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‘Figurar a lista mostra o quão racista é nosso sistema’, diz Vera Lúcia Santana, advogada e 1ª mulher negra indicada para o TSE

Natural de Livramento de Nossa Senhora, sudoeste da Bahia, jurista espera que histórias como a dela se tornem recorrentes no Brasil

Ícaro Lima • 14/05/2022 às 8:00 • Atualizada em 26/08/2022 às 19:30 - há XX semanas

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“Uma sobe e puxa a outra”. Essa é a filosofia que rege a trajetória de Vera Lúcia Santana Araújo. Aos 61 anos, a advogada baiana é a primeira mulher negra a integrar uma lista tríplice de indicação para uma vaga de ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O marco, na visão de Vera, revela muito sobre a sociedade brasileira.

Natural de Livramento de Nossa Senhora, município que fica a 605 km de Salvador, no sudoeste da Bahia, Vera mora em Brasília atualmente, mas ainda nutre um grande sentimento pela terra natal, que considera ser um lugar de grande influência na formação como pessoa. “É a cidade mais bonita do interior da Bahia”, diz, aos risos.

Na juventude, teve a leitura como uma das primeiras paixões. Enquanto criança, frequentava regularmente a biblioteca infantil da cidade, que hoje já não existe mais, o que a faz lamentar.

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Vera perdeu o pai, que atuava como garimpeiro, aos 13 anos. Logo depois, a mãe, professora, decidiu que era preciso mudar de cidade para oferecer melhores condições aos filhos - 6, no total. Por isso, mudaram-se para Vitória da Conquista, que também fica no sudoeste da Bahia, e depois para Salvador.

Essa atitude se deu pela valorização que a família tem pelos estudos, encarando como uma ponte para a formação de caráter e geração de possibilidades de emprego. “O famoso ‘crescer na vida pela educação’”, diz Vera.


				
					‘Figurar a lista mostra o quão racista é nosso sistema’, diz Vera Lúcia Santana, advogada e 1ª mulher negra indicada para o TSE
Foto: Arquivo Pessoal

Além disso, essa caminhada foi (e ainda é) invariavelmente feita de união e apoio entre todos. "Nós, mulheres negras, dizemos: ‘uma sobe e puxa a outra’. E na minha família isso é um exemplo muito forte”, afirma.

Vera subiu. Quando chegou em Salvador, em 1976, viu que o mundo ia além dos livros. Também nessa época, descobriu mais sobre o universo ao redor e qual o papel nele.

“Comecei a conhecer a realidade do país, que na época vivia sob uma ditadura militar, que inclusive fazia com que não tivesse acesso a determinados saberes. Isso me levou a lutar pela anistia política, pelo fim da ditadura e as coisas daquele tempo”, conta.

Depois de morar dois anos em Salvador, Vera se mudou para Brasília (DF) a convite da irmã. Ao ver a opção do curso de direito em um processo seletivo de vestibular, decidiu seguir esse caminho. “Não foi verdadeiramente uma percepção de criança. Foi uma coisa de momento, mas que agarrei com muita determinação”, explica Vera.

Essa determinação se manteve. Vera construiu uma carreira profissional com passagens por diversos tipos de atividades jurídicas, atuando em vários setores, do público ao privado.

Seu primeiro contato com as eleições brasileiras aconteceu em 1986, quando tinha 26 anos, ao votar nas primeiras eleições gerais ocorridas no Distrito Federal, período marcado pela transição da ditadura para o período democrático [a redemocratização iniciou em 1985].

Foi nesse momento que Vera se sentiu "provocada” a trabalhar como advogada naquele processo eleitoral. Desde então, sempre acompanhou profissionalmente os ciclos completos de várias eleições.

Indicação ao TSE


				
					‘Figurar a lista mostra o quão racista é nosso sistema’, diz Vera Lúcia Santana, advogada e 1ª mulher negra indicada para o TSE
Foto: Arquivo Pessoal

Entre tantos efeitos positivos que essa trajetória ocasionou na vida de Vera, o mais recente ganhou destaque nacional. No último dia 4 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) indicou a lista tríplice que será enviada ao presidente Jair Bolsonaro (PL) para a ocupação da vaga de ministro substituto do TSE - não há prazo para essa decisão. Entre os nomes, está o de Vera.

“Tenho muito tranquilidade para, sem falsa modéstia, dizer que tenho uma vida profissional que me qualifico para o exercício da função de ministra do Tribunal Superior Eleitoral. E digo isso tanto pelo acúmulo que tenho com a matéria eleitoral em si, quanto pelo destacado acúmulo no exercício de distintas funções públicas por diferentes governos, além do exercício da própria advocacia privada", afirma.

Essa tranquilidade está ao lado da confiança que ela carrega ao encarar esse cargo e perceber o tamanho da responsabilidade. “É uma provocação grande à minha trajetória, mas que venho respondendo com muita segurança quanto às minhas capacidades e responsabilidade sobre os desafios do momento em que a gente vive”.

Um marco e seus significados


				
					‘Figurar a lista mostra o quão racista é nosso sistema’, diz Vera Lúcia Santana, advogada e 1ª mulher negra indicada para o TSE
Foto: Arquivo Pessoal

Um aspecto que chamou atenção é que Vera representa a primeira mulher negra a compor uma lista de indicação para esse cargo. Esse marco, para ela, expõe traços negativos em relação à ocupação dos espaços de poder no Brasil.

“O poder judiciário, como os demais poderes da República, funciona como um espaço cativo e privativo das elites brancas, marcadamente masculinas, com a ausência radical de pessoas negras. Figurar hoje uma lista mostra o quão racista é o nosso sistema. A visibilidade que ganhou esse processo é apenas uma prova a mais de como o Brasil professa e executa políticas racistas”, afirma.

Vera explica que essa situação causa uma mistura de sentimentos: “Me orgulha muito, mas não gostaria de estar vivendo isso. Queria que essa fronteira já tivesse sido atravessada muito antes. Com a mesma naturalidade que as pessoas brancas fluem nesses espaços, a gente também deveria transitar. A visibilidade da minha presença nessa lista honra, mas também causa tristeza por ser a reiteração do diagnóstico de nossas exclusões”.

Relembrando a importância que as ações em conjunto têm na história dela, Vera mostra que independentemente das possíveis direções que a carreira possa tomar, algo sempre será mantido: a luta para que histórias como a dela virem rotina.

“Ser ativista, militante das lutas antirracistas é, acima de tudo, um exercício quase obrigatório. É a defesa da nossa sobrevivência coletiva. Junto com meu trabalho profissional, sempre tive um ativismo em defesa dos direitos humanos, da democracia. Continuo fazendo disso uma profissão de vida porque a minha ascensão individual é resultado de muitos fazerem coletivos”, defende.

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