por Ingrid Dragone Para muitos casais, a chegada do primeiro filho é uma prova de fogo para a relação. A rotina, os hábitos, o estilo de vida, tudo muda, e nem sempre as pessoas estão preparadas para tanta novidade em tão pouco tempo. Para falar um pouco sobre esse assunto, entrevistei a psicóloga Ana Tereza Lima, especialista em Terapia Familiar. Confira o resultado aqui no Blog Essa Mãe.
Blog Essa Mãe - Com a chegada do bebê, a vida do casal muda radicalmente. É possível se preparar com antecedência para essa nova etapa? Ana - A chegada do filho altera a rotina e a dinâmica emocional do casal. Tudo é novo; novos papéis serão assumidos frente à sociedade e, entre eles, o de futuros pais. Sempre surgem questões do tipo: “será que vou dar conta?”. A expectativa de ser um bom pai ou uma boa mãe paira nos pensamentos e idealizações do casal. É preciso montar uma boa estrutura, com pessoas que possam auxiliar na rotina com o bebê, e uma estrutura física organizada, de maneira que facilite os cuidados com o recém-nascido, com o mínimo de conforto e segurança pra todos os envolvidos. Emocionalmente, a melhor maneira de se preparar é enfrentar o momento com serenidade, sabendo que erros serão cometidos. A frustração diante de uma expectativa, como o desejo de parto natural ou desejo de amamentar, por exemplo, deve ser vista como algo possível dentre tantas surpresas dessa nova experiência. É grande a cobrança que as pessoas depositam sobre o casal, principalmente sobre a mulher, quando chega o primeiro filho, como se tivesse uma cartilha com todas as instruções prontas e ideais. Porém, é no dia a dia que esse aprendizado se dá. Em qualquer que seja o ponto delicado do ser pai e mãe, somente aceitando e se permitindo viver, é que aprenderão.Blog Essa Mãe - Quando o filho nasce, a mulher fica "obcecada" por ele, e o homem muitas vezes não compreende a situação. Como ambos devem fazer para lidar com essa nova realidade? Ana - A experiência da maternidade é arrebatadora. A mulher se vê completamente tomada pelos cuidados com o bebê, com a amamentação e, principalmente, tomada emocionalmente pela experiência de ter gerado alguém e ser completamente responsável por sua vida. É inegável que essa dedicação provoca um estranhamento na relação, com o homem sentindo-se deixado de lado. Na verdade, no período gestacional, é comum o homem apresentar insegurança, distanciamento. Isso é uma dificuldade de lidar com o momento novo, já vivenciado pela mulher com intensidade emocional e, muitas vezes, com diminuição do interesse por coisas que não giram em torno da maternidade. Cabe à mulher convidar o homem para estar perto, conhecer as rotinas do bebê e da casa, permitindo que o homem passe a ter intimidade e construa um vínculo com aquele que, até então, só se relacionava com a mãe. Cabe ao homem não só se envolver nas rotinas, como também ser paciente com o ritmo e o envolvimento da mulher com o bebê, lembrar o quanto esse momento é especial para ela e o quanto, concretamente, o bebê necessita de toda essa dedicação.Blog Essa Mãe - Com o cansaço, a carga de obrigações e o foco no bebê, o romantismo, pelo menos no início, vai embora. Como o casal pode fazer para recuperar o clima de intimidade e carinho? Ana - É preciso que o casal compreenda que, nesse primeiro momento, toda a rotina da casa e da família será voltada ao bebê; até mesmo para conhecer melhor as necessidades dele. A privacidade do casal também é comprometida com a presença de cuidadores, babás, parentes, e do próprio bebê. Então, o casal precisará de um tempo para reorganizar e encontrar a nova “cara” da família. O casal pode viver esse romantismo de outra forma: o cuidado, a atenção, o carinho e a divisão de tarefas podem traduzir expressão de amor. O mais importante é a qualidade da presença ao lado do marido ou da mulher e a certeza de que é temporário.Blog Essa Mãe - Existe uma explicação "científica" para a falta de interesse de muitas mulheres pelo sexo depois que o filho chega? Ana - O organismo da mulher passa por grandes e abruptas mudanças hormonais. O hormônio que contribui para a amamentação é inibidor da libido. A dependência total que o recém-nascido tem da mãe, a experiência da maternidade, do aleitamento, as modificações do corpo, a rotina de sono desorganizada, levam a uma mudança no padrão de comportamento sexual do casal. A mulher vive também sentimentos e dúvidas que perpassam por questões sobre como conciliar o ser mãe e ser amante ou tem, ainda, o medo da rejeição por causa da mudança significativa do corpo. Muitas vezes, a realização de ser mãe é tão grande, que toda energia, todo foco fica dirigido para o bebê, e a relação fica esquecida. A mulher precisa ficar atenta para que isso não seja prejudicial para a relação do casal e para o desenvolvimento emocional sadio do bebê.Blog Essa Mãe - Já ouvi também falar do contrário: a mulher começou a querer ter mais relações sexuais porque passou a ver o companheiro como homem, ou seja, na cabeça dela o lugar de "menino" que ele ocupava passou a ser do filho... Ana - O nascimento do filho produz inúmeras mudanças, como a saída do homem e da mulher do lugar de filho e filha. Muitas vezes, o casal inicia a vida a dois muito jovem, trazendo para a convivência resquícios de um padrão de adolescentes. Com o nascimento do filho, os dois são convidados pela vida a assumir um novo lugar. É esperado que o homem assuma o lugar do chefe da família, provedor, porto seguro. Quando ele corresponde a essas expectativas, pode ocorrer uma mudança no jeito de a mulher ver seu parceiro. Isso implica maior encantamento, admiração e atração.Blog Essa Mãe - Por que muitas mulheres ficam ainda mais apaixonadas pelos companheiros ao vê-los como pais dedicados? Ana - O afeto e o encantamento são influenciados por diversas expressões emocionais, que vão além da sexualidade. A mulher sente a necessidade de que seu parceiro seja, não somente um companheiro, mas um bom pai, que corresponda, de alguma forma, à sua expectativa. Essa expectativa é construída no ideal de família, de casamento e de futuro. Para ela, um pai dedicado é um homem não apenas sensível às suas necessidades de mulher e mãe, como também um referencial para o filho, um suporte emocional que traz segurança aliada a amorosidade. É preciso, no entanto, lembrar que esse homem, como qualquer pessoa, é humano e passível de falhas. Blog Essa Mãe - O que cada um deve fazer para se sentir melhor nessa nova fase? Como alinhar as rotinas sem gerar conflitos? Ana - É muito importante que o casal esteja vinculado a atividades que promovam seu crescimento e satisfação e também que tenha rotinas da família, rotinas a dois e rotinas individuais. O diálogo é fundamental para negociar e equilibrar as necessidades de cada um, lembrando que a satisfação pessoal deve ser construída com a realização em vários aspectos, como o profissional, afetivo, familiar, social e intelectual. A mulher, por todas as questões que envolvem a maternidade, tem uma relação mais estreita com o bebê. Para ela, é muito importante a atividade física, porque o corpo sofre grandes mudanças durante a gestação, e o resgate da autoestima é fundamental nesse momento em que os olhares estão voltados para o bebê. Para o homem, além das rotinas pessoais e profissionais, esse é o momento de estar presente na vida do bebê. O vínculo com a mãe se desenvolve desde a gestação. Para o pai, após o nascimento é que acontece essa construção; é no dia a dia que o bebê percebe a sua existência e significado.Blog Essa Mãe - O que fazer para tentar ter mais tempo a dois? Ana - Aos poucos o susto do primeiro momento passa. O bebê vai tendo sua rotina de sono e alimentação. O casal, com isso, vai encontrando também formas de adequar o tempo, incluindo esse novo “compromisso”. Buscar a ajuda de parentes e amigos para aquela fugidinha ao cinema ou encontro com amigos é importante para que o casal continue se vendo como homem e mulher; e não somente como pai e mãe. Serem companheiros em pequenas rotinas, conciliando hábitos e práticas corriqueiras, ajuda o casal a não se perder em tantos afazeres, priorizando o cuidado com o filho, mas também a vida a dois.Blog Essa Mãe - Vemos hoje uma geração de pais que cuidam também dos filhos e conhecem todos os passos da rotina do bebê. Ana - A forte presença da mulher no mercado produziu mudanças significativas na dinâmica das famílias, fazendo o casal redimensionar o desenho de convivência e definição das tarefas domésticas. Hoje não se vê famílias extensas, em que tias e avós podem colaborar na criação das crianças da família. O casal, então, precisa encontrar formas de organização e administração das necessidades do bebê. As relações de casal mais participativas promovem um espaço maior para o homem nesse universo, que até pouco tempo era exclusivo da mulher. Os homens, inclusive, têm sentido também a necessidade de vivenciar com mais intensidade a experiência de cuidar do filho, saber mais do seu desenvolvimento e compartilhar desse momento de descoberta. A vida moderna apresenta novos espaços de expressão para o homem e para mulher. Enquanto ela conquista espaço no mercado de trabalho, o homem descobre a possibilidade de expressar afeto e amor, na relação com o filho. Certamente, sendo desenvolvida de maneira equilibrada, essa nova relação familiar pode ser benéfica para todos, principalmente, para o bebê, que tem a oportunidade da presença constante do pai e da mãe em sua vida.Blog Essa Mãe - E quando os familiares de ambas as partes querem influenciar as decisões do casal com relação aos cuidados com o filho? Como evitar que o casal acabe discutindo por causa disso? Ana - A autonomia do casal para decidir a criação do filho é fundamental, e é a expressão da aceitação de ambas as partes (casal e familiares) de que eles cresceram e são responsáveis pelo núcleo familiar que constituíram. Sabe-se que, muitas vezes, as famílias de origem não só interferem, como disputam entre si, na tentativa de terem mais força e poder sobre o casal. O casal deve brigar por esse lugar de autonomia desde o momento do casamento, cuidando para que seus interesses e sua forma de ver a vida prevaleçam, independente das escolhas das famílias de origem. Assim, o casal se fortalece e unifica seu ponto de vista e, consequentemente, sua forma de criar o filho.
Minha pequena com um mês de vida. Foto: Daniel Queiroz (o papai). |
Ana Tereza Lima. Psicóloga (CRP 03/ 0680), formada pela Ufba, com Especialização em Psicologia Clínica, Terapia Familiar e Casal (UCSal), e Analista Bioenergética (Sociedade de Análise Bioenergética da Bahia). Atua como psicóloga clínica com adolescentes, adultos, casais e família, e coordena grupos terapêuticos. Contato:[email protected] Foto: Beatriz Lima |
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