“O mais impressionante foi a generosidade. Eles estavam sempre dispostos a dividir”, sentencia o fotógrafo pernambucano Sérgio Guerra sobre o aspecto mais marcante do povo Herero. Habitantes do sul da Angola, desconhecidos do mundo e dos próprios angolanos, os Hereros são o tema do recente trabalho lançado por Sérgio – um livro que, além de fotografias, traz um cd com cantos tradicionais que caracterizam a etnia.
Se a generosidade foi o aspecto definitivo para Sérgio, para o leitor-espectador, cuja convivência com os Hereros é mediada pelo trabalho do fotógrafo, salta aos olhos um povo de forte raiz ancestral, resistentes a qualquer tipo de invasão. Os rituais, o uso do gado como pilar econômico e social, a poligamia, a ausência do costume do banho (segundo a tradição, o corpo deve ser limpo com preparos à base de manteiga e óxido de ferro). Através do trabalho de Sérgio, descortina-se uma África profunda, território de uma etnia situada em um tempo longe de urgências e que exibe, sem distanciamento, seus três mil anos de tradição.
Luta e beleza - Marcada pela resistência, a história dos Hereros inclui inúmeros conflitos. O mais conhecido e exemplar veio com a colonização alemã, em 1904, quando os Hereros lutaram contra as tropas do general Lothar Von Trotha. O resultado: um genocídio que fez dimunir de 100 para 15 mil o número de integrantes da etnia. As lutas, no entanto, se revelaram vitoriosas. Com tradições e costumes preservados, hoje a população Herera é de 240 mil habitantes, divididos em subgrupos como os mukubais e muhimbas.
No livro, Sérgio Guerra fotografa a beleza do sorriso Herero – que, longe de trazer as marcas de conflitos passados, é a representação de uma África que tenta sempre se reerguer. Fotografa também a vaidade dos homens e mulheres, característica marcante do povo Herero. “Eles estão sempre carregando algum adereço no corpo. E as mulheres tem uma preocupação especial com o cabelo, que está sempre enfeitado e com uma mistura à base de óleo para para fixar o penteado”, revela.
Aproximação – Durante uma viagem por Angola, em 1999, Sérgio se deparou pela primeira vez com os Hereros. Para um fotógrafo que tem seu trabalho focado no registro da cultura africana, o interesse foi natural. Fez suas primeiras fotos e saiu de lá com a ideia de conduzir um amplo trabalho documental. Mas, apenas sete anos depois, começou a colocar o projeto em prática.
“O trabalho de aproximação foi o mais difícil. Exigiu um cuidado especial e muita conversa. Mas, embora eu fosse um completo intruso, consegui estabelecer um contato próximo”, conta Sérgio. Aos poucos, pedindo licença, convivendo diariamente e sem ostentar sua câmera de forma ofensiva, o fotógrafo ganhou a permissão necessária. “Foi um diálogo. Todo meu trabalho passou pelo consentimento deles”.
Além de um extenso registro dos costumes, o consentimento dado a Sérgio permitiu a captação de rituais sagrados na cultura Herera, como o do nascimento e o da morte. Rituais fotografados com extrema sinceridade, já que o fotógrafo (branco e estrangeiro) estava habilitado a entrar em um mundo (negro e natural) que inicialmente não o pertencia.
Nessa relação, franca e sincera, entre dois universos distintos, desponta a força das imagens captadas por Sérgio. O fotógrafo não impõe um olhar – e, por isso, foge de uma representação superficial. Ao buscar a permissão, Sérgio aproxima o espectador do registro. O seu livro funciona, portanto, como uma solicitação da própria cultura fotografada, um convite não do fotógrafo, mas do fotografado.
SERVIÇO
Livro: Hereros – Angola (Maianga), Sérgio Guerra. 260 páginas. R$ 190,00
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