Acostumado a receber flores, alfazema e as redes dos pescadores, o mar do Rio Vermelho passou 42 horas recebendo esgoto sem tratamento. Segundo estimativa do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão fiscalizador do governo do estado, 5 mil litros de efluentes foram lançados na praia por segundo. Ao todo foram 756 mil metros cúbicos ou 756 milhões de litros de água, o suficiente para encher mais de 302 piscinas olímpicas ou o equivalente a sete Diques do Tororó.
Tudo isso foi lançado no mar da noite de quarta-feira, quando um ônibus atingiu o poste que leva energia para a estação de condicionamento da Embasa, no Lucaia, até as 14h de ontem, quando a Coelba concluiu o serviço e garantiu a retomada do fornecimento para a estação. A recomendação é que os banhistas evitem banho de mar nas praias do Rio Vermelho, Amaralina e Ondina até domingo.
A Embasa evita falar em números do prejuízo ambiental e pondera que, por conta do feriado e da cidade vazia, o volume de esgoto é atípico. A empresa informa que a capacidade do sistema - prejudicado pela falta de energia - que trata o esgoto e bombeia para o emissário Submarino do Rio Vermelho é de 8,3 mil litros por segundo.
“O importante agora é que o sistema já voltou a funcionar e vamos acompanhar as condições do mar”, avaliou o superintendente de esgotamento da Embasa em Salvador e Região Metropolitana, Júlio Mota.
Em 42 horas cinco mil litros de esgoto por segundo foram parar mar (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
A contaminação da praia não ficou restrita ao Rio Vermelho. “Quando (o efluente) sai na costa, ele tende a ficar na costa, mas, com o vento, ele pode dispersar um pouco mais. No geral, vai no sentido Sul (Rio Vermelho-Ondina)”, explica o coordenador de monitoramento do Inema, Eduardo Topázio.
Ontem, não era mais possível ver a água turva que marcava a contaminação na água em alto-mar (apenas próximo da foz com o Rio Lucaia, ao lado da Colônia de Pescadores e do antigo Mercado do Peixe). Apesar dos riscos, houve quem ignorasse o perigo e tomando banho de mar. Segundo especialistas, o contato com essa água pode provocar doenças de transmissão fecal-oral, como hepatite A, salmonelose, além da leptospirose.
Análise
Para o coordenador do Inema, as bactérias da rede de esgoto sobrevivem em contato com o sol e com a água do mar de 90 minutos a duas horas. “Por precaução, consideramos sempre mais 48 horas além desse tempo”. O Inema está fazendo coletas de amostras da água para análise. Até terça-feira deve-se ter um resultado preliminar da contaminação.
“Independentemente do resultado do laboratório, é evidente que houve contaminação”, afirma Topázio. O Inema é o órgão que apura as responsabilidades e aplica sanções. “As condições indicam uma fatalidade. Vamos apurar se há algum problema de operação e se a Embasa tomou todas as medidas necessárias para reduzir os impactos”, afirmou. O vice-presidente da Associação Nacional de Engenheiros Ambientais e titular da associação baiana da classe, Victor Vieira, explica que a recuperação das condições ambientais depende de inúmeros fatores, entre eles, a chuva, que pode ajudar. “O processo de autodepuração é rápido, mas não podemos esperar que a chuva resolva um problema que a gente causa com sistemas ineficientes”, afirmou. O Instituto Climatempo prevê pancadas de chuva à tarde e à noite de hoje, amanhã e segunda-feira.
De acordo com o especialista, por já ter uma vida marinha prejudicada antes desse desastre, o principal impacto pode ser na saúde pública e nas condições de banho. Com a dispersão do esgoto doméstico lançado na água, parte do material orgânico deve sedimentar no fundo do mar.
Consequências A turista paulista Claudia Gancia, 39 anos, vem com frequência à capital baiana e resolveu trazer uma amiga para conhecer a cidade e, em especial, o Rio Vermelho. “O bairro está mais bonito, mas não entendi esse fedor e essa água suja”, comentou, durante visita ao antigo Mercado do Peixe. No local, acontece o espetáculo A Paixão de Cristo e o cheiro incomodou quem foi ver as apresentações, anteontem.
Na Colônia Z1, núcleo Mariquita, os barcos mais uma vez não saíram para o mar. Pescadores chegaram a ter que comprar peixe em outros locais para revender, para reduzir os prejuízos. Ao chegar na colônia, o pescador Lailson Barbosa de Jesus, 47 anos, desistiu de sair. “Um técnico estava aqui colhendo água e disse para ninguém se arriscar a colocar o pé nessa água, que tinha pelo menos uns três tipos de bactérias aí”, contou. O volume de esgoto foi tão forte que a barreira de areia que existe próximo da colônia e de um restaurante cedeu.
Como o CORREIO mostrou ontem, o sistema comprometido com a falta de energia corresponde a 60% de todo o esgoto tratado pela Embasa na cidade. O emissário, para onde o esgoto após tratado é enviado, atende às áreas do entorno da Baía de Todos os Santos e, na vertente atlântica de Salvador, da Barra até Armação. Ele fica a 2,35 km da costa e a uma profundidade de 27 metros. Segundo a Embasa, 99% dos efluentes lançados no mar são água e 1% sólido, dividido em carga orgânica e patogênicos (que podem transmitir doenças). Trabalho de reposição de poste só foi concluído às 14h de ontem A conclusão do serviço de reposição do poste para restabelecimento da energia elétrica, que estava prevista para o final da noite de anteontem, só ocorreu ontem, por volta das 14h, segundo a Embasa. O tempo que levou para a reposição do poste e transferência do cabeamento para o novo leva em conta o trabalho cuidadoso para evitar que haja um novo acidente. “O poste que quebrou fica no meio de uma linha onde não tem amarração. Nesse trecho tem cruzamentos e estamos trabalhando acima de uma linha que está ligada. Estamos trabalhando na interligação de oito postes”, detalhou o encarregado de montagem elétrica Silvestre Souza Nascimento, da empresa AT Construções, a serviço da Coelba. Os serviços de reposição começaram apenas às 2h da madrugada de anteontem, após o resgate do motorista das ferragens e da perícia.Veja também:
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