Um matagal de cerca de 300 metros de extensão e uma cerca de 2 metros de altura. É isso que separa a Avenida Gal Costa da Cadeia Pública de Salvador, no Complexo Penitenciário da Mata Escura, onde estão custodiados cerca de 4 mil presos. Percorrer o matagal e chegar ao fundo da unidade não requer, portanto, muito esforço para os comparsas dos presos. Com isso, introduzir celulares, drogas, dinheiro e até armas no complexo deixou de ser um grande desafio. Bastou apenas os bandidos criarem a modalidade de arremesso de pacotes. As trouxinhas passam quase diariamente por cima da cerca para cair dentro do terreno da cadeia. Algumas caem entre a cerca e um pequeno muro que delimita a área das celas. Essas são recolhidas pelos carcereiros. As que superam o muro, no entanto, estão dentro e são pescadas pelos presos pela janela das celas. Procurado pelo CORREIO, o coordenador-geral do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (Sinspeb), Nelson Santos, explicou que 50% do que entra na cadeira chega através do arremesso de pacotes. O restante, segundo Santos, entra através de visitantes, funcionários de empresas que prestam serviço ao sistema prisional, policiais e por meio dos próprios agentes penitenciários. A Cadeia Pública foi inaugurada em março de 2010, projetada para abrigar 752 detentos provisórios, a um custo de R$ 34 milhões - sendo 90% desse valor do governo federal e o restante de contrapartida do Estado.
A Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) reconheceu o problema da entrada de drogas com os arremessos e informou, através de sua assessoria, que já há projetos para cercar todo o complexo com muros. O órgão, porém, não detalhou o plano. Operação A ausência de uma muralha em torno de todo o complexo e de uma tela de proteção no teto das unidades prisionais, o pouco efetivo policial, além da iluminação deficitária, são apontados pelo Sinspeb como os maiores problemas na administração da população carcerária. O que é problema para os agentes penitenciários, no entanto, é solução para as facções. As trilhas abertas no meio do mato levam a bandidagem ao complexo. À noite, em dupla ou trio, comparsas dos presos observam através do matagal a presença de policiais nas guaritas. “Durante a noite, a segurança é deficitária. Quase não se têm policiais quando eles chegam”, diz Nelson Santos. Drogas, cigarros e dinheiro são enrolados em vários sacos plásticos, até formar uma bola de aproximadamente 25 centímetros de diâmetro. Uma vez lançada, a bola viaja sobre a cerca eletrificada e os muros e chega próximo às celas. Apesar de acontecerem com maior frequência na Cadeia Pública, o presidente do sindicato de agentes penitenciários garante que os arremessos também ocorrem na Unidade Especial Disciplinar (UED), considerada de segurança máxima. “Os prédios são alvos fáceis dos bandidos por causa de suas proximidades com a mata e as guaritas desativadas, que chamamos de pontos cegos”, afirma Nelson Santos. Quando o objetivo é enviar facas, celulares e até armas de fogo - como revólveres de menor calibre - a artimanha é reforçada para evitar que o conteúdo do pacote quebre ou faça barulho quando tocado no chão. Para isso, as encomendas são colocadas entre placas de isopor para depois serem revestidas por plásticos e arremessadas. Pescaria O arremesso é conhecido no meio prisional como “pescaria”. Isso porque os detentos improvisam uma vara de pescar, com madeira, cordão e arame em formato de anzol, para içar através das grades de ventilação o que chega à área externa das unidades. “Quando os pacotes caem dentro das unidades prisionais, mas fora do alcance dos presos, são recolhidos pelos agentes penitenciários. Mas esta situação acontece com pouca frequência. Os funcionários encontram dois, três, até quatro pacotes por dia, mas é um universo ínfimo se comparado com o que chega às mãos dos detentos”, explica Nelson. O CORREIO teve acesso a imagens de um dia de revista na unidade. Segundo funcionários, durante o baculejo, os agentes penitenciários perceberam que as caixas de esgoto da unidade estavam entupidas, o que causou estranheza. Uma equipe do complexo foi acionada para desentupimento e a surpresa: dentro das cai xas, foram encontrados celulares e drogas dentro de garrafas pet, anteriormente escondidas sob um mar de fezes em uma peça de louça, embutida no chão, cuja função é a de um sanitário. “Eles revestem o celular com uma camisinha, para reforçar a proteção, colocam dentro da pet e depois mergulham a peça. Eles usam essa tática para que, numa revista, o agente não tenha coragem de pôr a mão”, conta um funcionário do complexo. Ainda nas imagens, os agentes recolheram mais drogas e celulares. Em um das celas, várias trouxas de maconha estavam amarradas a um lençol. Também foram recolhidos chuços (armas improvisadas com cabos de vassouras, tampas de panelas, barras das celas) e rádio comunicadores. Apesar de ter sido procurada desde quarta-feira, a Seap informou que só segunda-feira alguém poderia falar sobre o assunto. Problemas estruturais prejudicam a segurançaO CORREIO teve acesso ao Complexo Penitenciário da Mata Escura e testemunhou diversos problemas estruturais. Vários veículos para locomoção de funcionários estão sucateados nos pátios, e um carro que faz locomoção de presos estava em condições precárias.
O lixo se acumula em alguns contêineres e vira almoço de ratos, cães, gatos e urubus. Matagal cresce no entorno dos prédios, o que complica ainda mais a segurança. Dentro dos edifícios, paredes com infiltrações, armários quebrados. Em um dos alojamentos, quatro aparelhos de ar-condicionados estão amontoados no chão de uma sala. “O governo afirmou que a partir de julho deste ano, R$ 3,5 milhões estariam disponíveis para a reforma prisional, mas até agora não vimos nada”, declara Nelson Santos, coordenador-geral do Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (Sinspeb). Procurada pelo CORREIO desde quarta-feira, a Seap informou que só falaria sobre os problemas apontados a partir de amanhã. Bandidos comandavam crimes de dentro do complexo penitenciárioUma operação da Polícia Federal (PF) interceptou ligações entre presos no Complexo Penitenciário da Mata Escura e criminosos comandados por eles fora do presídio. No mês passado, a Operação Guaricema cumpriu 27 mandados de prisão e cinco de busca e apreensão contra o grupo, expedidos pela 2ª Vara Privativa de Tóxicos de Salvador. De dentro do presídio, os detentos comandavam crimes, como assaltos e homicídios. A organização era comandada por quatro pessoas, três delas custodiadas no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Durante as ações das polícias Federal, Civil e Militar foram presos 34 integrantes da organização e apreendidos 80 kg de cocaína, 32 armas e 13 veículos. Dias depois, uma mensagem deixou PMs e agentes da Polícia Civil em alerta. O código Alfa 11 foi disparado pelo comando da Polícia Militar, com o aviso de ameaças à vida de policiais. A informação era de que a PF teria interceptado ligações de traficantes da Comissão da Paz, do traficante Cláudio Campanha (preso em unidade federal) com a ordem de atacar policiais.
Alguns pacotes são apreendidos por carcereiros, mas maioria passa |
Van utilizada pra locomoção de presos está em estado precário |
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