Com a crise econômica e política da Venezuela, país da América do Sul, muitos imigrantes vieram para o Brasil em busca de refúgio e melhores oportunidades. Em solo brasileiro, eles se dividiram em grupos e cerca de 80 venezuelanos se encontram na cidade de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, com relatos de desnutrição, fome e miséria.
O grupo conta com recém-nascidos e até idosos em duas casas: uma no bairro Jardim Valéria e outra próxima ao Supermercado Atacadão. As residências estão superlotadas e em péssimas condições, especialmente a primeira, onde a maioria das pessoas vive fora da casa devido à falta de espaço.
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O aluguel de cada casa custa cerca de R$ 500, além das contas de água, energia e gás, um peso financeiro que as famílias não conseguem pagar.
Boa parte deles é de um grupo étnico peculiar de indígenas chamado de 'Warao', que se destaca pelas habilidades de artesanato e cultura comunitária.
Apoio insuficiente aos imigrantes venezuelanos
Os imigrantes residem a cerca de três anos em Vitória da Conquista, porém não contam com o apoio da Gestão Municipal. Recentemente, buscaram ajuda na Cáritas da Arquidiocese, uma organização da Igreja Católica conhecida pelo trabalho em situações de vulnerabilidade e emergência.
O primeiro contato que esses imigrantes tiveram foi com a recepcionista da Cáritas, Jucélia Oliveira de Brito. Segundo Jucélia, os imigrantes clamavam por ajuda e isso a sensibilizou.
"Primeiramente, dois deles vieram pedir cestas básicas e agasalhos por conta do frio. Eles não conseguiram o apoio da Prefeitura, que afirmou não ter recursos para ajudar nem os próprios conquistenses que vivem na rua", declarou a funcionária.
Comovida, Jucélia acionou o diácono Luciano, que atualmente é o responsável por uma campanha solidária voltada para o suporte desses imigrantes. Em entrevista ao iBahia, o diácono mostrou indignação acerca da falta de amparo da gestão municipal diante dos venezuelanos.
“A situação precária dos venezuelanos em Vitória da Conquista viola seus direitos humanos, especialmente considerando sua condição de refugiados. Há uma legislação federal que garante acolhimento a essas pessoas, mas a prefeitura parece desconhecer ou ignorar essa legislação”.
O diácono, enquanto coordenador da Cáritas, realizou uma visita às casas onde os imigrantes estão abrigados, constatando, então, a necessidade da mobilização de outras instituições, como a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil.
A Cáritas tem fornecido apoio emergencial, com entrega de mantimentos e cestas básicas, além de assistência médica voluntária, incluindo dentistas. Segundo o diácono, há idosos no grupo com problemas de saúde, como é o caso de Palencia, idoso que está com um grau elevado de catarata.
A condição de vacinação também está irregular entre as crianças. Elas não estão frequentando as escolas e enfrentam com os pais a precariedade da moradia, higiene e alimentação.
"A insegurança alimentar é enorme. Tem uma criança em condições graves de desnutrição. A Prefeitura fornece cestas básicas semanais, suficiente para um dia em cada casa, devido à quantidade de pessoas. Foi-se ouvido que era até um privilégio dos venezuelanos receber essas cestas, visto que algumas pessoas da própria cidade não ganham isso", destacou Luciano.
O diácono alega que a gestão municipal tem ciência da situação, mas que provavelmente a entidade formalizará uma denúncia aos órgãos federais. O objetivo da Cáritas é mobilizar a sociedade nesse debate, trazendo agentes do Ministério Público Federal e pessoas ligadas à Organização das Nações Unidas que tratam sobre essas questões.
"A Cáritas não quer manter uma relação de clientelismo, que tire o que é de direito desses imigrantes. É necessário haver uma articulação entre os órgãos municipais, estaduais e federais para pensar em possibilidades de alojamentos em condições mais humanas e garantir a capacitação dessas pessoas para o trabalho", finaliza o diácono.
Governo relata que garante recursos voltados para imigrantes
A equipe do iBahia entrou em contato com Hildete Emanuele, Coordenadora de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes, Combate ao Trabalho Escravo e Política de Migrações, Refúgio e Apatridia da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia (SJDHDS/BA).
Ela informou que a solicitação de custos voltados para os imigrantes é feita pela gestão municipal de cada região. A coordenadora salientou que desde 2021 não recebe novos pedidos da Prefeitura de Vitória da Conquista.
"Os recursos são solicitados somente pela Secretaria de Assistência Social. O município informa quantos imigrantes estão acolhendo e é feito um cálculo por pessoa. Os valores são destinados para alimentação, vestuário e materiais de limpeza e higiene pessoal. Vitória da Conquista somente solicitou esses recursos em 2021, informando que havia 50 imigrantes, porém não solicitou mais", destacou Hildete.
O que disse a Prefeitura de Vitória da Conquista sobre os venezuelanos
O iBahia entrou em contato com a Prefeitura de Vitória da Conquista sobre o caso em duas ocasiões. Na primeira, gestão municipal disse que faz o "acompanhamento contínuo e sistemático da população de migrantes e refugiados que residem na cidade." No entanto, ela não detalhou sobre a precariedade dos ambientes nem sobre a ausência de alimentos.
Voltamos a solicitar um novo posicionamento sobre a situação e a gestão explicou que "garantiu toda assistência necessária aos refugiados, os quais são acompanhados nas unidades socioassistenciais, CRAS e CREAS, além do provimento de complementação alimentar semanal. Diante do exposto, a Prefeitura, por meio da Semdes, reforça que vem realizando articulação com órgãos governamentais e entidades para melhorar ainda mais o atendimento a esse público."
Leia as notas enviadas pela Prefeitura de Vitória da Conquista:
Segundo comunicado
A Prefeitura de Vitória da Conquista, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes), esclarece que o município começou a receber migrantes indígenas venezuelanos da etnia Warao, em 2021. Inicialmente, foram 46 indígenas. Entre 2022 e 2023, Vitória da Conquista registrou uma redução desse público, com apenas dois núcleos familiares com sete pessoas. Em junho de 2024, o município passou a vivenciar um novo ciclo de migração, possuindo hoje um total de 15 famílias indígenas venezuelanas dessa etnia, com um total de 72 pessoas.
O município solicitou, em dois momentos, o cofinanciamento federal do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com base na Portaria 468 de 13 de agosto de 2020, que “dispõe sobre o repasse emergencial de recursos federais para a oferta de ações socioassistenciais nos estados e municípios que recebem migrantes e refugiados oriundos do fluxo migratório provocado por crise humanitária”.
Em 2021, devido ao número alto de migrantes, o município recebeu o aporte financeiro de R$ 120.000,00 para afiançar o atendimento socioassistencial, a fim de garantir a dignidade humana e minimizar as vulnerabilidades e riscos sociais vivenciados pelas famílias refugiadas.
O segundo momento foi em julho deste ano, quando, mais uma vez, Vitória da Conquista solicitou ao Governo Federal um novo aporte financeiro para garantir a ampliação das ações de proteção integral a essas famílias, uma vez que a Portaria 90/2013, do MDS, determina que a solicitação de cofinanciamento federal deverá ocorrer apenas mediante ao acolhimento de no mínimo, 50 pessoas.
Mesmo no período em que não teve acesso aos recursos federais, por não se enquadrar no critério da quantidade de migrantes, a Prefeitura Municipal garantiu toda assistência necessária aos refugiados, os quais são acompanhados nas unidades socioassistenciais, CRAS e CREAS, além do provimento de complementação alimentar semanal.
Diante do exposto, a Prefeitura, por meio da Semdes, reforça que vem realizando articulação com órgãos governamentais e entidades para melhorar ainda mais o atendimento a esse público.
Primeiro comunicado
As famílias venezuelanas da etnia Warao são atendidas nas unidades da assistência social de Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE), com destaque para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que tem realizado o acompanhamento prioritário e inserção das famílias nos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais.
Na última terça-feira (9), a equipe da PSE recebeu a informação de que as famílias de migrantes estavam na rua e foi averiguar a situação. A informação obtida é de que uma das casas em que eles residiam foi vendida e o proprietário estabeleceu o prazo de 30 dias para a desocupação do imóvel, a contar do dia 8 de julho. Dessa forma, não havia necessidade de as famílias estarem na rua, já que o prazo começou a contar agora. Assim, a equipe da Semdes orientou as famílias a retornarem à residência, disponibilizando alimentação e transporte.
E na quarta-feira (10), a Semdes realizou visita técnica e firmou com as famílias o compromisso de inseri-las no aluguel social e, para além disso, o município se encontra em processo de estudo e articulações para a viabilização de parceria com uma Organização da Sociedade Civil (OSC), que oferta o Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias na modalidade de casa de passagem específica para o público imigrante indígena.
Entre 2022 e 2023, Vitória da Conquista possuía dois núcleos familiares de migrantes da etnia Warao. A partir de fevereiro deste ano, o ciclo de migração aumentou e hoje já possui um total de 11 famílias de imigrantes venezuelanos da etnia Warao, contabilizando aproximadamente 70 pessoas. Todas essas famílias estão inseridas no Cadastro Único e são beneficiárias do Programa Bolsa Família. Através da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Semdes), são distribuídas cestas básicas mensalmente, compostas por grãos, laticínios e frutas, além de itens de higiene pessoal e limpeza.
Importante ressaltar que, por três anos consecutivos (2021 a 2023), Vitória da Conquista recebeu o selo MigraCidades, uma certificação que atesta o engajamento do governo municipal em aprimorar a governança migratória local e dá visibilidade às boas práticas identificadas nos estados e municípios brasileiros ao longo das etapas do processo.
O Creas tem sido o setor responsável pela articulação em rede. Uma das principais mediações feitas pelo serviço é junto à Polícia Federal, onde a equipe auxilia na emissão do Protocolo de Refúgio. Esse é o documento necessário para que os refugiados possam acessar serviços básicos tanto na saúde, educação e assistência social.
No que tange ao acesso à educação, todas as crianças em idade escolar foram matriculadas nos níveis da educação infantil e fundamental. O Creas também tem feito o contato direto com a Secretaria Municipal e Saúde (SMS) para garantir acesso a demandas básicas como atendimentos e vacinação.
A Semdes também conta com um grupo de trabalho que promove atenção à população migrante, responsável por discutir as melhores estratégias para sanar as demandas desse público, tendo em vista a situação de vulnerabilidade em que se encontram. Vale pontuar que o público Warao apresenta um crescimento contínuo no município no decorrer dos últimos quatro anos, além do fato de que o município também acompanha grupos de migrantes de outras nacionalidades e etnias.
Joana Miranda
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