A crise econômica puniu os maus hábitos de uso de crédito dos brasileiros, e hoje, grande parte da população está endividada. Segundo dados da Serasa Experience, o número de brasileiros inadimplentes bateu recorde em abril, chegando a 63,2 milhões de pessoas. Com isso, 40,4% da população adulta do país está com dívidas atrasadas e negativadas. Entre os vilões desses brasileiros estão diversas modalidades de crédito, como o cartão de crédito e financiamento do carro, mas nenhum tem juros tão explosivos quanto o cheque especial — 323,3% ao ano.
Segundo estudos do Banco Central, é a população de mais baixa renda a que está mais presa com essa modalidade de crédito, com 44% dos usuários tendo renda de até dois salários mínimos. Os resultados também mostram que 19,5% do total de usuários de 2018 utilizaram o cheque especial em todos os doze meses do ano. E que mais de 50% tomaram esse crédito por mais de seis meses.
A verdade é que é muito fácil entrar no cheque especial, e bastante difícil sair sem disciplina. Diferente de outras modalidades de crédito, não há regulação no limite que pode ser ofertado ao consumidor, ficando a cargo dos bancos escolherem — que muitas vezes liberam um valor muito acima da renda mensal do cliente.
Nessa conjuntura, o novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico que o cheque especial é responsável por 10% dos resultados de crédito dos bancos, e que está analisando alternativas para baixar os juros da modalidade. A Federação Brasileira de Bancos não quis comentar.
— O cheque especial é para ser a última opção, mas é usado com frequência. Um em cada quatro usuários do aplicativo usou neste ano. A população precisa de educação financeira — diz Julio Duram, diretor de produto e tecnologia do Guiabolso.
Thiago Lombardi, Gerente superior de logística de 34 anos, caiu na armadilha do cheque especial e viu como é importante ter um melhor controle financeiro:
— Uma complicação médica gerou gastos inesperados, e sem reservas, recorri ao cheque especial, acreditando que conseguiria pagar rapidamente diminuindo os gastos. Mas a verdade é que com os altos juros eu fui me enrolando. Comecei negativo em R$ 500 e em seis meses já estava em R$ 6.500. Meu salário caía e o banco já tirava para pagar o limite, e eu precisa usar de novo para pagar as contas. Até que estourei o cheque especial e fiquei inadimplente. Só então fui buscar renegociar as dívidas em melhores condições com um crédito com garantia. Hoje vejo a importância de planejar gastos, ter disciplina e poupar para emergências.
Bancos mudaram cobrança em 2018
Em julho de 2018, o Banco Central mudou a regulação para a cobrança do cheque especial. Depois de usado 15% do limite disponível por 30 dias, o banco passa a oferecer uma alternativa mais barata para parcelar essa dívida.
Segundo a FEBRABAN, muitos devedores tem trocado a dívida do rotativo do cheque especial para um modelo parcelado com juros menores. Desde julho do ano passado, mais de 9,55 milhões de clientes reduziram as taxas pagas por meio da migração. Somente em abril mais de 1,11 milhão de pessoas migraram, reduzindo a taxa média de juros paga de 12,31% a.m. para 3,21% a.m., de acordo com levantamento feito pela federação com 12 bancos, que representam cerca de 90% do mercado brasileiro do produto.
No entanto, esses resultados não são sentidos pela média de juros calculados pelo próprio Banco Central, em que a taxa ficou estável.
— Não mudou nada. O cliente é estimulado a ser inadimplente e depois o banco não faz nenhum esforço para a pessoa sair dessa situação — diz Samir Reis, gerente de crédito da Fintech de crédito Bcredi.
Para Filipe Pires, coordenador do MBA em Finanças do Ibmec RJ, o cheque especial é uma das principais fontes de crédito das classes mais baixas, por ser fácil conseguir a linha. e por isso, seria preciso sim tentar repensar o modelo de crédito.
—Qualquer pessoa com conta corrente pode ter de imediato, sem restrição de renda. Isso torna o risco alto, o que justificam os juros altos. E assim, quem paga compensa os inadimplentes. E com o aumento da inadimplência no país, o risco fica maior para o banco. Em alguns países é cobrada uma tarifa para o uso de créditos emergenciais, que tira um pouco do risco e , assim, diminuiu os juros. A ideia é que isso restringe o uso para casos emergenciais. Mas não é possível saber se inibiria a tomada do crédito por aqui. E também poderia aumentar o custo total. É preciso regular, mas também educar as pessoas.
Veja como evitar a armadilha do cheque especial
Como não entrar
Não considere o limite parte da sua renda
Muitas pessoas consideram o limite do cheque especial como parte da sua renda, como um outro dinheiro disponível. E assim, estão sempre negativados. Esse é o primeiro erro, porque uma hora pode não ser possível pagar. O crédito só deve ser usado em emergências de curto prazo.
Acompanhe sempre sua conta e saldo
É muito importante ter um controle dos seus gastos. Muitos bancos dão crédito pré aprovado no cheque especial, sendo possível entrar no negativo sem saber. E às vezes, não sendo nem avisado. O jeito é acompanhar sempre o saldo e não gastar acima disso.
Crie uma reserva de emergência
Imprevistos podem acontecer e ser necessário gastar mais do que previsto. O cheque especial é para esses momentos, mas para quem tem uma reserva, não será necessário. É preciso ter disciplina e poupar. Planejar seus gastos com planilhas ou aplicativos podem ajudar a ver onde é possível economizar.
Como sair do crédito
Troque de dívida
Os juros do cheque especial são os mais caros do mercado, já que é para se ficar pouco tempo no crédito. Mas se isso não for possível, é preciso trocar essa dívida por uma mais barata. Existem diversas opções, como o crédito pessoal comum, que tem juros 2,5 vezes menor, até o crédito com garantia, que tem os menores juros do mercado. É preciso ver qual se adequá melhor ao seu perfil de dívida.
Pesquise melhores opções de crédito
Não é porque a sua dívida é com o seu banco que você achará a melhor opção para trocá-la lá. Geralmente os grandes bancos possuem as maiores taxas de juros. Hoje a oferta de crédito é muito maior no mercado. É importante pesquisar em bancos menores e fintechs de crédito, que podem oferecer condições muito mais vantajosas.
Não entrar novamente
Ficar inadimplente novamente torna as condições para contrair novos empréstimos mais difíceis. Depois de renegociar a dívida nunca ultrapasse 30% da sua renda com empréstimos para não ser pego de surpresa com imprevitos.
Alternativas de crédito no mercado
O crédito está disponível no mercado para ser usado. Mas é preciso escolher o que faz mais sentido para o perfil da dívida. Hoje é possível conseguir várias alternativas aos juros dos grandes bancos, que em geral, não possuem taxas competitivas.
— O cliente escolhe o cheque especial pela comodidade e depois renegocia essa dívida no próprio banco pela comodidade. Mas é preciso olhar outras opções, principalmente em fintechs — afirma Julio Duram, diretor de tecnologia e produto do Guiabolso.
Segundo o aplicativo de controle de finanças, que também tem parcerias com outras fintechs, 82% dos usuários obtiveram um crédito mais vantajoso fora dos bancos. E nunca foi tão fácil de achar opções. Há buscadores de crédito como o Bom pra Crédito e o Melhortaxa, que analisam o perfil da dívida e qual é a melhor opção.
Um crédito pessoal não consignado tem taxa de juros média anual de 127% ao ano, já o consignado para trabalhadores do setor privado é de 37% ao ano.
Há uma outra modalidade de crédito ganhando espaço que é o com garantia real, em que é possível conseguir taxas cerca de 15 vezes mais baratas do que no cheque especial e prazos bem longos de financiamento, dando em contrapartida um bem real em garantia. As duas modalidades mais comuns são com garantia de imóvel e de veículo, sendo possível conseguir taxas médias de 19% ao ano e 30% ao ano respectivamente.
— É preciso ter autoconsciência de que o cheque especial não é para ficar mais de um mês. Depois disso, procurar a melhor opção de crédito para a sua necessidade e fazer um planejamento desse crédito, com uma parcela possível de pagar. Existem muitas opções no mercado— diz Samir Reis, gerente de crédito da Bcredi.
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Redação iBahia
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