Wladmir Pinheiro w[email protected] os dias, passa um verdadeiro rio pelas torneiras e panelas da dona de casa Marieta Cunha, 62 anos. E não é só a água necessária para o consumo diário dela, do marido, de dois dos três filhos e um dos sete netos que moram com ela em um apartamento em Pernambués. Tem outra conta de água que não chega no final do mês: do volume utilizado para produzir os 2 quilos de feijão ou os 3 quilos de carne que ela cozinha por semana, a alface que vai à mesa a cada dois dias e até as peças de roupas que são lavadas na máquina duas vezes por semana. “E olhe que aproveito a água da lavagem das roupas para usar no banheiro”, explica-se a dona de casa, pensando no alívio da consciência e do bolso. Para calcular o volume de água envolvido na produção de alimentos e outros produtos industrializados que vão diariamente para as mesas de milhões de Marietas, especialistas em recursos hídricos criaram a chamada Pegada da Água. Também conhecido como água virtual, o indicador serve para medir a quantidade de água consumida pelas pessoas não apenas em sua forma direta (quando Mateus, neto de Marieta, toma banho), mas também de forma indireta (quando o marido da dona de casa, o taxista Manuel, compra uma calça jeans, por exemplo).A conta final de um simples almoço, por exemplo, pode bater a marca dos 20 mil litros gastos. Achou muito? Só para produzir um quilo de carne, gasta-se 15,5 mil litros. Nessa soma entram desde a água para irrigar o capim que alimenta o boi até o volume médio ingerido por ele até o abate. Quer trocar pelo frango? Prepare-se para consumir 3,9 mil litros. A proposta da Pegada Hídrica é exatamente esta: alertar para o alto gasto de água que costuma passar despercebido junto com cada produto que consumimos diariamente. “O objetivo é tornar a Pegada Hídrica um fator de escolha na hora da compra dos produtos. Sabendo o volume de água gasto em cada produto, o consumidor vai poder decidir levar para casa aquele que economizou mais. Isso acaba pressionando os fabricantes a utilizarem menos água no processo de produção”, avalia Estanislau Maria, coordenador da organização que prega um consumo consciente, o Instituto Akatu. Controle no rótuloUma das ideias da organização é obrigar os fabricantes a colar nas embalagens dos produtos rótulos com o volume de água gasto. A preocupação não é para menos. Cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com menos de 20 litros de água por dia, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Além da escassez do recurso, em alguns cantos do mundo, o mau uso pode fazer da água artigo de luxo até onde não costuma faltar tanto. Segundo dados da Organização Water Footprint, responsável por uma série de estudos relativos à Pegada Hídrica, apenas 5% da água no Brasil é gasta com consumo doméstico. Os outros 95% correspondem ao consumo de produtos industriais e agrícolas. Rios monitorados Baseado na experiência francesa de gestão, o país “tem uma discussão ampla e participativa” sobre o assunto, mas não sem desafios, pontua. “É preciso conhecer os usuários desses recursos, os pequenos produtores, e cadastrá-los para que seja possível compatibilizar a demanda e a oferta dos recursos hídricos”, afirma o especialista em Recursos Hídricos da Agência Nacional das Águas (ANA) Luiz Henrique Pinheiro. O trabalho é grande e envolve ainda monitorar os rios e mananciais, tanto do ponto de vista da quantidade, quanto da qualidade da água. “É importante saber quem está consumindo esses recursos e quanto esse manancial pode ofertar, para que se possa fazer um balanço hídrico adequado, sempre atento à questão do consumo consciente”, conclui. No setor privado, a Pegada Hídrica é hoje em dia utilizada principalmente por grandes empresas nacionais e internacionais de diversos setores como um instrumento de gestão. “A Pegada Hídrica auxilia a entender quanto de água está sendo utilizada na produção, qual a origem dessa água e a quantidade necessária para que ela possa voltar ao ambiente. Conhecendo essa dinâmica, o setor produtivo pode utilizar essas informações para orientar suas ações no aumento da eficiência do uso deste recurso”, explica a engenheira agrônoma e pesquisadora pela USP Vanessa Empinotti. Entre as formas citadas pela especialista para melhorar essa eficiência estão a implementação de novas tecnologias que promovam o reuso da água, monitoramento da água durante o processo produtivo, investimento no tratamento de efluentes, entendimento dos processos de contaminação e irrigação que utilize pouca quantidade de água. “Há muito investimento sendo feito em tecnologias que criam equipamentos capazes de reduzir o consumo de água, como temporizadores, sensores de presença, captação de água da chuva, e muitos outros. A indústria da construção civil, por exemplo, já entendeu essa demanda e constrói prédios considerados verdes (edifícios sustentáveis) a partir desse princípio”, explica a gerente de desenvolvimento sustentável da Fieb, Arlinda Coelho. Como a maior parte da população, a dona de casa Marieta Cunha ainda não conhecia a utilização da Pegada Hídrica para sua vida. Mas, na sua casa, a família já está acostumada com um consumo consciente. A ideia compartilhada por ela e por muitos vale para todos. “Economizo água o quanto posso. Antigamente, por exemplo, apertava a descarga e descia um rio: chuááá. Com esse novo sanitário que comprei, que segundo meu neto tem volume de água diferente para ‘número 1’ e ‘número 2’, nem barulho ele faz”, conta Marieta, feliz, sobre a economia. Abastecimento comprometido já em 2015 nas principais capitais Estudo divulgado pela Agência Nacional de Águas (ANA) revela que as principais capitais brasileiras, como São Paulo e Salvador, podem começar a enfrentar problemas no abastecimento já em 2015.Em um estado como a Bahia, em que 70% do território está localizado na faixa do semiárido, saber como cuidar da água é questão de sobrevivência. Segundo Luiz Henrique Pinheiro, da ANA, a gestão da água no Brasil é uma das mais avançadas do mundo, mas ainda é preciso adaptar a demanda e a oferta dos recursos. “Os indicadores, como a Pegada Hídrica, podem ajudar em uma gestão mais eficiente da água, além de reduzir o consumo e o desperdício aos menores índices possíveis”, afirma o coordenador de Monitoramento do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Eduardo Topazio.
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