O paciente que contraiu dengue pode ter menos chance de ser infectado pela febre amarela. A informação é do consultor científico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Reinaldo Menezes. O professor disse que há muitas evidências laboratoriais, epidemiológicas e históricas de que a dengue protege contra a febre amarela. Um estudo feito pela equipe de Menezes mostrou que a viremia (presença de vírus no sangue) é mais baixa nas pessoas que já tiveram dengue.
“Embora não esteja provado nem eu tenha a certeza, acho que a gente pode falar que é muito provável que a dengue tenha protegido o Rio de Janeiro até agora contra a febre amarela e também dos eventos adversos”, disse o professor.
Entre as evidências e fatores históricos, Menezes lembrou a observação feita, após uma epidemia de febre amarela, de um grupo de soldados do interior do Equador que não tiveram dengue e outros da região costeira que tinham contraído a doença. A avaliação indicou maior incidência de febre amarela nos militares da região sem dengue.
“Estudei bastante isso. Acho que o número de evidências é muito forte mostrando que dengue não evita a febre amarela, mas evita as formas mais graves da doença, pelo menos, diminui muito a incidência dessas formas mais graves. Isso deverá proteger contra febre amarela e também deve proteger contra os eventos adversos da vacina”, acrescentou.
Reações adversas
De acordo com o professor, ainda não há uma confirmação de casos de morte em decorrência de reações adversas nos estados onde estão ocorrendo campanhas de vacinação contra a febre amarela. Os exames ainda estão sendo feitos e um deles se refere à morte de um homem, no dia 30 de março, em Silva Jardim, na Baixada Litorânea do Rio de Janeiro, para verificar se ele morreu por evento adverso da vacina ou se já tinha a doença antes da imunização. Ainda assim, para o pesquisador, há uma ocorrência menor de casos graves em comparação ao total de imunizações realizadas. “Eu diria que parece que está havendo um número de eventos adversos aquém do esperado.”
O aparecimento da doença viscerotrópica, o mais grave efeito adverso à vacina, geralmente ocorre após quatro dias da imunização, mas há situações em que o prazo é menor. “Na maioria dos casos, a pessoa começa a ter sintomas de que alguma coisa anormal está acontecendo além dos sintomas comuns da vacina lá pelo quarto dia. A pessoa estava com um pouco de febre, de mal-estar, em vez de melhorar piora e depois continua piorando. Se isso acontecer, tem que tomar cuidado e tem que ficar atento”, alertou Menezes. De acordo com o pesquisador, embora, o paciente possa receber atendimento médico, a confirmação de que contraiu a doença viscerotrópica só pode ser realizada após a morte. “Só se consegue provar quando a pessoa morre, porque tem que encontrar lesão e o vírus nas vísceras. Se não morre, sempre ficará em dúvida.”
Projetos
O professor informou que está em análise também a influência de fatores genéticos no surgimento de eventos adversos como a doença viscerotrópica. Por isso, Bio-Manguinhos iniciou um projeto para a criação de um kit de diagnóstico capaz de identificar pessoas que tenham resistência à vacina da febre amarela. “A ideia é ter um kit diagnóstico que permita fazer um teste, no sangue, talvez em uma gota e verificar se aquela pessoa tem o marcador biológico que o identifica como tendo um risco maior de evento adverso à vacina.”
Menezes acrescentou que o projeto de elaboração do protocolo para criar o kit está em fase inicial e conta com parceria da Universidade Rockefeller, dos Estados Unidos. Ainda não é possível estimar o tempo de conclusão da pesquisa. “É um estudo em que a gente deposita muita esperança de ter uma maneira de fazer um diagnóstico, como se fosse o teste do pezinho. A ideia é: a pessoa vai ao posto de saúde pela primeira vez para fazer a primeira a vacina e faz o teste. Se der positivo para fator de risco, já fica registrado como contraindicação à vacina.”
Em outra frente, Bio-Manguinhos está ampliando a pesquisa realizada em 2009 com cerca de 900 militares voluntários que receberam doses reduzidas da vacina. A intenção é verificar a situação atual deles. Cerca de mil pesquisadores estão em campo para essa observação. “Esse estudo foi há oito anos. Estamos chamando outra vez esses voluntários para ver se continuam imunes. Essa é a informação que está faltando. Depois temos que fazer em crianças. ”O estudo está sendo financiado por intermédio da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Outra pesquisa é um estudo genético em pessoas que tiveram eventos adversos para verificar se elas têm algo diferente. “Inicialmente, a ideia é procurar as pessoas que já tiveram para a gente poder fazer a investigação com mais tranquilidade.”
Quanto à possibilidade de fracionamento da vacina da febre amarela, que chegou a ser analisada pelo Ministério da Saúde, o professor disse que seria uma medida para atender à demanda maior que a oferta. Segundo Menezes, no primeiro trimestre do ano, a Bio-Manguinhos entregou cerca de 20 milhões de doses da vacina, mas chega uma hora em que há descompasso entre produção e demanda. Por isso, se pensa em fazer a dose única ou o fracionamento da vacina. “Com a dose fracionada, a gente pode multiplicar por cinco o número de doses. Se a gente tem 5 milhões de doses, pode transformar em 25 milhões”, disse, lembrando que os estudos do fracionamento na África foram realizados no Bio-Manguinhos, segundo ele, o maior produtor mundial de vacinas contra a febre amarela.
Como exemplo da necessidade do fracionamento ou da dose única, o pesquisador citou o surto que começou em Angola em 2015 e depois alcançou a República Democrática do Congo no ano seguinte. Nestes casos, o Bio-Manguinhos sugeriu a dose única e o resultado foi positivo.“Tinha que vacinar rapidamente a população porque a febre amarela urbana avança de pessoa a pessoa”, destacou, ao acrescentar que a situação da África deve ter contribuído para a OMS também recomendar a dose única da vacina.
Segundo Menezes, no caso de fracionamento, há estudos que mostram imunidade até um ano depois da aplicação da vacina. Mas é preciso avançar nas pesquisas para verificar se continua 20 anos depois. “Só o tempo vai nos permitir dar resposta a isso. Acompanhando as pessoas, coletando o sangue e vendo o nível de anticorpos. É o que estamos fazendo neste momento. O nosso estudo foi em 2009. Para 2017 são oito anos. Estamos chamando os voluntários e coletando o sangue."
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Redação iBahia
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