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Mario Cravo ao lado de uma das peças da Via Crúcis |
No bolso, três canetas de tinta nanquim, uma esferográfica, um lápis e o caderno de anotações com a lista de tarefas do dia. Sempre pela manhã, ele se dedica ao trabalho na própria galeria - e ainda encontra tempo para iniciar crianças na arte e dar cursos de restauro e manutenção de obras para jovens. Aos 89 anos, Mario Cravo Jr. diminuiu o ritmo, mas não para. Em homenagem a esse artista em constante movimento, o Palacete das Artes (Graça) inaugura hoje, às 19h, a mostra comemorativa do aniversário do escultor, que completa 90 anos em abril. São 62 obras produzidas por Mario Cravo nos últimos anos, sendo 56 inéditas. “As peças foram retiradas da minha oficina, onde continuo trabalhando diariamente”, explica. A mostra fica em cartaz até o fim de abril, sempre de terça a domingo.
Filho do fogoCom auxílio de uma bengala, Cravo percorre cadenciadamente as escadas da sede do espaço que também leva seu nome, no Parque de Pituaçu, e apresenta as peças expostas na oficina. Logo na entrada do atelier, uma escultura da cabeça do compositor Heitor Villa Lobos (1887-1959), feita em bronze, mostra que sua memória também vai bem. “Quando nos conhecemos em Nova York (década de 40), Villa Lobos tinha feito uma cirurgia de próstata. Em repouso, sua mulher o obrigava a tomar leite, mas como ele não gostava eu tomava no lugar dele”, relembra, às gargalhadas. “Ele foi um dos maiores artistas brasileiros. Um grande gênio!”, completa. Do escritor Jorge Amado (1912-2001), ele herdou o epíteto Filho do Fogo, devido a representação da Via Crúcis (trajeto seguido por Jesus até a morte), feitas com as vigas de madeiras que sobraram do incêndio do Mercado Modelo, em 1969. Para Jorge, o fogo era o ‘pai’ e Cravo havia esculpido para seu filho, Jesus. “Eu fiz intervenções mínimas nas madeiras que sobraram do fogo. Elas foram esculpidas pelo fogo. Eu só fiz harmonizar as peças”, conta orgulhoso. A história do artista está intimamente ligada à Bahia e aos grandes expoentes da terra. No seu círculo de amigos estava o também artista plástico Caribé (1911-1997). Inclusive, partiu de iniciativa dele, junto com Jorge Amado, a criação do Parque das Esculturas, em Pituaçu. “Meus trabalhos estavam no atelier da Avenida Garibaldi, num espaço pequeno, e com obras muito grandes, mas Caribé e Jorge foram pessoalmente pedir ao governador (ACM) para ceder um espaço para uma exposição permanente”, lembra.
Toque literalPara ele, é essencial que o público possa tocar literalmente as obras de arte, por isso o espaço totalmente aberto em Pituaçu lhe cai bem: “É uma contradição não permitir que obras sejam tocadas, o escultor precisa da sensibilidade tátil para produzir, não existe razão em privar o público disso também”, defende. Entre as obras mais conhecidas do artista em Salvador estão: Fonte da Rampa do Mercado Modelo, Sereia de Itapuã, Cruz Caída (Praça da Sé) e o Monumento a Clériston Andrade. Apesar da reconhecida importância, Cravo pede ajuda: “Precisamos de apoio permanente do poder público para manter nossa obra. Isso é um apelo desesperado”.
CapacitaçãoNo atelier, o artista aplica ainda o que ele chama de “aprendizado empírico”, que significa ensinar aos jovens como restaurar obras de arte, buscando influenciarno mundo da arte. Atualmente, cinco trabalham no local. Antes da reciclagem se tornar pauta urgente na agenda ambiental, Cravo já reaproveitava diferentes materiais em suas obras. Isso também, conta, ele passa aos jovens. No seu acervo são encontradas esculturas com aço, sucata, alumínio, resina, plástico, madeira, pneus, cobre e fibra de carbono, entre outros. “O homem não sabe aproveitar os materiais ao seu redor. Tudo pode ser transformado em arte”, diz o mestre.
Matéria original: Correio 24 horas Mario Cravo Jr. inaugura mostra com 62 obras no Palacete das Artes