Quem é capaz de parar duas pessoas com mentes criativas e vontade de mudanças reais? As histórias de Beatriz Almeida e Joyce Melo, fundadoras do Pagode Por Elas (PPE), se cruzam a partir deste questionamento. O que era para ser um trabalho da faculdade se tornou negócio e o que era para ser mais um empreendimento atualmente é uma verdadeira revolução.
Oriundas de bairros periféricos de Salvador, as jovens de 24 e 25 anos estão mudando a cena do pagode feminino na Bahia e já são notadas, inclusive, no país.
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Com uma forte atuação entrelaçada com a imprensa baiana e nacional, a dupla já conseguiu alterar o algoritmo da busca do Google. Atualmente, quando o termo “mulher no pagode” é procurado no site aparecem páginas inteiras de representantes femininas do ritmo como A Dama, Aila Menezes e outras. Até 2019, a procura levava os internautas para páginas sexistas.
"Todas as pesquisas que a gente encontrava só trazia a mulher para esse espaço de objetificação, corpos, um lugar de coadjuvante, nunca com voz ativa, ocupando espaços [...] quando a gente vai lendo monografias, artigos, a gente nota que não tinha absolutamente nada escrito falando sobre mulheres como protagonistas. E esse foi o nosso recorte [para o TCC] e foi super difícil, a gente precisou buscar as mulheres [cantoras], entrevistar muita gente, fazer pesquisas de campos", contou Joyce ao iBahia.
A gente conseguiu mudar os resultados do Google. A gente buscava 'mulher no pagode' e só aparecia coisas sexistas e atualmente, de fato, passou a aparecer as vocalistas Beatriz Almeida
Criado na década de 90, o pagode baiano foi impulsionado para todo o Brasil com o grupo É O Tchan. Outras bandas como Harmonia do Samba, Gera Samba, Terra Samba, Patrulha do Samba e Companhia do Pagode também foram precursores do ritmo genuinamente da terra do axé. Nenhum dos grupos destacava a presença feminina para além da dança. De lá para cá, o panorama tem mudado aos poucos e ao menos 25 mulheres vocalistas de pagode baiano já podem se encontradas nas plataformas digitais.
O trabalho do Pagode Por Elas envolve quesitos importantes como produção de conteúdo digital, pesquisas qualitativas e quantitativas, assessoria de imprensa, projetos comunicacionais, eventos educacionais e musicais. Atitudes por transformações significativas que tem dado certo há quase cinco anos.
A empresa realizou duas pesquisas de campo que comprovam toda essa mudança. Em 2019, mais de 50% das pessoas entrevistadas não conheciam mulher vocalista no pagode. Apenas 27% consumia cantoras ou bandas com mulheres de pagode como vocalistas e 49,3% gostaria de consumir cantoras, mas nunca tinham escutado. O levantamento contou com 627 respostas.
Já em 2021, o cenário já é diferente. 79% dos entrevistados afirmaram conhecer mulher vocalista de pagode. 58% consumiam cantoras ou bandas com mulheres de pagode como vocalistas e apenas 9,2% tinham interesse, mas nunca haviam ouvido. no segundo momento 918 respostas foram registradas.
"No sentido das artistas houve esse lugar desse crescimento. Em um primeiro momento mapeamos 9 artistas, em outro momento já trazemos 30 e sempre com esse feedback delas de 'existe uma cena musical antes da Pagode por elas e depois'. as marcas começaram a olhar para elas, a imprensa", disse Beatriz.
Nova década do "pagodão"
Música é arte. Pagode é arte. Uma arte que proporciona mudanças de vida, reconfigura moradores das favelas no país e que pode ser feita com qualidade e altivez por uma mulher. Por que não termos a presença feminina como protagonista a partir de agora? A fim de remar contra um processo de apagamento, a dupla está disposta a fazer "a nova década do pagodão" acontecer.
"Imagine duas mulheres pretas, tão jovens, construindo algo tão importante. São tantas camadas, temos a sociedade nos colocando no lugar de que não somos capazes, de que não será possível [..] indo contrário a todo um sistema a gente tem que acreditar. É muito difícil as pessoas nos colocarem no lugar de que a gente precisa ser creditada. A gente traz muitos dados e eles nos ajudam a chegar em um lugar", destacou Joyce.
De boca, os homens brancos conseguem construir impérios, mas nós não, precisamos de dados, levantamentos, pesquisas para que as pessoas nos validem. A espera que mais pessoas acreditem em nós, é dessa forma que construiremos a nova década do 'pagodão' Joyce Mello
As meninas, inclusive, vão lançar em janeiro de 2024 o Festival Pagode Por Elas, que contará apenas com cantoras mulheres. A primeira ação do evento é um concurso que vai revelar para o grande público três artistas com composições autorais. As inscrições para a competição se encerraram na sexta (30).
Com patrocínio da Natura Musical, a competição vai selecionar cantoras e compositoras baianas da cena do pagode que querem entrar de vez na cena do gênero.
As artistas inscritas serão avaliadas pelo júri técnico formado pela cantora Aila Menezes, pelo produtor musical Rodrigo Hit e pela equipe Pagode Por Elas, considerando critérios como aplicação do tema na letra, performance e qualidade técnica da música.
Cinco cantoras serão selecionadas para votação do público que vai acontecer no perfil do Pagode Por Elas no Tik Tok. As três artistas mais votadas (com mais likes e não visualizações) participarão de uma série de ações formativas, da produção de um single e uma campanha de lançamento do novo trabalho que irá integrar o EP “Nova Década do Pagodão”. Além disso, a primeira mais votada também terá a oportunidade de fazer uma apresentação na primeira edição do Festival.
"É difícil duas meninas pretas, de Salvador, gerindo uma revolução, dialogando com gente que está no mercado há 15 ou 20 anos, a gente está nesse lugar de educar o mercado da música sobre o pagode baiano. A gente acredita no potencial dele de ser o novo funk nacional em alguns anos", destacou Beatriz.
Sempre que a gente quer desistir vem uma mensagem do tipo 'eu boto muita fé em vocês' e é muito louco visualizar que a gente construiu muitas coisas em tão pouco tempo. É um super desafio. Mas esse pagode é tão nosso, próspero, que gera renda nas periferias, mas que ainda não conseguiu esse espaço comercial Beatriz Almeida
Lucas Sales
Lucas Sales
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