Nos bastidores da Melhor Segunda-Feira do Mundo, olhares cabisbaixos e semblantes sérios. Em uma noite que costumava ser apenas de pagode e festa, era impossível esconder o clima de tensão, apesar da prevalência do branco em sinal de paz. O pedido de Xanddy foi seguido não só pelo público, mas também pelos que trabalhavam no evento, inclusive a maioria dos seguranças. Todos vestiam o branco da paz.
Mesmo com o som do palco tentando amenizar a atmosfera de velório, o assunto estava em qualquer conversa. “Ou dá um freio nisso aí, ou eles tomam conta. Não pode, meu Deus! O pessoal tá trabalhando hoje em clima de enterro”, comentou um brigadista do evento, conversando com representantes da produção de Léo Santana, um dos convidados da noite. “Nem parece que estamos às vésperas do Carnaval. O clima tá estranho”, disse uma promotora que trabalhou em todas as seis Melhores Segundas-Feiras do Mundo.
Uma semana antes, três seguranças que prestavam serviço ao Harmonia do Samba tinham sido mortos pouco antes do show, no que seria um acerto de contas pela expulsão do evento do traficante conhecido como Bolsa, encontrado morto com sinais de espancamento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Rafael. Ontem, o silêncio imperava entre os colegas das vítimas. Silêncio e medo. “Quem vai ficar ali na frente de bobeira”, disse um, sem se identificar.
Em respeito aos familiares dos que morreram, o evento foi cancelado e, em apenas uma semana, transferido para o Wet'n Wild. Boa parte da estrutura teve de ser deslocada. Mais de 15 mil ingressos já haviam sido vendidos. Um prejuízo que o Harmonia nem quis calcular. “Xanddy realmente não está preocupado com isso. Dinheiro não importa para ele neste momento. Ele quis fazer dessa noite uma celebração da paz”, contou uma pessoa que trabalha na produção da banda.
Passava das 23h quando Xanddy chegou ao Wet. Sempre muito educado, foi cumprimentando um a um antes de entrar no camarim. Ainda estava visivelmente abalado. Compreensível. Para as famílias de Márcio Bandeira, Derivaldo dos Santos e Geraldo Cunha, aquela foi a pior segunda-feira do mundo. Mas, para a banda Harmonia do Samba, foi também uma noite muito triste.
“Essa segunda-feira virou a segunda da paz. O que aconteceu impactou todos nós. Resolvemos fazer esse evento não só pelo que ocorreu na semana passada. Mas também pelo que tá acontecendo no Brasil”, disse Xanddy, falando pela primeira vez sobre o assunto, minutos antes de subir ao palco. “A gente percebe o grito de socorro. As pessoas precisam de paz, de segurança. Tá todo mundo sedento. Que reverbere pelo mundo”, disse Xanddy.
O Harmonia subiu ao palco de mãos dadas e em silêncio, ao som de Imagine, de John Lennon. Com as luzes do público apagadas, todas as atenções se voltaram para a pequena Luíza, de 11 anos. Ela deu a ideia: “Vamos amar mais, nos ajudar mais, dar amor aqueles que precisam”. E fez a multidão em peso gritar de uma só vez: "Paaaaaaaz".
“Nessa segunda, o melhor de tudo é receber o abraço de vocês”, disse Xanddy, que em troca recebeu um coro gigante. “Eeeeeeeu, sou Harmoniaaaaaaa, com muito orgulhooooooooo, com muito amooooooooor”. Na plateia, um cartaz também sugeria: “Quando o amor fortalece, a harmonia floresce e a paz permanece”. Antes, Léo Santana e Thiaguinho abraçaram a causa.
“Deus sabe o que faz. Esse acontecimento deixou todos nós muito tristes. Mas o povo de Salvador merece essa noite especial. Vamos tentar fazer a alegria da galera, apesar dos pesares”, destacou Léo. “Uma noite de paz. Muito bom ver vocês vestidos de branco”, agradeceu Thiaguinho. Depois de uma tragédia, a Melhor Segunda-Feira do Mundo dessa vez terminou bem. A noite passou das 4h30 na mais pura harmonia.
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Redação iBahia
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