Precisamos falar sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), muito além do Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo - que é celebrado nesta terça (2). As redes sociais têm repercutido o tema com mais frequência, mas até que ponto se pode confiar nos grandes 'estudiosos' da Internet?
Ao passo que a web torna o acesso à informação mais democrático, não é novidade para ninguém que as fake news também são uma realidade. Tópicos como TEA e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) dominaram o TikTok e o Instagram, só que nem sempre disseminados por médicos, psicólogos ou especialistas no assunto.
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A reverberação das características de pessoas que estão no espectro autista vem à tona. Muitos começam a se 'autodiagnosticar', banalizar a condição, sem entender de fato como é feito o diagnóstico e quem pode dar esse laudo - e por consequência, como funciona o tratamento.
Com o intuito de desmistificar todo o processo de descoberta do Transtorno do Espectro Autista e a condição em si, o iBahia entrevistou dois profissionais da área: a psicóloga Samanta Cavalcanti e o neuropediatra Dr. Ronaldo Pecora.
Mas o que é Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Transtorno do Espectro Autista se trata de uma série de condições caracterizadas por alguma dificuldade no comportamento social, na comunicação e na linguagem. Também é marcado por interesses e atividades específicas, que são únicas para cada pessoa e costumam ser realizadas de forma repetitiva.
Ainda segundo a OMS, o transtorno começa na infância e tende a persistir na adolescência e fase adulta.
O TEA possui três níveis, que são estabelecidos pelo grau de necessidade de apoio da pessoa com autismo:
- Nível 1 de suporte: é considerado o mais "leve", que precisa de pouco suporte.
- Nível 2 de suporte: já precisa de mais apoio, é um nível intermediário entre o 1 e 3.
- Nível 3 de suporte: demanda mais atenção e suporte do que os demais níveis.
Quais são as características mais comuns apresentadas por pessoas no espectro autista?
- Não faz contato visual;
- Não responde ao ser chamada pelo nome;
- No caso de crianças, birras recorrentes e longas;
- Falta de interessa pelos pares;
- Seletividade alimentar;
- Desorganização sensorial.
*Vale lembrar que não há características específicas que se enquadrem em determinados níveis. Cada caso é um caso!
Como pessoas no espectro autista são diagnosticadas?
Os responsáveis por diagnosticar e identificar pessoas com TEA são médicos das especialidades neurologia e psiquiatria. A base para a conclusão da condição é a análise dos comportamentos.
Para Samanta, fundadora do Instituto Viver, quanto antes for feito o diagnóstico, melhor, mas ela não deixa de salientar como pode ser difícil a ida até um especialista.
"O diagnóstico ainda é uma questão no tratamento do autismo, por diversos fatores. Primeiro porque como o autismo está em um espectro, então, muitas vezes, as famílias demoram a perceber os primeiros sinais e a levar, a recorrer a um neuropediatra ou um psiquiatra infantil", começou.
"Em contrapartida, tem sido feito muitas campanhas para o diagnóstico precoce, apesar do médico não poder fechar o diagnóstico antes dos dois anos, ele já pode observar alguns sinais e encaminhar para a intervenção, porque a intervenção o quanto antes ela é feita, mais eficaz ela é, porque os padrões comportamentais ainda estão mais flexíveis", afirmou Samanta.
O Dr. Ronaldo, que trabalha na APAE, concorda com o ponto de vista da psicóloga. "Para os pequenos, a gente prefere não fechar o diagnóstico, principalmente aquelas crianças que nunca foram para a creche. Se nunca foram para uma escola, então vivem naquele mundo dentro de casa", disse o neuropediatra.
Tem tratamento? Como funciona e quais profissionais acompanham as pessoas no espectro?
Sim, existe tratamento e envolve uma série de cuidados multidisciplinares. Em conversa com os profissionais de saúde, o iBahia entendeu como funcionam as instituições onde ambos trabalham em Salvador.
Samanta Cavalcanti é a fundadora e responsável pelo Instituto Viver. Pautado nas habilidades a serem desenvolvidas para a vida, por meio da intervenção baseada em evidências científicas da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) - que é muito mais do que um método -, o foco da clínica é conduzir as pessoas com autismo ao autoconhecimento e prepará-los para o mundo fora da 'bolha'.
Ao invés de reportar um diagnóstico para a família, o Instituto faz uma avalição de repertório, onde é identificado quais habilidades estão no repertório da criança e quais ainda precisam ser desenvolvidas. A partir disso, os profissionais definem uma hierarquia das habilidades e vão desenvolvendo cada uma delas em ordem, até que a pessoa crie autonomia mediante o novo conhecimento.
De forma abrangente e individualizada, o Instituto se faz presente na vida da pessoa no espectro na escola, na casa e em outros ambientes frequentados por ela. A equipe é composta por mais de 70 profissionais, especializados nos segmentos da psicologia, pedagogia, nutrição, neuropediatria e outros.
Já o Dr. Ronaldo Pecora trabalha na APAE e atende crianças no espectro autista por meio do Centro Especializado em Reabilitação (CER).
"A APAE tem o CER, que fica em Coutos, que faz um atendimento multiprofissional que trabalha com as crianças com terapeuta ocupacional, psicóloga, psicopedagoga, fisioterapeuta, fonoaudióloga... Tem também os médicos aqui, que são os neuropediatras e uma psiquiatra infantil", explicou o médico.
"Sempre é feito uma avaliação, geralmente por neuropediatra ou psiquiatra infantil. Com o diagnóstico, depois [o paciente] passa pelo GO* que é uma porta de entrada para fazer avaliações, ver a necessidades que essa criança tem. Isso é posto numa fila de espera, que vai depois direcionar essa criança nos vários locais que fazem atendimento", contou o neuro, que salientou que o município é o responsável por essa intermediação graças ao SUS.
Um ponto em comum entre o Viver e a APAE, que deve ser uma preocupação de todas as instituições que lidam com pessoas no espectro autista, é a inclusão dos pais ou responsáveis. O cuidado com os familiares da pessoa faz parte do tratamento, inclusive, para Samanta o acolhimento deles representaria como 50% da eficácia do atendimento.
*Procedimentos GO/NO-GO com estímulos compostos para estabelecer relações condicionais emergentes em crianças diagnosticadas com autismo.
Victoria Dowling
Victoria Dowling
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