Mar, areia, água de coco e... sombra? É que, pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da Copa, o sol em algumas praias pode não durar muitas horas. O plano autoriza o aumento de até 50% na altura de hotéis situados em oito pontos da orla (veja quadro na página ao lado). Com isso, o sol poderá se esconder atrás dos prédios mais altos, gerando sombra em determinados momentos do dia. O PDDU da Copa estabelece um período em que não pode haver sombreamento. Entre a Pituba e a Praia do Flamengo, por exemplo, o projeto prevê que, no Inverno, só precisa haver sol na praia das 11h às 13h. Isso mesmo - duas horinha de sol! Para se ter uma ideia de como essas praias podem ficar em parte do dia basta olhar para a foto ao lado da Praia do Buracão, no Rio Vermelho. Lá, a sombra na areia causada pelos edifícios começa por volta das 17h do horário de Verão. E é bom lembrar que, no Inverno, o dia fica mais curto porque o sol atinge sua maior angulação em relação à linha do Equador. No Hemisfério Sul, ele acontece em 21 de junho. “Por ser o dia que tem mais sombra no ano, é o dia que a gente usa como base. A fórmula é estabelecida por lei”, explica o secretário municipal de Habitação e Meio Ambiente, Paulo Damasceno. Pelo projeto, as praias entre a Barra e Amaralina merecerão um pouquinho mais de sol no Inverno: das 10h às 14h. Já no Verão, quando se tem os dias mais longos do ano, os banhistas poderão aproveitar o sol na praia das 9h às 15h. Depois disso, sombra! Quem não gostou da novidade foi o banhista. “Aqui é muito quente, mas o vento circula. Se os hotéis crescerem isso vai ficar um abafamento só”, diz o ambulante que trabalha no Porto do Barra Josemar Silva, 31. O cantor Magary Lord frequenta semanalmente o Porto e repudia a ideia do município permitir a elevação de alguns edifícios. “Aqui é o lugar que o sol se põe mais tarde. Não se pode descaracterizar a praia. Acho equivocado limitar esse prazer dos soteropolitanos”. Mas há também quem veja vantagens na mudança. “A temperatura fica mais amena. Sempre que vamos à praia temos que levar sombreiro ou pagar por um”, afirma a dona de casa Isis Souza, que prefere que a sombra chegue mais cedo para aproveitar a praia com os filhos.
Consequências“Se a construção aumenta 50%, a sombra aumenta na mesma proporção”, lembra a coordenadora de Urbanismo da Ufba, Márcia Freire. Na faculdade, funciona um laboratório onde é possível simular a sombra feita por qualquer construção. “Mas não é algo simples. Precisamos de informações como a angulação do prédio, sua altura e largura, além do horário que se quer pesquisar, a altura do sol e a direção de seus raios naquele momento”. É um estudo como esse que os responsáveis por empreendimentos hoteleiros que se interessarem em fazer a ampliação precisarão apresentar à prefeitura para ter seus projetos aprovados. Também urbanista, o professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Ney Castro acrescenta que, como a angulação do sol não é igual em toda a costa soteropolitana, os momentos de sombra não serão os mesmos em todas as praias. “Na costa leste, que vai do Farol da Barra a Itapuã, vai fazer sombra à tarde. Já na oeste, que é do Porto da Barra à Península de Itapagipe, a sombra será pela manhã”. Setor turístico é contra a ampliaçãoA ampliação de gabarito dos hotéis desagradou ao próprio trade turístico. “As praias são o ponto forte do turismo de Salvador. Permitir o sombreamento delas é ir de encontro aos interesses até do próprio banhista soteropolitano”, avalia o presidente do Sindicato das Empresas de Turismo (Sindetur), Luiz Augusto Leão Costa. A ampliação do número de leitos hoteleiros também é uma preocupação do setor. O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (SHRBS), Sílvio Pessoa, diz que o setor não foi consultado e não acredita na necessidade de ampliar o número de leitos. “Salvador tem 400 hotéis. São 35 mil leitos. No Litoral Norte há mais 15 mil leitos. Com os 14 novos hotéis aprovados para serem construídos até o Mundial, a cidade contará com 60 mil leitos no total. Isso é o suficiente. Atendemos bem a demanda do Carnaval quando chegam 800 mil turistas”, defende. Para ele, será cometido o mesmo erro que na África do Sul durante o último Mundial. “Construíram vários hotéis e hoje todos estão vazios. Os investidores estrangeiros não vão permanecer aqui se não lucrarem. Por isso somos contra. Precisamos de investidores interessados no progresso da cidade”, critica. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), José Manoel Garrido Filho, prevê uma guerra tarifária. “Os grandes e médios hotéis têm ocupação média de 62%. Com os 10 mil leitos dos 14 novos hotéis e mais os empreendimentos que virão a partir do PDDU, a ocupação pode cair para 50% por causa do excesso de demanda. As tarifas vão diminuir por causa da concorrência e muitos podem falir”, teme. Para ele não basta construir novos leitos, é preciso criar mais equipamentos turísticos em Salvador. “Deveriam recuperar o Aeroclube, que tem um forte potencial atrativo. Poderiam construir um oceanógrafo, por exemplo. Dar mais segurança às praias da cidade. É disso que realmente precisamos”, defende.
Votação não tem dataPara entrar em vigor, o PDDU da Copa precisa da aprovação dos vereadores de Salvador. E, apesar do pedido de urgência do governador Jaques Wagner, os parlamentares não parecem ter pressa. O projeto chegou à Câmara na sexta passada, mas ainda não tem data para ser votado. Hoje,às 11h, o secretário de Habitação e Meio Ambiente, Paulo Damasceno, terá uma reunião com os vereadores, para explicar os detalhes do projeto. Já no dia 2 de dezembro, acontecerá a primeira das, segundo o presidente da Câmara Pedro Godinho (PMDB), “três ou quatro” audiências públicas previstas antes da votação. “Essas audiências estão previstas na Lei Orgânica do Município”, justifica Godinho. Apesar de tudo, ele promete tentar agilizar os trâmites para que a Câmara vote o projeto ainda em dezembro. “Nem que a gente precise virar noite, os vereadores vão votar esse projeto em dezembro”, acrescentou Dr. Pitangueira (PRB). Além do PDDU, a Câmara ainda precisa votar a atualização da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo (Louos), que traça as diretrizes para empreendimentos e construções previstas nos PDDUs de 2008 e da Copa. A Louos existe desde a década de 80, mas ficou desatualizada depois de aprovado o PDDU. Ela deve ser enviada à Câmara ainda esta semana. Península ItapagipanaLimite variava entre 6 e 12 metros, com o aumento pode chegar a 18 metros BarraÁreas de 6, 18 e 36 metros. Pode chegar a 54 metros. OndinaA maior parte é 24 metros, pode ir para 36. Rio VermelhoTem gabaritos de 6, 9 e 18 metros. Aumentará para até 27 metros. Corsário, Pituaçu e PatamaresAtualmente 6 metros, podem ir para 9 metros. Stella MarisEra 9 metros, agora pode chegar a 13,5 metros.
Na Praia do Buracão, no Rio Vermelho, a sombra na areia pelos prédios começa às 17h |
Frequentador do Porto, o cantor Magary repudia aumento dos prédios na orla |
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