O maior sonho do deficiente físico Waldir Santos era ter uma cadeira de rodas motorizada. Há dois meses, quando completou 48 anos, enfim, ele conseguiu comprar – com a ajuda de amigos – seu novo meio de locomoção. No final da tarde do domingo passado, o comerciante, conhecido co mo Gordo, esteve em um aniversário infantil perto de casa, na rua Teodoro Sampaio, em Fazenda Coutos III, Subúrbio Ferroviário.
Após entregar o presente do aniversariante, Gordo voltava para casa com um pedaço de bolo no colo, quando se viu no meio de um tiroteio entre gangues rivais do Conjunto Habitacional Morada da Lagoa. E, no meio do fogo cruzado, a cadeira de rodas do comerciante descarregou. De acordo com testemunhas, Gordo foi atingido com nove tiros em diversas partes do corpo e não resistiu. O bolo e o chapéu usado por ele ficaram no chão. Amigo da vítima e presidente da Associação Municipal e Metropolitana das Pessoas com Deficiência (Ampdef), Cledson Cruz, conta que moradores ainda tentaram socorrer o comerciante. “Ele ainda respirava quando o colocaram em um carro de mão e correram para a pista (Estrada do Derba – BA 528) para conter o trânsito e pedir socorro, mas não adiantou". A violência da morte seria fruto do acaso? “Meu amigo não era envolvido com nada ilícito”, diz Cruz. Revoltados, moradores do conjunto habitacional atearam fogo em pneus para bloquear a pista. “O clima era tenso. Eles queriam ajudar. Mesmo com o ocorrido, a polícia demorou de aparecer e quando o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegou, meu amigo já estava morto”, queixa-se. Ontem pela manhã, no Instituto Médico- Legal (IML), uma das filhas do comerciante, a babá Janine Souza Santos, 20 anos, desabafou: “A guerra do tráfico pegou ele. Meu pai não tinha nada a ver com a situação. Estou impressionada. Ai, ai, meu pai”, disse. SAÚDE Waldir morava sozinho em uma casa adaptada doada pelo governo estadual, na rua Teodoro Sampaio. Na área externa do imóvel, o comerciante mantinha um bar. “Ele era trabalhador e fazia de tudo para se manter, mesmo com os problemas de saúde”, lembra Janine. Além da deficiência física, segundo familiares, Waldir era obeso. “Ele pesava 140 quilos. Na sexta-feira, uma assistente social ainda foi na casa dele para passar uma dieta por causa da pressão alta”, emenda Vanusa Souza, 23, outra filha da vítima. A irmã de Gordo, de prenome Fátima, passou o final de semana na casa dele. “Minha mãe fez fígado e macarrão e ele nem comeu. Disse que ia ao aniversário e voltava pra jantar”, relembra Joilson Santos, sobrinho da vítima. “De repente, ela só ouviu os tiros e alguém gritar: mataram Gordo, mataram Gordo! Minha mãe está em estado de choque”, completa o parente. O caso será investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Segundo a delegada Francineide Moura, as investigações serão coordenadas pela delegada Cely Carlos. Na 31ª CIPM, um policial militar afirmou que a unidade desconhecia a ocorrência. LutaWaldir era engajado na luta pelos direitos das pessoas com deficiência. “Gordo sempre foi correria. Nunca ficava parado e lutava pelos seus direitos e dos outros”, reforça Janine. A cadeira de rodas motorizada, afirmam parentes, foi resultado desse esforço. “Ele juntava dinheiro para comprar. Um equipamento desse custa R$ 6 mil e ele conseguiu comprar por R$ 3 mil, graças ao apoio da associação (Ampdef)”, expõe a filha. O apoio, ressalta o sobrinho, veio em forma de campanhas. “A associação fazia eventos e meu tio guardava o dinheiro que era arrecadado para comprar a cadeira. Era aposentado e não tinha condições de comprar. Ainda assim, sempre ajudou os filhos”.
O presidente da Ampdef recorda a alegria de Waldir. “Ele estava morrendo de felicidade por causa da cadeira de rodas motorizada. Fizemos uma comemoração só quando o equipamento chegou”, diz Cruz. “Infelizmente, a cadeira parou e ele não pôde se locomover. O equipamento tem que ser carregado por oito horas, mas o consumo (da carga) varia de acordo com os ambientes por onde o cadeirante passa. Sem carga, a cadeira trava e não há como acionar mecanicamente”, diz o presidente da associação. Apesar de integrar Fazenda Coutos III, quinto bairro a receber uma Base Comunitária de Segurança, a área onde ocorreu o crime é coberta pela 31ª Companhia Independente da Polícia Militar (Valéria), segundo a assessoria da PM. Colaborou Luana Ribeiro
Dupla exibe armas para reportagemA qualquer hora do dia, os bandidos andam armados no Conjunto Habitacional Morada da Lagoa, em Fazenda Coutos III. Após encontrar parentes do comerciante Waldir Santos no Instituto Médico-Legal, o CORREIO acompanhou os familiares à casa da vítima, onde eles buscariam roupas. Eram 11h30 quando a reportagem e o grupo passava pela rua Teodoro Sampaio. O local estava movimentado. A 100 metros da casa, dois jovens aproximam-se colocando as mãos por dentro da camisa. Mais perto, a dupla ainda exibiu as armas na cintura. Era uma intimidação. Quando os caminhos se cruzaram, eles se entreolharam, mas ouviram uma saudação: “Bom dia!”, disse uma amiga da vítima, que estava com a reportagem. Os dois retribuíram ao cumprimento. Eles seguiram o caminho. Entramos na casa preocupados e lá ficamos por cerca de 15 minutos. Decidimos deixar o imóvel sem interferência ou apoio da polícia para evitar um possível confronto. Quando saímos da casa, a rua estava deserta.
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