Tiago Azeviche é um homem com muitas metas traçadas. Todas elas se baseiam em vontades e sonhos que dialogam com os caminhos que considera serem os que pessoas negras merecem seguir.
O seu segundo nome, inclusive, é adotado e carrega bastante representatividade importante: o azeviche é um mineral preto, comumente citado nas músicas e ensinamentos do bloco afro Ilê Aiyê, grande fonte de inspirações para Tiago.
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Produtor cultural e empreendedor, criou em 2013 a marca de roupas masculinas Realeza, focada em confecção de peças para homens negros. Em entrevista ao iBahia, ele falou sobre esse e outros projetos que desenvolve, sempre com a busca por reafirmar a identidade.
Origens
Natural de Cachoeira (BA), Tiago mora atualmente no Cabula, em Salvador, mas faz questão de lembrar que cresceu ao lado da mãe e das tias, frequentando um terreiro na cidade natal. E foi justamente esse ambiente que fez ele ter os primeiros contatos com a produção vestuária.
“[No terreiro] as pessoas sempre fazem as roupas do santos, e quem é mais velho tem várias tarefas. Uma delas é comprar os tecidos no centro, ou ir quantas vezes fosse necessário comprar coisas como botão, linha ou agulha de máquina”, relembra. Nesse período, Tiago sentiu os primeiros sinais de que queria expandir as próprias vivências. “Achava que só o terreiro era pouco, queria conhecer mais lugares”, diz.
Ainda nessa época, no início da juventude, quis ser jogador do basquete, inclusive atuou por alguns anos na equipe do Bahia, clube do coração. Porém, teve várias experiências que o fizeram se conectar mais com atividades relacionadas à área de produção cultural ao organizar eventos. Hoje, considera que o terreiro foi o primeiro espaço em que empreendeu.
Agora, ao perceber onde chegou, destaca quais fatores os fizeram manter-se motivado a continuar. “Sou um cara que sobreviveu ao racismo, à violência policial. Sempre fui militante da causa racial e achei importante me posicionar e me inspirar nas mulheres e homens da minha família, além de outras pessoas, como Vilma Reis, Vovô do Ilê, Martin Luther King, Mandela, Tia Conça e Mãe Stella de Oxóssi".
Projetos
Tiago criou, em 2013, ao lado de alguns amigos, a grife masculina Realeza. A inspiração veio dos elementos do movimento hip hop e por considerar que deveria ser mais popular o uso de estampas com representações afro-brasileiras em ambientes formais de trabalho.
“Naquele momento, apesar do boom do discurso racial, não era como hoje, em que poderia vestir uma camisa com alguma pessoa negra, uma frase ou um orixá. Não era tão fácil. Como era um lugar corporativo, percebi que minhas roupas, por um detalhe rosa, por exemplo, chamavam atenção”, explica.
De volta para o presente, a Realeza hoje em dia tem mais força. “A marca tem crescido, tem sido maior que eu. É muito importante traduzir os homens negros e suas demandas a partir dessas camisetas. Porque não é só com batas e tecidos africanos, mas com um ‘drible’ para estar nesses lugares por meio das roupas. Usar os meios sem deixar os meios usarem a gente”, conta.
Outro projeto desenvolvido por Tiago é o Diga AÍ! Masculinidades, lançado em 2019. Essa iniciativa busca fomentar reflexões sobre estilo, violência, relacionamento e sexualidade, sempre sob a perspectiva de homens negros.
“É a necessidade de refletir sobre quem somos nós. Só vai dar pra gente sobreviver e ser vitorioso em comunidade se a gente souber quais são nossas dores”, afirma.
Para reunir e divulgar ainda mais as experiências de pessoas negras, Tiago criou, junto a um parceiro, o PretoPodeCast, um podcast focado em entrevistas com personalidades que conheceu ao longo da trajetória profissional.
“Percebi em 2020 que essas pessoas não faziam lives ou não estavam sendo convidadas [para entrevistas], então, no início de 2021, a gente decidiu criar o PretoPodeCast porque existiam muitos podcasts, mas não via pessoas negras neles”, explica.
Próximos passos
Questionado sobre os planos para o futuro, Tiago brinca: “ser presidente do Brasil". Logo depois, explica o que realmente pensa para os próximos anos e reforça os ideais.
“Brincadeiras à parte, tudo que fazemos é no auxílio de ajudar a comunidade negra a ocupar um espaço de mais conforto, dignidade e visibilidade, e a ter mais retorno financeiro e poder. Sobre a Realeza, buscamos estar em mais ações. Participamos por dois anos do Afro Fashion Day. Queremos estar no São Paulo Fashion Week”, diz.
Tiago reforça que essas movimentações e desejos demandam muitos esforços e que devem ser feitas baseando-se no sentido da coletividade e união entre pessoas negras.
“Tem uma frase do Steve Biko que diz: ‘nós estamos por nossa própria conta’. Quando ele fala isso, refere-se à comunidade negra no âmbito político, e falamos disso no empreendedorismo. Sempre faço ações para nos posicionar, provocar, para que outras frentes, particulares e governamentais, olhem para a comunidade negra e veja o quão potente ela é”, conclui.
Ícaro Lima
Ícaro Lima
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