“Eu sei o quanto a pólio marca a vida de uma pessoa”, diz a psicóloga carioca Lília Martins, de 78 anos. Por ter contraído a doença aos 2, ela perdeu o movimento das pernas. Durante a infância, passou por sete cirurgias e só ganhou uma cadeira de rodas aos 10 anos, quando pôde ir à escola pela primeira vez.
— Quando peguei pólio, nem se sonhava ainda com a vacina. Meus pais estavam de mãos atadas — lembra Lília. — A imunização foi um ganho enorme, que tem que ser valorizado todo dia
No último ano, a cobertura vacinal para a pólio, que deveria ser de 95%, ficou em apenas 77%. Assim como as taxas de outras oito vacinas para crianças menores de 1 ano no Brasil, todas abaixo da meta. Segundo profissionais de saúde, abre-se assim um caminho para que doenças já erradicadas ou com poucos registros retornem ou tenham aumento em suas taxas de incidência. Os casos de coqueluche, por exemplo, tiveram um leve crescimento de 2016 para 2017, sendo que o registro era de queda desde 2010. Outra doença que preocupa é a difteria. Não há casos confirmados no país, mas já existem relatos da enfermidade em Roraima.
— Não estamos com a pólio, por exemplo, batendo à porta, assim como não estávamos com o sarampo. Mas, se deixamos de nos proteger porque achamos que a pólio não existe mais, ela vai encontrar a porta aberta para retornar — afirma a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Balalai.
O sarampo, citado pela médica e erradicado no Brasil desde 2016, quando o país recebeu o certificado da Organização Mundial da Saúde (OMS), agora é considerado epidemia: já são 465 casos confirmados na Região Norte, sete no Rio Grande do Sul, quatro sob suspeita no Rio (sendo um com diagnóstico preliminar confirmado) e um em investigação em São Paulo. Três crianças morreram, em Roraima e no Amazonas. A prevenção para esta, que é uma das doenças mais contagiosas do mundo, está na vacinação: uma dose da tríplice viral seguida de uma da tetra viral, com intervalo mínimo de um mês. Não só crianças, mas adultos também devem se vacinar, caso não tenham recebido as duas doses necessárias na infância. A meta anual de imunização é 95%, mas, pela primeira vez em 16 anos, esse patamar não foi alcançado em 2017: a tríplice só chegou a 83,9% de cobertura, e a tetra, a apenas 71,5%. Em 312 municípios do país, a taxa de vacinação ficou abaixo dos 50%.
Membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Infectologia e gerente médico do Lâmina, Alberto Chebabo acredita que não foi só a população que “esqueceu” a gravidade de doenças como o sarampo. Muitos médicos, especialmente os jovens, sequer viram um caso dessa doença na vida. Logo, não costumam ressaltar a importância da vacinação para os pacientes, nem levar a doença em conta na hora de dar um diagnóstico.
— Temos que assumir a nossa parcela de culpa — diz o infectologista. — Um médico que hoje tem 30 anos não vivenciou a época em que o sarampo matava. Eu mesmo, que tenho 55 e já tive sarampo, não pensaria logo de cara nessa doença se um paciente chegasse com febre e manchas na pele. Mas, a partir do primeiro caso, a possibilidade de sarampo não poderá mais ser excluída.
Isabella faz coro:
— Agora, não temos mais a permissão de ver um caso suspeito de zika, chicungunha ou dengue sem antes pensar na hipótese de sarampo.
De todas as dez imunizações recomendadas a crianças de até 1 ano, só atingiu a meta de cobertura a BCG, que protege contra tuberculose e é aplicada logo ao nascer. O problema, no entanto, não se restringe às crianças. Muitos adultos sequer sabem onde está seu cartão de vacinação para verificar as doses que tomaram nos primeiros anos de vida — o que é natural. O conselho de Isabella é que, em relação ao sarampo, à caxumba, à rubéola e às hepatites, nem é preciso se preocupar com o histórico de vacinação: na dúvida, é melhor vacinar.
— Mesmo se a pessoa já estiver imunizada, vacinar de novo não vai fazer mal. É melhor pecar pelo excesso — afirma a médica.
E, mesmo quem acha que tem as vacinas em dia pode ter que rever isso. É que, até 1992, por exemplo, a tríplice viral, que previne contra o sarampo, a rubéola e a caxumba, era dada em dose única. Portanto, quem se vacinou antes dessa data provavelmente não está completamente imunizado. Em 2003, o esquema vacinal mudou novamente: a primeira dose passou dos 9 para os 12 meses de vida. Essa alteração, de acordo com especialistas, foi fundamental para a eficácia.
— Estudos comprovaram que boa parte dos bebês não se beneficia tanto se tomar a dose inicial aos 9 meses. Por isso, mesmo quem tomou duas doses, se foi antes de 2003, pode precisar tomar novamente — diz Chebabo.
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Redação iBahia
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