Na última terça, recebi a notícia de que a prefeitura do Rio de Janeiro interditou o estádio do Engenhão. A alegação do prefeito Eduardo Paes, após avaliar os laudos, era de que havia problemas estruturais que ofereciam riscos ao público. Este episódio me deixou preocupado. O prefeito tomou a decisão logo após um monitoramento de rotina realizado pelo consórcio da praça esportiva, que foi inaugurada somente há seis anos com o objetivo principal de sediar os Jogos Pan Americanos da cidade do Rio de Janeiro. A medida de urgência não tem prazo determinado, o que certamente comprometerá a realização dos jogos do campeonato carioca, que estão em andamento. Os clubes que atuavam no Engenhão terão que remanejar os respectivos mandos de campo. Mas isso é somente um detalhe se comparado às conseqüências trágicas que poderiam ocorrer pela falta de segurança dos torcedores. Essas tragédias, tidas como anunciadas, já foram vistas em algumas oportunidades. Citemos somente dois exemplos:
1) Final da Copa João Havelange, em 2000, entre Vasco e São Caetano, no estádio São Januário. A queda do alambrado por causa da superlotação acabou ferindo 200 torcedores. Eurico Miranda, então presidente da equipe cruzmaltina, tentou reiniciar a partida, mas o então Governador Antony Garotinho determinou o cancelamento imediato do jogo.
2) Estádio da Fonte Nova, o ano era 2007. A festa era completa com o acesso do Bahia da Série C para a Série B, quando parte da arquibancada superior desabou. Sete torcedores morreram e houve outros feridos. O jogo era contra o Vila Nova e o estádio estava lotado, com mais de 60 mil pessoas. Os laudos apresentados pelos órgãos competentes à época mostravam que a Fonte Nova estava sob risco, mas não houve providências. O que merece preocupação por parte do poder público e, principalmente, da população em geral é o fato de que o Engenhão, como quase todos os estádios que serão utilizados nos megaeventos a serem aqui disputados nos próximos anos, foi construído às pressas, tendo sido entregue fora do prazo inicial estipulado. Como o problema é estrutural, a responsabilidade é da prefeitura. Administrador do estádio, o Botafogo tem o dever da manutenção.Isso nos leva a suscitar um singelo questionamento: será que os estádios construídos para as Copas das Confederações e do Mundo estão sendo rigorosamente vistoriados e estruturalmente capacitados para receberem as partidas sem pôr em risco a vida dos espectadores? Complicado.
Em caso de acidentes, Fifa lava as mãosMas o governo brasileiro tem muito interesse para que tudo saia dentro dos conformes. Até porque o art. 23 da Lei Geral da Copa é categórico ao prescrever que a União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado ao evento Copa do Mundo 2014. Exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano. Portanto, a FIFA lava as mãos e não responderá pelos danos causados a nenhum torcedor decorrentes da falta de segurança no estádio. O Estatuto do Torcedor ensina que a responsabilidade pela segurança do torcedor em um evento esportivo é do clube detentor do mando de campo e de seus dirigentes. Estes deverão solicitar ao poder público a presença de agentes para prestar toda segurança ao torcedor, dentro e fora do estádio, antes, durante e depois das partidas. Acontece que a os agentes de segurança somente prestarão este serviço se o clube mandante preencher requisitos mínimos capazes de garantir a segurança do torcedor. A título de exemplo, o alvará de funcionamento expedido pela prefeitura e atestado de vistoria relativo às condições gerais de segurança firmado pelo corpo de bombeiros e engenheiro competente. Por sua vez, é dever da entidade responsável pela organização da competição contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador do ingresso, válido a partir do momento em que entrar no estádio. Prejuízos de ordem moral ou material fazem surgir a responsabilidade civil daquele que é obrigado a reparar o dano causado a terceiros. É o caso da responsabilidade objetiva do Estado, do clube detentor do mando de jogo, entidade organizadora da competição e dos seus dirigentes que têm o dever de zelar pela segurança dos recintos esportivos, locais predispostos à ocorrência de acidentes. O Estatuto do Torcedor, conforme já comentado nas colunas anteriores, tutelou com mais ênfase os direitos daqueles que, por ação ou omissão dos fornecedores do espetáculo, sofreram qualquer tipo de dano. Mas ainda é pouco. É preciso que os dirigentes dos clubes enxerguem que uma boa prestação de serviço é uma receita simples e indispensável para o clube obtenha ganhos significativos com o seu maior patrimônio, que é o seu torcedor.
*Fernando Aguiar é advogado, radialista, comentarista de direito desportivo na rádio CBN e escreve a coluna Minuto Legal todas as quartas-feiras no iBahia. Mais Minuto Legal Sobre racismo, punição a jogadores e também a dirigentes Pay-per-view ou das arquibancadas, todo torcedor tem seu direito