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MODA E BELEZA

Carol Barreto é primeira brasileira na Black Fashion Week Paris

A estilista santo-amarense apresenta coleção na Cidade-Luz dia 12

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05/12/2015 às 19:32 • Atualizada em 27/08/2022 às 6:30 - há XX semanas
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A estilista santo-amarense Carol Barreto tinha crises de consciência por não conseguir separar duas paixões: moda e pesquisa acadêmica. Depois que unificou os caminhos, encontrou uma nova estrada para trilhar, que vai levá-la, dia 12 de dezembro, para a capital mundial da moda. Carol é a única representante e primeira estilista negra do Brasil convidada a participar do Black Fashion Week Paris. Na passarela, vai colocar a coleção Vozes: Moda e Ancestralidades, criada para provocar um debate sobre a pós-colonialidade e questionar: o que significa ser fruto de um país colonizado? “Não se trata de moda étnica, mas da moda evidenciando as raízes do Brasil sem estereótipos”, diz. Confira, a seguir, os passos que a estilista deu para chegar até a França.

Em Paris, a estilista baiana Carol Barreto vai apresentar a coleção Vozes: Moda e Ancestralidades (Foto: Angeluci Figueiredo)

Como começou na moda?
Esse início veio da infância, dos desenhos que eu fazia ainda no jardim de infância. O marco que me fez entender isso como profissão foi uma revista que comprei quando criança, que falava de escolas de moda em Paris e de estilismo como campo de trabalho.

Você fez faculdade de moda?
Entrei na universidade no curso de Letras e fui pegando matérias, como composição decorativa e história da arte, que me ajudaram a criar um repertório nessa trilha. Foi nesse campo de desenho e arte que consegui, como pesquisadora de um curso de extensão, fazer meu primeiro desfile. Em 2001, estreei minhas criações na passarela. No ano seguinte, fiz um editorial chamado Demodee, que significa fora de moda, com peças antigas de lingerie, reconstruídas, mas eu ainda não tinha a dimensão que aquilo era profissional.

Como surgiu sua pesquisa sobre gênero?
Fiz um trabalho com as drags de Salvador acompanhando a montação, a transformação do corpo. Depois, no mestrado, fiz algo com travestis da Atras - Associação de Travestis e Transexuais de Salvador, um trabalho etnográfico, aprofundando a reflexão do corpo como expressão da nossa subjetividade e como marcador social.

Essa pesquisa mudou sua forma de ver a moda?
Fui compreendendo moda além da roupa, além da aparência. Depois disso, decidi definitivamente atrelar minha criação como estilista às minhas inquietações acadêmicas e políticas. Sempre dialoguei com questões feministas e antirracistas. Vi que não dava para separar mais uma coisa da outra. Na época, fiz dois ou três desfiles por ano no Teatro Gamboa Nova. Eram editoriais de moda mostrando a estética dessas mulheres travestis com as quais convivia. Essas performances eram dirigidas por Rino Carvalho, diretor artístico do teatro. A gente conseguia mostrar pessoas com identidades sexuais bem diferentes e chamava isso de política da fechação.

Editorial de moda construído na comunidade remanescente quilombola de Santiago do Iguape (fotos/divulgação)

Como essa experiência interferiu em suas criações?
Quando resolvi redesenhar comercialmente a marca, decidi me adequar a algumas limitações. Percebi que negociar com alguns padrões já estabelecidos poderia me dar mais visibilidade já que são poucas criadoras negras com destaque nacional que assumem o discurso contra a prática racista no mundo da moda. Construir uma imagem globalizada ainda hoje é fotografar uma modelo o mais loira possível, mesmo estando em Salvador, cidade com grande maioria negra.

Como você fez isso?
Entendi que, como criadora, tinha possibilidade de contribuir para formar novas políticas de representação para gerações futuras. Por isso, passei a trabalhar majoritariamente com modelos negras soteropolitanas. Vejo como elas colecionam histórias de exclusão por não estarem em determinados padrões. Com meu trabalho, quero mostrar a quantidade de meninas que são bonitas e boas profissionais.

O que mais te encanta no seu trabalho?
A identificação das pessoas, principalmente as de fora da moda. Os recados que chegam a mim, tipo “você me representa”, “mudei meu cabelo”,” minha filha se vê no seu discurso”. Isso é o que mais me interessa. Mas, principalmente, a potência criativa de transformar ideia e conceito em materialidade. É uma potência que quem não trabalha com criatividade talvez nunca tenha noção.

E o que é mais difícil?
A falta de valorização local, no sentido da cidade. Nos dois anos em que tive loja, observei que quando uma cliente pegava a peça, elogiava, dizia que estava bem acabada, mas desistia de comprar quando descobria que era daqui. Esse enfrentamento local me faz prospectar outros espaços em outros lugares. Mas acho muito incongruente conseguir, depois de tanto tempo de trabalho, uma visibilidade mais internacional do que nacional.

Fale sobre sua carreira fora do país.
Há dois anos, fui convidada para o Dakar Fashion Week. Depois, recebi outros convites, para Angola e Quênia, mas não tive disponibilidade para viajar. A Black Fashion Week de Paris, da qual vou participar no dia 12 de dezembro, é um evento comercial como qualquer outro. Você manda portfolio ou é convidada. A organizadora, Adama Ndiaye, que também faz o Dakar, me convidou. Ela encontrou um patrocinador e não paguei nada pra estar lá, como é padrão.

De que modo pode se construir discursos feministas e antirracistas na moda?
O discurso antirracista é o mais visível porque é questão de fenótipo. É o mais fácil de ser apreendido. O discurso feminista faz mais referência aos processos criativos e temas que recorto como inspiração e reflexão de pesquisa para criação da coleção e, principalmente, nas metodologias e formas de produção da coleção.

Look desfilado no Dakar Fashion Week, em 2012: carreira internacional

Como funciona seu processo criativo?
Eu penso o processo criativo como experiência compartilhada. Se me debruço naquilo e faço um croqui, levo também a assinatura de quem executou. Nas últimas três coleções, começando pela experiência da Dakar Fashion Week, tive a oportunidade de dividir o processo criativo e de confecção com minhas alunas de Design de Moda da Unime. Uma particularidade desse curso é que atende as costureiras das periferias de Simões Filho e Lauro de Freitas e que trazem toda essa carga simbólica que não é compatível com o que se vive no mundo da moda. Dividindo o processo, percebi o empoderamento delas e como isso foi repercutindo em suas histórias de vida.

Você consegue unir teoria e prática. Como equilibra tudo?
Para se fazer as duas coisas é preciso um esforço duplo porque acabo sendo considerada muito performática para a academia e muito acadêmica para a moda. Não acho que existe separação. Produção de aparência é política. O que construo no meu corpo como pessoa já é construção política. Design é reflexão, produzir algo vem de muita reflexão teórica, embora às vezes o embasamento não seja tão visto. Mas também tenho essa ideia de quem trabalha com teoria da moda e com prática como se não retroalimentasse. Mas não tem nada a ver. Quando desisti de separar, ganhei qualidade nos artigos, palestras e no meu trabalho criativo.
Você vai desfilar em Paris.

Como estão os preparativos?
Só agora caí na realidade de que estou indo desfilar na capital mundial da moda. É muita emoção, algo muito grande, que nunca imaginei na minha vida. É muito simbólico. Com esse convite, outros contatos foram acontecendo. Começo, inclusive, com essa minha ‘teórico-prática’, a entender e assumir meu trabalho como algo artístico.

Como assim?
Ter fechado a loja me deu liberdade para construir algo mais conceitual. Passei na Ufba, tenho regime de dedicação exclusiva, e isso significa respeito para minha produção. Meus desfiles vão todos para um relatório e isso é sinal de respeito. Semestre passado foi meu último na Unime. Agora sou só Ufba. Todas essas mudanças acabam me ajudando a compreender meu trabalho com algo mais artístico. Arriscamos fazendo um editorial com as meninas da comunidade quilombola. A gente retorna lá em dezembro para mostrar o resultado e discutir, em oficina, moda, mulheres negras, etc. A circulação desse projeto vai se estender de agora até abril de 2016. A gente também não esgota o trabalho do Black Fashion Week. As fotos que serão feitas lá se somarão às de circulação.

Correio24horas

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