Salvador, 23h14. O fervor rotineiro de uma noite de quinta-feira na capital baiana deu espaço ao breu total. No apagar das luzes, o casarão pegou fogo, a loja foi arrombada, o cliente saiu sem pagar, a festa acabou e o semáforo quebrou de vez. Em até seis horas, em alguns pontos da cidade, a escuridão provocada por um apagão que atingiu todos nove estados do Nordeste e parte de Tocantins e Pará deixou diversos estragos. Num dos incidentes mais graves, a luz de uma vela cedeu lugar a chamas em um casarão na Rua do Castanheda, na Mouraria, onde moravam 11 famílias – 60 pessoas, entre elas 35 crianças. “Um dos moradores acendeu a vela e acabou pegando fogo em roupas velhas. Como o casarão é antigo, as chamas se alastraram rapidamente”, contou o escultor Isaías Monteiro, 58.
Quem dormia viveu momentos de pânico. “O fogo era muito alto. Tava dormindo e quando me dei conta estava no meio de um sufoco. Até para abrir os cadeados foi complicado, porque estava sem luz”, relatou a sapateira Maria Nadir, 56. Ela, que morava no local com uma filha e quatro netos, afirmou ter perdido todos os pertences. Casarão pegou fogo depois que vela acesa por morador caiu sobre roupas velhas. No total, 60 pessoas - 35 delas crianças - de 11 famílias ficaram sem casa “As mercadorias que produzi e eram pra ser entregues hoje (ontem) foram todas consumidas. Perdi todo meu fabrico de sandálias. Minha geladeira ficou murchinha. Tô sem eira nem beira. O que vou fazer da minha vida, meu Deus?”, suplicou. Apesar do grande susto, ninguém ficou ferido. CrimesNo Pelourinho, um morador de rua identificado apenas como Willian foi morto a tiros durante o blecaute. De acordo com o comandante do 18º Batalhão de Polícia Militar (Centro Histórico), tenente Anselmo Alves Brandão, a vítima era usuária de drogas e tinha “desavenças” com outros moradores de rua da área. Na travessa Professor Antônio Borja, em Nazaré, a loja de móveis Laquê Santana foi arrombada por dois homens, por volta de 4h, que deixaram um prejuízo de R$ 6 mil. O vigilante José Tavares Filho, 69, foi rendido por um dos bandidos. “Quando ouvi o barulho, subi pra ver o que era. Um deles já tava esperando e me abordou. O morcego aproveitou a escuridão”, lembrou. Os ladrões levaram computador, impressora, entre outros equipamentos eletrônicos, além de roubar R$ 160 do vigilante e arrombar as gavetas das mesas. “Assim que eles saíram liguei pra polícia. Um ainda usava camisa social, calça e tênis”, descreveu Tavares. HemobaSem energia elétrica, o sistema de refrigeração da Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia (Hemoba) foi afetado e os estoques de bolsas de sangue ficaram prejudicados. Em nota, a instituição convocou a população de todo o estado a fazer doações em uma das 25 unidades. O horário de funcionamento para doações também foi ampliado até as 17h30. Os endereços podem ser consultados no site da Secretaria da Saúde do Estado (www.saude.ba.gov.br). A interrupção do fornecimento de energia também ocasionou a suspensão do abastecimento de água em Salvador e Região Metropolitana, que deixou de operar das 23h de quinta-feira até as 6h de ontem. O serviço começou a ser restabelecido e, segundo a Embasa, deve estar completamente normal em toda a cidade até amanhã. Os serviços do Detran e o atendimento com hora marcada nos postos do SAC foram suspensos temporariamente ontem, até que a rede tecnológica que dá suporte voltasse a funcionar. A emissão de carteira de identidade e intermediação de mão de obra não sofreram alterações. No Salvador Shopping, um novo apagão - que durou 30 minutos - pegou de surpresa os funcionários e clientes, no início da tarde de ontem. Segundo testemunhas, algumas lojas fecharam as portas e a segurança foi reforçada em todos os acessos. A Coelba informou que uma linha de energia que abastece o estabelecimento apresentou problemas. BaladaOs baladeiros de plantão também tiveram que voltar para casa cedo ou encontrar alternativas. Gravando em Salvador a próxima minissérie da Globo, O Canto da Sereia, os atores Ísis Valverde, Marcos Palmeira e Fabíula Nascimento marcaram presença na reinauguração do bar Padaria, no Rio Vermelho. A festa estava só no meio quando a energia caiu.
Falta de energia interrompe festa em bar no Rio Vermelho; proprietário relata prejuízo com perda de clientes“Estava muito cheio e era o ponto alto da festa. Esvaziou porque o público ficou com medo de ser assaltado. Muita gente ainda preferiu esperar pra ver se a luz retornava. A comida e a bebida pararam de ser servidas”, observou o jornalista Jorge Santos, 24. O dono do estabelecimento, Ildásio Tavares, lamentou o fim antecipado da festa. “É chato! Quebrou o ritmo da festa! A gente tava parado há 70 dias, o lugar estava reabrindo e fizemos uma festa linda, maravilhosa e tinham muitos jornalistas, personalidades, formadores de opinião. Não foi algo particular para com o meu estabelecimento, mas acabou prejudicando”, afirmou. Já no Boteco do França, também no Rio Vermelho, para onde o grupo de atores seguiu, os clientes não queriam voltar para casa. “Os clientes ligaram os faróis de dois carros para poder continuar na farra. Eles não estavam nem aí, só saíram umas 2h, e a gente só fechou um pouco depois”, disse a operadora de caixa, Cnária Ribeiro. CaloteNo Largo da Dinha, clientes foram embora sem pagar. “Um monte deu ‘birro’. Ficaram nervosos, com medo de assalto e aproveitaram pra pendurar a conta”, contou a cozinheira Alessandra Araújo, 39. No Imbuí, o dono do Bartequim, Juca Sirqueira, 49, ainda contabilizava os prejuízos ontem de manhã. “Os clientes ficaram com medo. A gente levou um tempo para cobrar todas as mesas e muitos foram embora. Vou ter que arcar tudo isso”, lamentou. Colaborou: Luana Ribeiro Transalvador soma 46 semáforos com problemas depois de apagãoOs semáforos de Salvador voltaram a apresentar problemas ontem de manhã em diversos pontos da cidade. No total, segundo a Transalvador, 46 equipamentos tiveram o funcionamento comprometido por causa do apagão. “Tanto faz com apagão ou sem. As sinaleiras vivem dando problemas”, criticou o bancário Arnaldo Ribeiro, 33 anos. Na avenida ACM, por exemplo, a sinaleira em frente ao Banco Bradesco estava com o sinal amarelo intermitente. Em Amaralina, outro semáforo com o mesmo problema complicou o tráfego na região. Depois de realizar inspeção pessoal em toda a capital, o superintendente da Transalvador, Renato Araújo, pediu desculpas pelos transtornos. “Pedimos desculpas à população de Salvador pelo não-funcionamento de 46 semáforos nesta manhã de sexta-feira, em decorrência do apagão ocorrido no Norte e Nordeste do país, mas nos comprometemos a colocar todos em perfeito funcionamento até o final da tarde de hoje”, disse ele, por meio de nota divulgada pelo órgão. Ele explicou que o retorno do fornecimento de energia “veio com sobrecarga, o que é altamente danoso para os equipamentos”. “Mas as equipes da Gerência de Sinalização da Transalvador estão nas ruas e em tempo recorde conseguiremos recolocar todos os conjuntos semafóricos para funcionar”, garantiu o titular do órgão. O CORREIO não conseguiu contato com o órgão no fim da tarde, mas às 19h uma equipe do CORREIO viu pelo menos um semáforo quebrado na rua Marquês de Caravelas, na Barra. DEPOIMENTOS ‘Os atores até que gostaram do escurinho’, Aline Caravina* Na hora do apagão, estava na reinauguração do Padaria Bar, no Rio Vermelho. Fui para me divertir, mas acabei dando uma de paparazzo quando Isis Valverde, Marcos Palmeiras e alguns atores da Globo chegaram. No momento que coloquei a câmera em ação, eis que o apagão acontece e me dá uma rasteira, deixando o bar sem luz e os famosos no escuro. Fiquei me contorcendo para conseguir o flagra. Os atores até gostaram do escurinho, porque o pessoal meio fanático parou de tietar, afinal ninguém conseguia ver as curvas de ‘Suelen’ direito. A música parou, mas Fábio Lago tratou de pegar um pandeiro e tocar um sambinha para a Olenka (Fabiula Nascimento) dançar. Era o bar do Silas de Avenida Brasil, mas sem luz e sem Tufão. *Repórter do portal iBahia ‘Descobri que os hotéis não têm gerador’, Osmar Marrom Martins* Quando saí do Ensaio do Ara Ketu, ontem, no Cais Dourado (Comércio), fui surpreendido na Bonocô com um apagão que me deixou assustado. Por volta das 23h30, a avenida estava deserta, tudo escuro, só a lua linda a iluminar os caminhos. Resolvi voltar à redação do CORREIO, na Federação, porque sabia que tinha gerador, para entender o que estava acontecendo. Aí soube que 11 estados do Brasil estavam às escuras. Pensei como ir para casa, sem TV, sem ar-condicionado, sem poder tomar banho quente. Não tive duvidas. Procurei um hotel e fui passar a noite. Mas, para minha surpresa, descobri que a maioria dos hotéis em Salvador não tem gerador. Pelo menos os da orla. Tirando os chamados grandes, os outros estavam todos à base da vela. *Repórter especial do CORREIO Matéria original: Jornal Correio Falta de luz provoca transtornos na cidade: de incêndio a prejuízo nas noitadas
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