O lançamento do iPhone X na semana passada levantou o debate sobre uma promissora, mas controversa, tecnologia: o reconhecimento facial. Quem tiver US$ 999 disponíveis para investir num celular poderá, em breve, usar o apenas rosto para desbloquear o aparelho de forma simples e rápida, sem a necessidade de apertar um botão.
Mas ao ser colocado num produto de consumo, tal sistema tende a ser cada vez mais aceito pela população — como aconteceu com o reconhecimento por impressão digital —, mesmo que alguns sejam imprecisos, invadam a privacidade das pessoas ou sejam usados para a vigilância do Estado.
Em artigo publicado ano passado, Kate Kochetkova, da Kaspersky Lab, destacou ameaças que podem ser desencadeadas pela disseminação dessa tecnologia. A primeira e mais óbvia é o fim definitivo da privacidade. Empresas e governos não precisarão de documentos ou o fornecimento consensual de informações, basta caminhar pelas ruas e ser flagrado por uma das milhões de câmeras instaladas.
Forças policiais em várias partes do mundo já estão fazendo uso da tecnologia. O FBI, por exemplo, mantém legalmente um sistema de identificação com imagens de pessoas suspeitas ou condenadas. Mas uma auditoria realizada pelo governo descobriu que a base de dados com 412 milhões de imagens também mantém fotos de milhões de pessoas que nunca se envolveram com crimes, com fotografias obtidas de carteiras de motoristas, passaportes e até mesmo pedidos de vistos realizados por estrangeiros.
“Você pode alterar seu nome e sobrenome. Pode editar ou deletar suas contas em redes sociais. Mas não pode alterar o seu rosto com essa facilidade”, escreveu Kochetkova.
De acordo com o último relatório elaborado pela Comissão sobre Retenção e Uso de Material Biométrico do Reino Unido, divulgado no último dia 13, o banco de dados da Polícia Nacional possuía 19 milhões de fotografias em julho de 2016, sendo que 16.644.143 estavam disponíveis numa galeria que poderia ser usada por softwares de reconhecimento. E essas imagens estão sendo usadas pela polícia para identificar pessoas em espaços públicos, numa séria ameaça à privacidade.
ERROS NA IDENTIFICAÇÃO EM NOTTING HILL
Durante a festa de carnaval de Notting Hill, realizada no mês passado, evento que atrai cerca de um milhão de pessoas, a polícia utilizou o reconhecimento facial para identificar possíveis arruaceiros, buscando pessoas que já tiveram passagem pela polícia ou estão sob condicional. Os resultados foram pífios e mostram como a tecnologia é suscetível a falhas. Foram 36 identificações, sendo 35 falsos positivos. A única identificação correta foi de um indivíduo que já havia cumprido sua pena, mas que tinha informações desatualizadas no banco de dados.
Para Clare Garvie, especialista em privacidade da faculdade de Direito da Universidade Georgetown, a proposta apresentada pela Apple em seu último smartphone não apresenta problemas de segurança ou privacidade, mas a normalização do uso dessa tecnologia é preocupante.
— A minha preocupação é que o reconhecimento facial se torne normal, a partir do momento em que seja algo que usamos de hora em hora para enviar um emoji animado, checar as condições clima ou enviar uma mensagem de texto. O que vai acontecer é que ficaremos bastante confortáveis com ela — comentou a especialista, à NPR. — O que nós esquecemos é que ela pode ser usada por um número de atores em formas que talvez nem saibamos.
Na China, a polícia está usando a tecnologia para identificar pedestres que atravessam as ruas no sinal verde para os veículos e ativistas russos afirmam que o reconhecimento facial está sendo usado para identificar indivíduos que participam de protestos contra o governo.
— Está acontecendo neste momento na Rússia, com o reconhecimento facial sendo usado para escanear protestos contra o governo, identificar e tornar público o nome daqueles que participaram — disse Garvie. — Isso significa que essas pessoas estarão sujeitas à intimidação, senão à prisão, por suas crenças políticas.
OFERTA DE SERVIÇOS AOS CONSUMIDORES
Mas existem outros usos que podem facilitar a vida das pessoas. Além de desbloquear o smartphone — o que deve ser aplicado em breve em aparelhos de outras marcas —, o reconhecimento facial pode reforçar a segurança em aplicativos bancários, por exemplo, ou ajudar restaurantes a identificar clientes para a oferta de produtos direcionados. No Brasil, a start-up FullFace oferece a tecnologia para empresas que queiram desenvolver aplicações. Uma de suas clientes é uma empresa aérea, que simplificou o check-in dos passageiros.
— Alguns preveem um futuro tenebroso, realmente existe um risco, mas eu não acredito que seja a biometria facial que será o gatilho de uma coisa que já está acontecendo no mercado — defendeu Danny Kabiljo, diretor executivo da FullFace. — Hoje, apenas caminhando com o celular no bolso, as empresas sabem exatamente onde uma pessoa está. Toda a navegação na internet deixa rastros. Eu vejo o reconhecimento facial mais pelo lado positivo, de relacionamento com o cliente, do que pelo lado da invasão de privacidade.
No mundo, a start-up chinesa Megvii levantou US$ 100 milhões em sua última rodada de investimentos, sendo avaliada em quase US$ 2 bilhões, um marco para o setor. Entre os clientes está a prefeitura de Pequim, que usa o sistema para em várias aplicações, desde serviços simples, como a limitação do uso de papel higiênico em banheiros públicos, para evitar roubos e gerar economia para os cofres públicos.
A tecnologia pode ser o fim das senhas e cartões nos caixas automáticos. Basta olhar para a máquina e o cliente é identificado. Tudo de forma segura, graças ao avanço dos algoritmos. Kabiljo explica que a tecnologia desenvolvida pela sua empresa é capaz de analisar 1024 pontos na face em menos de um segundo, sendo que as chances de alguém ser confundido ou um acesso ser liberado indevidamente são praticamente zero.
— Os falsos negativos, quando uma pessoa não é identificada, acontecem pouquíssimas vezes, normalmente por causa de problemas da iluminação ou angulação — disse Kabiljo. — Hoje, ela é uma tecnologia segura.
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Redação iBahia
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