Se antes a preocupação da estudante Michele Figueiredo, 16, era somente enfrentar o monstro da Física, agora tem que encarar o sol, o calor e até o desânimo para assistir à reposição de aulas em pleno Verão. “Venho todos os dias, mas não dá vontade de vir. Janeiro é o mês em que todo mundo está na praia e eu aqui”, reclamou. Aluna do 1º ano do Colégio Estadual Odorico Tavares, Michele está entre os mais de 460 mil estudantes em todo o estado que terão aulas até o fim de fevereiro, quando Salvador está fervendo – em todos os sentidos. “Até o percurso de casa para a escola é desestimulante, porque o sol está muito forte”. As férias perdidas são consequência da greve de professores que durou 115 dias no ano passado. E uma coisa é certa: quem está na escola a contragosto, muitas vezes acaba não fazendo o que deveria. Ou, pelo menos, tenta trazer para a sala de aula o gostinho das férias. “A gente fica jogando Uno (jogo de cartas) na sala, para compensar nossas férias, que foram roubadas”, afirmou a estudante Fernanda Santana, que cursa o 3º ano no Colégio Central. Às vezes, a quadra da escola é o único lugar que se tem para tomar um bronze. “Quando a gente tem prova, já venho pronta para ir para a praia depois. Mas, como isso não acontece sempre, a gente acaba tomando sol na quadra”, diz Fernanda. Embora tomados pelo desânimo, os estudantes têm frequentado as aulas assiduamente. Pelo menos é isso que garante a colega de turma de Fernanda, Bruna Moreira, 17. “A gente vem, mas eu fico mais dispersa. Chego a passar mal, às vezes. Tudo fica mais lento por causa do calor. Verão e escola não combinam mesmo”, declarou. Aos sábados, no entanto, de acordo com Bruna, a escola fica vazia. As aulas nos sábados foram incluídas no calendário escolar para ajudar a repor os 72 dias letivos perdidos durante a greve. “Não venho para essas aulas”. Existe até, diz ela, uma espécie de acordo entre os alunos para que ninguém vá. Bruna tentou explicar a lógica da coisa: “Se a gente parar para ver, a maioria dos outros colégios tem cinco aulas. Já aqui, temos seis. É como se os cinco dias da semana fossem a aula de sábado”. Até com os professores o trato informal funciona. Como ninguém – ou quase ninguém – vai para a aula, eles não encaram o assunto desses dias como dado e revisam durante a semana. FilmeMas, cada escola tem a sua forma de encarar esse momento. Os estudantes do Colégio Estadual Thales de Azevedo se queixaram da ausência de alguns professores no sábado. “Chegou ao ponto de a gente ficar vendo filme. Aí fomos deixando de vir. Agora, a maior parte das pessoas vem quando tem certeza de que vai ter algo importante”, afirmou a estudante Ainara Almeida, 15, aluna do 1º ano. O pior, para Ainara, foi não ter aproveitado o período de greve. Ela diz que não viajou nenhuma vez porque sempre esperava que as aulas pudessem voltar a qualquer momento. “Devia ter encarado aquilo como férias, mas meu lazer acabou sendo meu sofá”, lamentou. A presença dos alunos nas aulas de sábado também tem diminuído pelo medo de assaltos. Para a aluna do 1º ano Thalita Matos, 14, como o movimento nesses dias é menor, quem se aventura a ir para a escola corre o risco de ser assaltado. “Toda semana a gente fica sabendo de algum colega que foi roubado”. A professora Juvenília Mascarenhas, que ensina Biologia para alunos do 1º ao 3º ano do Colégio Central, acredita que o desgaste é mútuo. “Nós ficamos (desgastados) e os alunos também”, admitiu. Para conseguir a preciosa atenção de quem preferia estar no cinema, vale tudo. “A gente tenta manter eles ocupados, mas quando vejo que está muito pesado, libero mais cedo. Não adianta forçar”, opinou. De acordo com a professora Edna Neri, que ensina Biologia no Thales de Azevedo, é mais difícil conseguir segurar a atenção dos meninos por muito tempo. “A quarta unidade sempre foi mais crítica, porque já está no final. O problema é que está mais apertado agora”. Ainda assim, Edna diz que a rotina de trabalho nas férias não é tão desgastante quanto parece. “Com cansaço ou sem cansaço, temos que estar aqui”, disse.
ResistênciaO fato de a escola ser ventilada, com janelas, também ajuda – mas o calor não é insuportável. “Baiano está acostumado com calor”. A resistência de alguns alunos já era algo previsto, segundo a diretora de atendimento à rede escolar da Secretaria da Educação da Bahia (SEC), Eliana Carvalho. No entanto, ela garante que a frequência dos estudantes tem sido boa até nos sábados. “O que nós temos acompanhado são professores presentes e alguns alunos que, de fato, não comparecem”, disse. Para a diretora, por ser uma situação atípica, a opção pelo sábado foi feita somente porque era melhor sacrificar alguns dias de lazer do que acabar perdendo o ano letivo. “Nós temos um Verão muito quente, mas, em compensação, os professores estão desenvolvendo atividades atrativas para os estudantes”, garantiu. Enquanto isso, os alunos esperam pelas férias de verdade - o mês de março. Ufba: depois de greve, semestre 2012.2 acaba apenas em abrilOs estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba) também estão tendo que encarar aula no calor de janeiro. Depois de uma greve de 107 dias, o semestre 2012.2 vai até o dia 8 de abril. E como nem todos têm a sorte de ficar num sala climatizada, o jeito é apelar para ventiladores ou janelas abertas. “No PAF 5 é muito difícil. A gente até consegue lidar com o calor, mas o problema é o barulho do ventilador ou o que vem do lado de fora, pelas janelas”, reclama Rihan Achy, 21, estudante de Engenharia Civil. Já Monique Nunes, 23, que cursa Engenharia Química, lamenta o sentimento de perda das férias. “Não é nem pelas aulas, mas porque todo mundo está aproveitando e você ali...”. Monique, que é muçulmana, tem que andar com o rosto coberto, mesmo na estação mais quente do ano. “Procuro tecidos mais frescos. E dá para usar o véu mais soltinho, que ventila mais”, explicou. Na sexta-feira, estudantes da Faculdade de Arquitetura chegaram a armar uma piscina de plástico para o evento que chamaram de Verão Faufba. “Foi como uma atividade de praia. A ideia era que tivesse muita coisa, mas acabou sendo só a piscina”, explicou Carina Macêdo, 20. Além de perder as férias de três meses este ano, os estudantes devem se preparar para dar tchau antecipado ao Verão 2014. O semestre 2013.2, que já teve seu calendário divulgado, acaba somente no dia 15 de fevereiro do ano que vem. Matéria original: Correio 24h Enquanto a cidade ferve, alunos da rede estadual continuam estudando
Momento de concentração para compensar tempo perdido na greve |
Veja também:
Leia também:
AUTOR
AUTOR
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!
Acesse a comunidade