O capitão Mauro Grunfeld, suspeito de participar de um esquema de compra e venda de armas que alimentava facções criminosas na Bahia, foi solto na noite de quarta-feira (17). A decisão foi tomada pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro, sob a presidência do juiz Eduardo Ferreira Padilha.
O suspeito havia solicitado a revogação de sua primeira prisão preventiva, argumentando que possui bons antecedentes e endereço fixo, além da ausência dos requisitos para a manutenção da medida cautelar.
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O Ministério Público chegou a se manifestar diante da solicitação, pontuando que as circunstâncias que justificam a prisão preventiva permaneciam inalteradas. Entretanto, o juiz considerou que Grunfeld não era um líder na suposta organização criminosa investigada, sendo passível de responder ao processo em liberdade devido à falta de antecedentes criminais.
Ainda em sua decisão, o juiz Padilha ressaltou que a prisão preventiva deve ser uma medida excepcional, que deve ser aplicada apenas quando houver evidências concretas de perigo à ordem pública ou à instrução processual. Além disso, o juiz citou como precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que já permitiu a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas para réus sem papel de destaque em organizações criminosas.
Diante disso, o capitão foi liberado sob as seguintes condições:
- Não alterar seu endereço sem comunicação prévia ao juízo
- comparecer a todos os atos processuais
- não se ausentar da comarca de sua residência sem autorização e
- evitar contato com pessoas relacionadas aos fatos investigados.
Caso o investigado não cumpra essas medidas, uma nova prisão preventiva será decretada. Conforme informações da Corregedoria da Polícia Militar, o capitão Mauro Grunfeld responde a processo administrativo disciplinar (PAD), independente da apuração de responsabilidade na esfera criminal.
Entenda o que aconteceu com o capitão Mauro Grunfeld
Condecorado pela corporação como "policial militar padrão do ano de 2023" pelo "fiel desempenho nos serviços prestados", Mauro Grunfeld, que é ex-subcomandante da 41ª Companhia Independente (CIPM/Federação-Garcia), foi preso preventivamente em maio. Ele e outros 19 pessoas foram alvos mandados de prisão da Operação Fogo Amigo, que revelou um esquema criminoso da organização batizada como 'Honda'.
A suposta participação do capitão Mauro Grunfeld no esquema de compra e vendas de armas para abastecer facções criminosas na Bahia foi revelada por meio de conversas em aplicativos de mensagens. As informações foram interceptadas pela Polícia Federal, em uma investigação conjunta com o Ministério Público do Estado (MP-BA).
O capitão negou as acusações. A defesa dele afirma que as armas eram compradas para uso pessoal. Conforme a apuração conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco), de Investigações Criminais Norte e das Promotorias Criminais da Comarca de Juazeiro, o investigado era um "contumaz negociador de armas e munições".
Ele foi descrito como o principal remetente de dinheiro para Gleybson Calado do Nascimento, também policial militar da Bahia e apontado como um dos maiores operadores do esquema que movimentou quase R$ 10 milhões entre 2021 e 2023.
De acordo com um documento sigiloso, obtido pela TV Bahia, entre 18 de fevereiro de 2021 e 13 de fevereiro de 2022, o capitão transferiu R$ 87.330,00 para Nascimento, "Os diálogos entre os dois indivíduos não deixam nenhuma dúvida de que os altos valores transacionados, demonstrados abaixo, referem-se à comercialização de armas de fogo e munições. Denota-se, da conversa, que a negociação entre eles é algo permanente, habitual, comum, sem nenhuma formalidade", indica um trecho do material.
Confira algumas transações feitas entre o capitão e Nascimento:
- No dia 26 de setembro de 2023, por exemplo, Grunfeld teria negociado com Gleybson.
- No dia 29 de setembro do ano passado, em outra conversa Grunfeld também era vendedor. "Apareceu pedido de 5 cartelas de 7.65", enviou o policial. Ele se referia a um tipo de cartucho para uma pistola.
- Em 1º de outubro de 2023, uma nova conversa mostra Gleybson oferecendo um revólver a Grunfeld no valor de R$ 4,5 mil.
Além dessas conversas, a investigação aponta que essas armas e munições tinham um destino específico: "criminosos faccionados que atuam no Bairro do Calabar, em Salvador". Essas negociações seriam intermediadas por traficantes de drogas.
A partir desses indícios, Grunfeld foi alvo de mandados de prisão preventiva e busca e apreensão na Academia da Polícia Militar, na Boa Viagem, e na residência dele, localizada no bairro da Graça. Os dois endereços ficam em Salvador. Na ocasião, os agentes encontraram uma pistola sem o devido registro na casa dele e realizaram a prisão em flagrante.
O capitão investigado alegou que a arma foi adquirida de um policial civil e que a propriedade seria de outra agente, mas afirmou que não sabia informar nome ou lotação da servidora. Ele argumentou ainda que fez a compra porque precisava de defesa pessoal e policiais militares estão com "dificuldades burocráticas" para obter o artefato.
Ostentação nas redes sociais
Segundo o g1, o capitão é oficial da PM há 17 anos e informou que recebe um salário fixo de R$ 8 mil. O investigado declarou-se como proprietário de um apartamento, estimado em R$ 700 mil e afirmou que possui R$ 20 mil no banco, em uma conta poupança.
Apesar disso, o estilo de vida que Grunfeld ostentava nas redes sociais era luxuoso. O capitão da PM exibia fotos em iates, passeios em restaurantes caros, além de viagens a destinos turísticos badalados como a Ilha de San Andrés, na Colômbia.
Capitão da PM também é investigado por homicídio doloso
O oficial da PM Mauro Grunfeld também é alvo de um inquérito por homicídio doloso durante o exercício da função. O caso é de 10 de abril de 2023, quando ele ainda era tenente e comandante de uma guarnição da Companhia de Emprego Tático Operacional (Ceto), que atuava no município de Santa Cruz Cabrália.
A ocorrência do caso diz que Grunfeld e outros quatro soldados realizavam uma ronda noturna na rua A, no bairro 5º Centenário, descrito como ponto de "intenso tráfico de drogas. Ao se aproximar da área, a guarnição teria sido "recebida a tiros por cerca de quatro a cinco indivíduos, sendo forçada a usar da força necessária, revidando os tiros".
Um dos suspeitos seria um jovem de 18 anos, atingido com pelo menos quatro tiros. A corporação encaminhou o rapaz para uma unidade de saúde, mas o rapaz já chegou ao local sem vida.
Em depoimentos, familiares do jovem negam que o rapaz tivesse algum envolvimento com o crime. O irmão mais novo da vítima, que viu o jovem ser baleado, defendeu que ele teria corrido apenas porque ficou com medo do tiroteio.
O inquérito da Polícia Civil foi concluído sem pedir o indiciamento dos militares. A instituição remeteu o processo ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), tratando o caso como "homicídio privilegiado", termo utilizado para situações em que o autor age sob forte emoção ou provocado pela vítima. Esses casos não preveem uma tipificação diferente do crime, mas implicam a redução de pena.
Na Justiça, o processo não avançou muito. Ainda em 2013, o MP-BA apontou "a precariedade e a pobreza dos (pouquíssimos) elementos de convicção colhidos e acostados aos autos do inquérito policial". Os promotores pediram uma série de providências, como um novo exame no local do fato, juntada de fotografias do cadáver e esclarecimentos sobre os disparos contra a vítima.
Dez anos depois, o MP-BA reforçou a cobrança, mas não há nenhum registro de que a Delegacia de Santa Cruz Cabrália tenha retomado a investigação até o momento.
O que diz a defesa dos envolvidos
A defesa de Mauro Grunfeld negou que o capitão comprava armas e que tenha qualquer vínculo com facções criminosas. Além disso, exaltou o cliente como profissional exemplar e até apresentou um certificado de policial militar padrão emitido em 2023.
O advogado de Grunfeld afirmou que ele apenas adquiria munições para uso próprio, com o objetivo de aprimorar o treinamento. "Armamento não, mas munições para uso próprio da atividade policial cotidiana e diária dele, sim. Ele reconhece isso", disse à TV Bahia.
A defesa do investigado também foi questionada sobre o conhecimento do cliente a respeito da procedência dessas munições, mas o advogado Domingo Arjones afirmou que o capitão tinha conhecimento de que "estava adquirindo uma munição própria para treinamento". Sobre o inquérito de homicídio doloso, o advogado informou que não vai se posicionar, pois não obteve acesso ao processo.
A defesa de Gleybson Calado do Nascimento, PM suspeito de ser um dos principais operadores do esquema, também foi procurada e afirmou que impetrou um pedido de habeas corpus e aguarda o posicionamento do Ministério Público Estadual (MP-BA) antes de se posicionar.
Iamany Santos
Iamany Santos
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