Ao final da palestra, ele deixou o palco pela lateral. Um grupo de jornalistas, eu incluída, aguardava na entrada do camarim para tentar entrevistar o palestrante e veio a informação: "Ariano já foi. Saiu pela outra porta, e já tinha um carro esperando ele". Pois é, imprensa trolada pelo escritor. Rimos de nós mesmos. Chateação? Nenhuma, afinal, ele havia nos dado muito no palco, cumpriu sua missão e deixou todos com a alma mais leve e mais rica, certamente. Achamos foi graça da rapidez e astúcia do mestre.
Com a voz rouca e um sorriso sempre pronto no rosto, Suassuna emocionou a plateia em diversos momentos do encontro. Em um deles, apontou para a esposa na plateia e afirmou que ela era uma benção em sua vida. Comentou, ainda, que achava lindo o gesto dos jogadores de futebol que beijam a aliança em homenagem às suas mulheres, após um gol. Falou e beijou sua aliança.
Com a notícia da morte de Suassuna, me perguntaram como é a sensação de ter escutado sua palestra tão lúcido, bem humorado e com tanto a oferecer à cultura e agora precisar noticiar seu falecimento. Nem sei o que responder. E neste vazio, tomo emprestadas as palavras de seu personagem Chicó - "Não sei... só sei que foi assim". Embora não gostasse de viajar de coisa nenhuma, muito menos de avião, ele veio a Salvador e nos presenteou com o encontro generosamente, além de ter nos deixado sua obra. Um escritor da grandeza de Suassuna não desaparece. Ainda temos aí um longo caminho até conseguirmos dar conta de tudo o que ele escreveu.
"Tô com essa idade toda, mas até 2014 não acredito que morro, não. Nenhum de nós tem essa consciência de que morre", afirmou ele. Nós também não temos. Ainda custa acreditar sobre sua partida, mas tomaremos por exemplo o soneto feito em homenagem a seu pai, João, que foi morto quando Suassuna tinha apenas três anos. Foi com este poema, que o escritor se despediu da plateia baiana e pediu: "Se não gostarem, não façam nada; mas se gostarem, me deem um sinal para que eu me torne mais corajoso... Esse soneto foi o que eu escrevi de mais profundo".
Aqui morava um Rei, quando eu menino: vestia ouro e Castanho no gibão. Pedra da sorte sobre o meu Destino, pulsava, junto ao meu, seu Coração.
Para mim, seu Cantar era divino, quando, ao som da Viola e do bordão, cantava com voz rouca o Desatino, o Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia, eu me vi, como um Cego, sem meu Guia, que se foi para o Sol, transfigurado. Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa, Ele, a Brasa que impele ao Fogo, acesa, Espada de ouro em Pasto ensanguentado.
TRECHO DE 'O AUTO DA COMPADECIDA' [youtube UwqW-JwbEXM]
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