Não é exagero dizer que cada canto de Salvador conta uma história. Cidade secular e marcada por diferentes acontecimentos, entre os mais emblemáticos estão as batalhas pela Independência do Brasil na Bahia. Começou ali, em Nazaré, no Convento da Lapa, e se estendeu por diversas localidades da capital baiana.
Protestos e batalhas sangrentas tomaram as ruas de Salvador no início de 1822, quando soldados portugueses invadiram o local e acabaram matando Joana Angélica. O movimento se alastrou Bahia adentro, em especial no Recôncavo.
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“Salvador é um museu a céu aberto e se a gente quiser ainda pode ampliar essa riqueza da cidade histórica relacionada ao processo de Independência do Brasil, à Baía de Todos os Santos, com a Ilha de Itaparica, e a luta dos portugueses contra a resistência brasileira e baiana na ilha. O Recôncavo baiano, a região do Funil, onde aconteceu a famosa batalha do Funil. Maragogipe, Cachoeira, São Félix, Santo Amaro, toda aquela região histórica e heróica da luta”, destaca o historiador Ricardo Carvalho.
Na capital baiana, locais como Pirajá, Lapinha, Soledade, Aflitos e Campo Grande fazem parte do roteiro histórico que antecede os acontecimentos do 2 de Julho. Monumentos retratam personalidades, e igrejas e basílicas guardam restos mortais de figuras heróicas hoje celebradas.
“Nós temos vários pontos importantes, como a Enseada dos Tainheiros, na Ribeira, onde as tropas portuguesas avançaram em novembro de 1822 contra tropas baianas que estavam no topo da Colina do Pirajá. A gente tem o bairro da Lapinha, no final da Estrada das Boiadas, onde tropas baianas entraram naquele 2 de Julho e onde está o Caboclo e a Cabocla que representam o povo baiano na luta contra o domínio português”, destaca o especialista.
Quer relembrar a história? O iBahia preparou um pequeno roteiro da Independência do Brasil na Bahia pelas ruas de Salvador.
Viagem no tempo
- Pirajá
Pirajá foi palco de uma das batalhas mais importantes para a Independência. Iniciada na madrugada de 8 de novembro de 1822, a luta começou quando cerca de 250 soldados portugueses desembarcaram em Itacaranha, atacando a área do Engenho do Cabrito, enquanto outro grupo avançava por terra até Pirajá.
Segundo o historiador Ricardo Carvalho, o bairro era um local importante porque fazia a ligação da cidade de Salvador com o interior, o norte da província. Ele conta que este foi o motivo, inclusive, para D.Pedro I contratar o general Labatut, que comandava 1.300 homens baianos, pernambucanos e sergipanos que conseguem conter três tentativas das tropas portuguesas.
Outra memória significativa do episódio é a figura do Corneteiro Lopes. Instruído a dar um toque de recuo, acaba clamando pelo avanço das tropas brasileiras, o que assusta os portugueses.
“É um episódio significativo. Tem esse lado rico, cultural, pitoresco, mas tem também um significado muito grande. Dali detivemos o avanço das tropas portuguesas e garantimos o controle sobre a cidade do Salvador”, explica.
Em 1972, por decreto municipal, o local passou a ser considerado Parque Histórico ligado à guerra da Independência. No bairro fica o Panteão, que simboliza a gratidão do povo baiano ao General Labaut, que preparou as tropas libertadoras que expulsaram os soldados do General Madeira de Melo.
Além disso, anualmente, no dia 1° de Julho, é colocado em Pirajá o Fogo Simbólico, vindo do Recôncavo. A chama representa as cidades da região que participaram das batalhas.
- Lapinha
O Largo da Lapinha foi o local de chegada das tropas do Exército Libertador à cidade. Ali, o primeiro batalhão brasileiro parou para um breve descanso. Um busto do General Pedro Labatut relembra a importância do comandante para as tropas vitoriosas.
No local fica atualmente o Pavilhão 2 de Julho, onde estão guardados os carros emblemáticos e as esculturas do Caboclo e da Cabocla, símbolos da luta pela consolidação da Independência.
Também é do Largo da Lapinha que sai o tradicional cortejo das festas do 2 de Julho.
- Soledade
Na Soledade fica a estátua de Maria Quitéria de Jesus, "Soldado Medeiros". O monumento foi inaugurado no dia 21 de agosto de 1953.
A obra é uma homenagem à mulher que pediu ao pai para se alistar no Exército Brasileiro em 1822. Sem conseguir permissão, fugiu de casa, e se alistou disfarçada em trajes e cabelos masculinos. Alistou-se com o nome de Soldado Medeiros e passou a integrar o Batalhão dos Periquitos, assim conhecido, porque o uniforme tinha gola e os punhos verdes.
“No bairro da Soledade temos uma estátua da Maria Quitéria, que criou essa referência de luta da mulher baiana. A Soldado Medeiros, em que ela se transmuta em soldado para poder lutar ao lado do irmão no Pelotão dos Periquitos”, diz o historiador.
Após ser descoberta, ela foi impedida de deixar o exército pelos superiores. Participou de batalhas em Itapuã e na Pituba e recebeu, das mãos de D.Pedro I, a condecoração dos Cavaleiros da Imperial Ordem do Cruzeiro.
- Catedral Basílica
É na Catedral Basílica de Salvador, no Terreiro de Jesus, Pelourinho, que é celebrado o "Te Deum" pela Independência do Brasil na Bahia.
A cerimônia segue a tradição religiosa da festa, celebrada desde 1823. O termo é uma expressão em latim, que significa "A Vós, Ó Deus, Louvamos e Agradecemos".
A antiga Capela do Colégio dos Jesuítas foi construída em meados do século XVI. Após a expulsão dos jesuítas do Brasil e de Portugal, a igreja passou a ser a Catedral de Salvador.
- Convento da Lapa
Em meados do século XVIII, Salvador precisava de um segundo convento feminino, pois, o convento do Desterro já não atendia as necessidades das famílias que desejavam que suas filhas seguissem a vida religiosa. A Igreja e o Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa foram inaugurados em 1774 e ficaram marcados na história da Independência.
“O Convento da Lapa tem um significado mais simbólico do que prático, no sentido da luta contra os portugueses. Simbólico porque ali a resistência se deu pela sóror Joana Angélica, uma personagem significativa no imaginário coletivo do povo baiano até hoje, e preservado por meio dos espíritas da Bahia”, pontua o historiador.
Em fevereiro de 1822, o lugar foi invadido pelas tropas do General Madeira de Melo, que alegavam que o local tinha armas, muitos revoltados escondidos ou até alguma riqueza. O especialista conta, que há quem alegue, inclusive, que esses soldados buscavam assediar, explorar sexualmente as noviças e mulheres que eram acolhidas pelo Convento da Lapa.
“E ela [Joana Angélica] se posiciona e diz ‘respeitem a casa do senhor, vocês só vão entrar aqui por cima do meu cadáver’ e acaba morta. Isso é muito simbólico, muito forte e muito referencial do papel das mulheres, da resistência das mulheres baianas e também da força da religião e da fé de Joana Angélica que se preserva no imaginário coletivo baiano até hoje”, conta Ricardo Carvalho.
A rua onde está localizado o Convento foi batizada em sua homenagem, Avenida Sóror Joana Angélica.
- Igreja de Santana
A igreja foi construída no início de 1774. Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que participou da Guerra da Independência do Brasil na Bahia, foi enterrada no Cemitério da Igreja.
- Aflitos
Nos Aflitos, uma escultura de mármore traz uma figura alusiva à Independência. O monumento de 5,60m de altura é composto por uma índia empunhando lança e pisando em uma hidra. A obra foi inicialmente instalada em 1853, na Praça da Piedade, e transferida posteriormente para o Largo dos Aflitos.
- Campo Grande
O monumento da Independência do Brasil na Bahia fica localizado no Campo Grande, em Salvador, e é composto por base mármore em Carrara, com decorações em bronze que representam as batalhas, personagens e riquezas do estado.
A figura emblemática de um índio, armado de arco e flecha, simboliza o Brasil, na atitude de desferir golpes sobre uma serpente, em alusão a vitória dos brasileiros contra os portugueses. Mede 25 metros e 86 centímetros. Foi inaugurado em 2 de julho de 1895, e é de autoria de Carlo Nicoli.
“Ali temos a representação do povo nativo, do Caboclo, Temos ali a Catarina Paraguaçu, a representação da Bahia, da Baía de Todos-os-Santos, do Rio Paraguaçu, da luta contra opressão representado pelo dragão. É uma peça única e dos pontos mais belos da cidade do Salvador e que faz referência de forma digna ao que foi a grandeza do 2 de Julho, o dia da libertação nacional. Mais um monumento que precisa ser mais conhecido pelo baiano, precisa ser referenciado pelo poder público, cuidado, preservado e que seja também um dos atrativos para esse turismo histórico do qual Salvador ainda é tão carente”, analisa o historiador.
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