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Ancestralidade

Aruanda, caruru, salsa, coentro e mais: as plantas indígenas da cura

Twry Pataxó, da Aldeia baiana Mãe Barra Velha, fala sobre relação dos povos originários e a medicina natural

Nathália Amorim • 20/04/2023 às 8:00 - há XX semanas

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					Aruanda, caruru, salsa, coentro e mais: as plantas indígenas da cura
Foto: Reprodução/ Facebook Funai - Fundação Nacional do Índio.

"A relação indígena com a natureza é uma relação muito harmoniosa, uma relação de mãe e filho", é o que diz Twry Pataxó, de 52 anos, da Aldeia Mãe Barra Velha, em Porto Seguro, no sul da Bahia. Desse vínculo ancestral, os povos originários não só têm mantido as tradições, como também retirado dela os próprios meios de cura medicinal.

"A relação do indígena com a natureza é uma relação muito harmoniosa, uma relação de mãe e filho. Quando a gente vai para a mata, para o campo fazer coleta, nós temos todo um cuidado de tirar só aquela quantidade que a gente precisa para estar fazendo a medicina naquele momento", explica Twry.

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Segundo a Pataxó, há também nessa relação um vínculo espiritual, cujo o respeito pelo que a natureza oferece prevalece. Dentro da aldeia, há o consenso de que do que "se depende, tem que cuidar".

"Outra coisa que a gente faz em relação à natureza é sempre fazer uma oração e um agradecimento em cada pé de planta que a gente colhe a semente, a seiva...parece que a planta, a árvore, fica muito feliz quando a gente retira a matéria-prima, e a gente agradece a planta porque sempre que a gente volta tem mais", afirma.

"A gente entende que do modo que nós vivemos, vamos sempre depender da natureza. Então, quando a gente depende de algo, a gente tem que cuidar, zelar, para que aquilo que a gente precisa, e o que a gente necessita, não acabe", disse Twry em entrevista ao iBahia.

Um estudo recentemente publicado na revista científica internacional Communications, Earth & Environment, do Grupo Nature, por exemplo, indica que a preservação das terras indígenas da Amazônia Legal evitariam doenças, além de economizar R$10 bilhões por ano em tratamentos médicos. Isso porque diversas plantas têm recursos medicinais que podem ser utilizadas tanto em remédios alopáticos - remédios prescritos -, quanto nos processos de medicina indígena com efeitos curativos.

Twry Pataxó explica que, na tradição dos povos originários, a própria alimentação já é um remédio, com utilização de plantas específicas na comida, seguindo o conhecimento sobre os benefícios delas para a saúde.

"Quando a gente prepara a nossa alimentação, uma boa parte do que consumimos é remédio. Não são remédios de comprimidos, mas, quando a gente tem conhecimento das plantas, da medicina, uma boa parte, tirando o arroz e o feijão, não são plantas comuns", conta.

Poder das plantas

No senso comum, ervas e plantas costumam ser utilizadas para tempero e também em chás, como é o caso do coentro e da salsa, corriqueiras na mesa dos brasileiros. Mas, enquanto para muitos essas duas plantas dão o gosto que falta, na tradição indígena, elas têm o poder de cura.

"O coentro, é um tempero e um remédio. A salsa é um tempero e um remédio, é maravilhosa para nós mulheres, porque ela limpa o útero...é bom para quem tem inchaço, para as pessoas que querem perder peso, porque ela serve como diurético", explica Twry.

Outra planta bastante utilizada é a caruru. Segundo a indígena, ela é boa para o cérebro, tem cálcio, além de vitaminas e outros recursos. Na Aldeia Mãe Barra Velha, por exemplo, a planta mais usada é a mescla, que para eles serve como antibiótico e anti-inflamatório.

"Um dos benefícios da mescla é que é bom para quem tem alergia, para quem tem bronquite, para quem toma remédio contínuo, para quem tem baixa imunidade[...] Quando as mulheres ficam grávidas, quem tem esse conhecimento passa a usar o olho da mescla, para evitar ter estria. Mas se a pessoa já tem estria, ela vai eliminar aí 85%. Ela também limpa mancha causada por queda ou por algum machucado", diz.

Já a aruanda, a erva sagrada do povo Pataxó, serve para fazer incenso. A planta representa para os indígenas uma conexão espiritual, para despertar os "encantados".

"Ela trata a parte espiritual. Serve como calmante, substitui remédios para dormir, serve para insônia, febre, para um monte de coisa", disse.

Sobre a relação com remédios prescritos, Twry explica que os mais velhos são os que menos utilizam, e preferem ser tratados com o que vem do "quintal de casa", como gostam de falar, da floresta.

"Eles preferem o remédio da floresta porque, primeiro, quando a gente toma tem relação com espiritualidade. [...] Antes da gente ir para o médico, a gente procura nosso pajé para uma reza, para oração, para um canto. Se a gente não tiver com nosso pajé, a gente mesmo vai para dentro da mata, ficar lá no retiro, toca lá seu maracá, fuma seu txibero com ervas. Primeiro cuida da parte espiritual", relata.

Memória e futuro

Agora, o movimento dentro das aldeias é de manutenção desse conhecimento, em especial, pela memória e com o intermédio das crianças. De acordo com Twry, já existe dentro das comunidades indígenas um trabalho para falar sobre a importância de continuar usando a medicina tradicional.

"Tem encontros dentro da aldeia pra gente despertar cada vez mais o interesse dos adolescentes, das crianças. Uma boa parte das mulheres dentro da aldeia se cuidam com raízes, com casca, com banho e inclusive isso já é falado em sala de aula, a questão da medicina tradicional, o remédio da floresta", conta.

Ela explica que, como com o passar dos anos, o indígena mais velho começa a esquecer algumas informações e as crianças são fundamentais para dar continuidade ao conhecimento dos povos originários.

"É muito importante também falar sobre isso com nossas crianças, porque nós temos memória fraca. Nós esquecemos muito rápido. Se não for algo que nos chame atenção, nossa memória acaba eliminando aquela informação", relata.

O ensinamento é transmitido para as crianças como um passo a passo: como fazer; época de colher as flores; colher as raízes; o modo de fazer; como desidrata as raízes; como armazenar as folhas, preparar as folhas para não ter efeito colateral e outros processos. Twry destaca que o resultado já começa a ser visto.

"A minha neta sempre presta atenção no que eu faço. Um dia, o filho da minha sobrinha passou mal e ela sabia qual planta ela tinha que pegar para fazer o chá. Eu vejo que essa fala da gente com os adolescentes e com as crianças tem dado muito certo", diz.

Por fim, fica a esperança das crianças de que o conhecimento indígena seja passado de geração em geração, na manutenção da memória e do legado dos povo originários.

"Ela são os principais atores. Dentro das rodas de prosa, a gente fala sobre medicina, culinária, as crianças estão estão sempre conosco. Eu vejo muito forte a participação das crianças. [...] Elas passam o que aprendem ou escutam", finaliza.

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