Sai do esgoto! Tem um desamor, uma raiva... Temo pela minha segurança, mas o medo nunca me paralisou. Calada, eu não ficaria bem. Tudo o que aconteceu não pode ter sido em vão.”
NATURAL COMO DEVE SER
“Não é beijo gay. Beijo é beijo. No caso de Maura e Selma, são mulheres que se amam e têm uma história. É que isso acontece há tão pouco tempo na televisão, que é comum comentarem. Primeiro foi apresentado o casal, aí Maura passou por preconceitos. Quando se aceitou, aconteceu o beijo, e depois outros. Torço para que seja mais natural ainda.”
IDENTIFICAÇÃO DO PÚBLICO
“Recebi mensagem de uma menina, dizendo: ‘Obrigada, você mudou minha vida. Por causa da sua personagem, minha mãe puxou assunto. Eu me sinto muito mais leve e feliz!’. Imagina ouvir de uma pessoa que através da sua arte você está ajudando!? O artista tem que fazer refletir mesmo. Às vezes, nem é pela identificação, pela representatividade, mas pelo incômodo. Existe diferença da rede social para o cara a cara. Internet é terra de ninguém. Na rua é gratidão, torcida.”
POLIAMOR
“Acho que uma pessoa só já é uma multidão. Não ia conseguir! É muito difícil administrar. Mas, quando se vive a própria vida, se ama e se é feliz do que jeito que se é, ninguém tem nada a ver com isso.”
MATERNIDADE
“Evidentemente, eu penso em filho. Adotar, inseminar, tem mil possibilidades de construir uma família, desde que haja afeto. Maura colocou na cabeça que queria um conhecido e foi sozinha nesse jogo. Selma topou para não perdê-la. Não foi um filho desejado da mesma forma por uma e por outra. Não faria isso, porque minha companheira é a Lan. Então, vamos decidir juntas de uma forma que seja ideal para as duas. A gente fala sobre o assunto, mas agora é um ‘filho’ de cada vez. Eu geraria, de boa!”
TRAIÇÃO
“Fui traída por um namorado. Era apaixonada e doeu demais. Depois de um tempo, perdoei. O ruim é quando perde a confiança. Tenho uma relação superclara com a Lan. A gente conversa sobre tudo. Acho que não vale dar chances para o azar. É correr risco de se envolver, perder o que se tem. Eu não arriscaria. O melhor caminho é a verdade.”
PRECONCEITO
“O amor é maior do que qualquer coisa, então os preconceituosos não me representam. Da mesma forma que eu quero ser respeitada, respeito quem é diferente. Se a pessoa está bem, realizada na vida, fazendo ou buscando o que gosta, por que ela vai ficar falando de mim? Eu mando luz, não fico com raiva. Uma menina comentou na minha rede social: ‘Eu gostava muito de você, mas agora sinto nojo’. É uma pena. Triste para ela. Eu estou feliz!”
PARCEIRA NA VIDA E NA MÚSICA
“Lan sempre me incentivou. Depois que ela chegou, passei a colocar música no que eu já escrevia, começamos a compor. Só que música é a vida e o trabalho dela; pra mim, não. Ela me ensina a tocar alguns instrumentos. O que eu mais gosto é a zabumba.”
FAMÍLIA
“Meu avô já desconfiava. Minha mãe e minha avó levaram um susto. Contei por telefone. Tinha medo de que eles descobrissem e não entendessem. Meu avô falou: ‘Está tudo bem! Que bom que você está com uma pessoa que ama e que te ama também. Mas tem que entender que você teve o seu tempo, e agora sua mãe e sua avó precisam ter o tempo delas. Viva a sua vida, você tem todo o meu amor’. Foi muito lindo e importante. Ficou tudo bem muito rápido!”.
Visualizar esta foto no Instagram.Uma publicação compartilhada por Nanda Costa (@nandacostareal) em 21 de Out, 2018 às 12:24 PDT
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Redação iBahia
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