O cancioneiro brasileiro é recheado de músicas com referências aos povos indígenas. No entanto, as canções, que por muito tempo foram tratadas como "homenagens", nos dias atuais já são vistas com um olhar crítico de quem reconhece a problemática nas palavras e entende que aquilo não deve ser passado para frente.
Popular entre as crianças dos anos 90, duas canções marcaram a época e era quase impossível não ouvi-las durante a semana do dia 19 de abril nas escolas e até mesmo na televisão.
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Brincar de Índio: lançada em 1988, na época em que Xuxa comandava o programa 'Xou da Xuxa', a canção de Michael Sullivan e Paulo Massadas se tornou um grande clássico infantil, com presença cativa nas festas e até mesmo nas salas de aula para ensinar sobre a cultura indígena.
Com passar do tempo, a canção passou a ser analisada e a ter seus pontos de atenção ressaltados pela crítica. A começar pelo uso da palavra 'Índio', termo utilizado pelos europeus após um erro geográfico fazer eles acreditarem que haviam chegado na Índia e não no Brasil.
Xuxa ainda canta sobre um "mocinho para me pegar", que neste caso é lido como a chegada dos portugueses ao Brasil, transformando os colonizadores em boas pessoas.
A apresentação da canção em uma edição do 'Xou da Xuxa' também chamou atenção. Na ocasião, a artista chamou indígenas para o palco, quatro adultos e quatro crianças, e performou a faixa sob o olhar dos convidados, que demonstravam certo desconforto com a situação.
Curumim Iê Iê: composta por Paolo Manavello Bonali e Carlos Roberto Cavalcanti De Albuquerque, a canção lançada por Mara Maravilha no álbum 'Curumim', de 1991, foi um grande sucesso de público e chegou a receber diversos elogios.
Anos depois, foram apontadas algumas problemáticas na canção e no clipe. No vídeo, por exemplo, Mara surge fantasiada de indígena, com a pele pintada e roupas tradicionais. Para a época, tudo estava dentro dos conformes, já que o assunto não era problematizado, muito menos debatido como acontece nos dias atuais.
Outro fator pontuado é o fato de Mara ser considerada a artista que "deu voz aos povos indígenas" na TV, no entanto, na música, a cantora, uma mulher branca, não divide vocais com artistas de origem indígena, apenas canta sobre o povo como se fosse uma realidade dela.
A performance ao vivo também gerou polêmica com uma cena protagonizada por Silvio Santos. Na ocasião, a baiana levou crianças indígenas para o palco do programa de Silvio, que deu um tapa nas nádegas de uma das crianças.
A canção ainda foi regravada por Eliana no CD 'Festa', em 2003.
Em 2022, Mara surgiu em um ensaio sensual para homenagear o Dia dos Povos Indígenas e fez uma referência ao sucesso. "Hoje, dia 19 de abril, dia do índio e eu sou uma índia".
*Faixa bônus*
Canibal: o hit de Ivete Sangalo composto pela baiana em parceria com Ivanilton De Souza Lima, Mihail Plopschi e Paulo Cesar Guimaraes Massadas, também é motivo de polêmica para quem analisa a faixa nos dias atuais.
Presente no álbum de estreia da cantora, o 'Ivete Sangalo', de 1999, a canção fala sobre uma mulher que tinha se apaixonado por um indígena. No cenário pintado pela artista, o 'índio' em questão, morava em uma ilha deserta.
Na música, a figura do indígena ainda é relacionada ao canibalismo. De forma metafórica, Ivete canta que a paixão foi tanta que o rapaz comeu o coração dela, mas nada importava, pela felicidade de viver o amor. A artista também aparece caracterizada com adereços indígenas no clipe.
As três músicas seguem em execução ao redor do país, e ainda utilizadas como referências sobre o assunto, mesmo sem mostrar a realidade dos povos indígenas.
Em 2022, o "Dia do Índio" passou a ser oficialmente chamado de "Dia dos Povos Indígenas", após o projeto, da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), se tornar a Lei 14.402 e ser promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro.
A substituição veio como forma de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. O termo "índio" foi difundido pelos portugueses, que ao chegarem ao Brasil acreditaram que haviam chegado às Índias. Já ‘indígena’, significa ‘originário’, ou ‘nativo de um local específico’, termo que se faz mais fiel à história vivida pelos povos que aqui já viviam antes da colonização.
A problematização, válida, liga um ponto de atenção e de debate nas redes sociais. Se "todo dia é dos povos indígenas", por que não dar voz a quem pode falar sobre a vivência deles?
Redação iBahia
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