“Não sei se você é do jornal mesmo. Aqui não é um lugar seguro. Só posso falar pelo interfone. Tenho medo”. Foi dessa forma que a recepcionista Jane Oliveira, moradora do Conjunto Baía de Todos os Santos, em Plataforma, no Subúrbio Ferroviário, atendeu o CORREIO ontem. Sua casa, de dois pavimentos, é protegida por cercas elétricas, grades em portas e janelas e ainda conta com dois cachorros da raça rottweiler. Jane mora a três quilômetros da 9ª Base Comunitária de Segurança (BCS) do estado, inaugurada segunda-feira no bairro vizinho, Rio Sena, e está preocupada com uma possível migração dos criminosos, o que aconteceu em outros bairros que receberam as unidades policiais. “A segurança preocupa muito a gente. Por isso minha casa é protegida. Agora já estamos pensando em colocar câmeras na entrada”, conta a recepcionista que, há dois anos, teve a casa invadida. TemorJane não está sozinha na preocupação. Em Plataforma, é comum encontrar quem já não vivia em pleno sossego e agora está ainda mais alerta. “A situação já não é boa e os bandidos de lá virão para cá”, aposta a costureira Roseli Santana, moradora do Conjunto Senhor do Bonfim, que diz sofrer com as ações de bandidos do Rio Sena e de outro bairro próximo, Ilha Amarela. “Semana passada, invadiram a casa de minha irmã, bateram nela e nos filhos e levaram alguns móveis. Isso era certamente para comprar drogas”, conta. Segundo ela, os criminosos não levam nem em conta que muitos moradores da região são policiais. “Eles estão nem aí. Agem durante o dia, de noite, sempre usando motos”, completa. Moradora há 20 anos do outro conjunto de casas da área, o Senhor do Bonfim, uma aposentada disse que recentemente a filha de uma amiga foi lhe visitar e acabou sendo roubada por dois homens que estavam numa moto. “Além de tomarem a bolsa dela, bateram no rosto da moça, que caiu, batendo a cabeça no meio-feio. Ela foi para o hospital. Disse que nunca mais vem aqui”, contou a mulher, pedindo sigilo de identidade.
PrecauçãoPor prevenção, moradores investem na segurança privada. O industriário Adailton Nogueira instalou câmera e cerca elétrica na sua casa. “Essa história da base preocupa. Mas há cinco anos resolvi investir na segurança, ainda mais porque passo muito tempo fora”, revelou ele, que mora em Senhor do Bonfim desde 1975. Nogueira diz ainda que esses bandidos que passam em motos já têm até rota de fuga definida. “Eles roubam aqui e descem pela área da localidade Iraque ou descem para a Avenida Suburbana”, conta. No outro conjunto, o Baía de Todos os Santos, o receio dos moradores não muda. “Não há dúvida que a situação aqui vai piorar. É necessário que o policiamento seja reforçado ou então ficaremos reféns dentro das nossas próprias casas”, diz um comerciante e morador do bairro, que se identificou apenas como João Carlos. Sem nem saber do que se tratava a reportagem, uma mulher que levava a filha para a escola abordou a equipe do CORREIO para protestar: “A marginalidade aqui está terrível. Os motoqueiros ficam de tocaia, aguardando a gente sair. Muitos deles ficam na porta das escolas passando drogas para os alunos”, diz a senhora, que se identificou como Marise. Na segunda-feira, durante a cerimônia de inauguração da Base Comunitária de Rio Sena, a segunda do Subúrbio Ferroviário, o governador Jaques Wagner reconheceu a migração dos bandidos. “Eles migram de um lado para o outro, isso é uma tendência, mas vamos abrir bases em outros bairros”, declarou. Sem definir uma data, Wagner afirmou que será implantada uma nova delegacia no Subúrbio, em Plataforma. Atualmente, toda a região é atendida pela 5ª Delegacia, em Periperi. Por sua vez, o chefe do Departamento de Comunicação da PM, capitão Marcelo Pitta, avalia que ainda é prematuro dizer para onde os bandidos do Rio Sena estão migrando. “Ainda é incipiente, muito cedo para fazer essas análises”. Pita ressaltou que, com a base no Rio Sena, bairros do entorno também poderão ser beneficiados com a diminuição da criminalidade. “Em Plataforma, a cobertura é da 18ª CIPM, que terá reforço no policiamento, além do que já houve no Rio Sena”, destaca. Na tarde de ontem, a equipe do CORREIO avistou um carro da base do Rio Sena em Plataforma, apesar de o bairro não estar na área de cobertura da unidade. O capitão Marcelo Pita confirmou que a viatura não é responsável direta pelo policiamento da área e devia estar lá de passagem ou com policiais em horário de almoço. ConjuntoO conjunto Baía de Todos os Santos e o conjunto Senhor do Bonfim, em Plataforma, possuem cerca de 400 casas distribuídas em 12 ruas. Ocupado inicialmente por policiais, os conjuntos ganharam fama de área protegida contra a criminalidade. O local sempre foi um território sossegado, segundo relato de moradores. Mas, nos últimos dois anos, de acordo com quem conhece bem a área, houve um aumento no número de assaltos a residências e pedestres. O aposentado José Ramos mora no Conjunto Baía de Todos os Santos há 26 anos e orgulha-se da tranquilidade em que vivia. “Aqui era muito tranquilo. De uns tempos pra cá, que tem aparecido ladrão e pivetes roubando o pessoal no ponto de ônibus e no comércio”, afirma. A comerciante Alesiane Barbosa Nascimento, que trabalha na JL Panificadora e Mercadinho, já foi assaltada duas vezes este ano. “As duas vezes foram bandidos a pé. Entraram e roubaram as coisas e fugiram em direção ao Iraque (localidade próxima dos conjuntos). A gente fica com medo sempre”, diz. Pugilista torce por paz no bairro de infânciaA saudade maior é da brincadeira de chutar latas nas noites de Natal na rua Cardeal Jean, no Rio Sena, que recebeu na segunda-feira uma Base Comunitária de Segurança. Por conta do boxe, Marcelo Ferreira deixou o bairro onde nasceu e foi criado com mais 11 irmãos. Em função da insegurança, quando conseguiu melhorar de vida, tirou a mãe de Rio Sena. “Quando eu morava lá, era pequeno, as crianças tinham mais liberdade de correr na rua. Depois que a droga entrou no bairro, a situação é outra”, lembra. Sua mãe se mudou em 1994. “Ela hoje mora no Bairro Guarani (Liberdade). Quando eu morava no Rio Sena, fazia show de capoeira e chegava 4h manhã sem medo. Hoje não dá pra fazer isso”, lamenta. Com 38 anos, Marcelo mora atualmente na Espanha, pra onde se mudou há dez anos. No fundo, deseja um dia voltar a morar no bairro da infância. “Mas só posso fazer isso se tiver a segurança que tinha antes. Precisava ter a estabilidade e a tranquilidade de antes. O Subúrbio é uma verdadeira cidade linda”, resume o pugilista, que foi duas vezes campeão baiano, duas vezes campeão brasileiro e campeão mundial na categoria cruzador (até 91 quilos). “As pessoas que moram no Subúrbio merecem segurança. É preciso investir para isso acontecer”, conclui o lutador. Matéria original Correio 24h Moradores temem migração do crime para Plataforma após policiamento no Rio Sena
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