Os desenhos da coleção As Sete Portas da Bahia, no CORREIO, são exemplos dos traços característicos de Carybé |
Da mesma maneira, num rápido olhar, alguém que conheça minimamente a obra de Carybé (1911-1997) será capaz de identificar uma criação dele, graças, principalmente, à simplicidade de seus traços. “Era um grande artista, completo, multimídia, que dominava diversas técnicas. Mas destaco especialmente sua qualidade como desenhista. Ele tinha a capacidade de, em dois ou três traços, insinuar, por exemplo, o corpo de uma mulher”, diz Cesar Romero, baiano, 63, artista plástico e crítico de arte do CORREIO.
A também crítica de arte baiana Matilde Matos, 86, ressalta que os traços de Carybé eram capazes de reproduzir a baianidade de uma maneira muito simples. “Ele fazia o baiano como o baiano é”, resume Matilde.
Síntese
O artista plástico baiano Juarez Paraíso, 79, faz uma ressalva: “Carybé tinha a simplicidade dos artistas primitivos. O que ele possuía era um poder incrível de síntese. Isso, no entanto, é muito diferente de simplificação. Ele eliminava o supérfluo”. Essa síntese o colocava em oposição a outras escolas, como a arte acadêmica realista.
Ramiro Bernabó, em seu ateliê. O filho de Carybé, escultor, revela que não tem talento para desenhar, ao contrário do pai |
Embora retratasse com realismo, Carybé desfrutava de liberdade criativa, segundo Juarez: “Ele tinha uma sintaxe própria, sem paralelos, uma característica da modernidade, marcada pela liberdade individual na criação”.
Ramiro Bernabó, baiano, 67, filho de Carybé e artista plástico, ressalta as características figurativas das criações do pai: “Ele sempre privilegiou as figuras humanas, ao contrário do que acontece no abstracionismo”. Ramiro observa que homens e mulheres quase sempre aparecem sem olhos ou nariz nas criações de Carybé: “Nesse aspecto, ele se parece com o italiano Alberto Giacometti, que mostrava as figuras humanas sem os detalhes e pareciam ser vistas de longe”.
Um toque de surrealismo: O acrílico sobre tela A Conjura mostra personagens transfigurados em peixes, aves, bois e cavalos, o que faz lembrar o realismo fantástico latino-americano, como nos livros de Gabriel García Márquez (1927-2014): “Forma, linha e cor estão a serviço da imagética”, diz Cesar Romero. |
Ramiro chama a atenção para o método do pai, que sempre desenhava nas telas antes de pintar os quadros: “Apesar de seu traço simples, ele não era chegado a improvisos”, lembra.
Mercado
Mas não são apenas os críticos de arte e os artistas plásticos que admiravam a síntese de Carybé. Os colecionadores também são atraídos pela técnica do “baiano nascido na Argentina”, como ressalta o galerista baiano Paulo Darzé, 60 anos: “Tanto a técnica como o conteúdo das criações de Carybé valorizam suas obras”. Proprietário da galeria que leva seu nome, Darzé revela que tem aproximadamente 30 peças do artista para venda, entre desenhos e pinturas.
Mas é principalmente a temática baiana, com influências africanas, que eleva o valor das obras, segundo o galerista. Há poucos dias, vendeu um quadro de Carybé, de 70 cm x 50 cm, por R$ 200 mil.
Esse é o preço médio das telas dessa dimensão. Mas os quadros de grande formato, de mais ou menos 2m x 1,6m, podem alcançar entre R$ 900 mil e R$ 1 milhão.
Para os que procuram algo mais acessível, há as opções de gravuras ou desenhos. As primeiras ficam em torno de R$ 2,5 mil e têm uma tiragem média de 100 unidades reproduzidas. Já os desenhos ficam por R$ 6 mil a R$ 7 mil, segundo Darzé, que atua no mercado de arte há 31 anos.
O galerista observa que as obras de Carybé que não tratam da Bahia têm um valor de mercado bem inferior, sendo desvalorizadas em até 50% em relação às de temática baiana.
As cores tropicais: o colorido de Carybé era marcadamente tropical e a luz de seus desenhos era claramente influenciada pela iluminação de Salvador e dos países andinos por onde o artista passou. |
“É natural que um artista, no começo, tente imitar aqueles que admira. Depois, vai adquirindo sua identidade. Comigo também foi assim”, assume Ramiro, que é escultor.
Mas garante que não herdou do pai a habilidade para o desenho, embora isso não tenha prejudicado suas criações.
“Mas acredito que a arte moderna permite que, mesmo quem não sabe desenhar, possa ser um grande artista”, diz Ramiro. Embora não tenha herdado do pai a habilidade para o desenho, acha que carrega uma herança dele: “Com Carybé, eu ia a lugares que o inspiraram, como as praias e as feiras populares de Salvador. Então, como ele, acho que carrego uma ‘poética’ nas minhas obras de arte”.
Carybé desenhou os storyboards de O Cangaceiro
As virtudes de Carybé como desenhista o levaram ao cinema. E, quem diria, ele até apareceu nas telas no clássico O Cangaceiro (1953), dirigido por Lima Barreto (1906-1982) e com diálogos da escritora Rachel de Queiroz (1910-2003).
O artista plástico desenhou mais de 1,6 mil figuras para o storyboard (imagens arrumadas em sequência, como uma história em quadrinhos, em que se pré-visualiza o filme) da produção. “Praticamente todos os planos usados no longa-metragem foram antecipados em seus desenhos”, diz Solange Bernabó, filha de Carybé.
A inserção de Carybé nas artes visuais não para aí: “Na novela Gabriela (1975), ele fez o desenho dos figurinos, e de trajes de vários personagens. Em suas figuras, mostrava também coisas típicas da região, como bumba meu boi, e as baianas”, diz Solange.
Mais tarde, faria também figurino e cenário para a montagem do balé Gabriela, encenado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Depois, fez o mesmo trabalho para três óperas: Lídia de Oxum, Il Trovatore e La Bohème.Matéria Original Correio 24 Especialistas falam sobre a obra de Carybé e o seu valor no mercado
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