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SALVADOR

Histórias de homens que elevam a paternidade à décima potência

Muitos deles não têm filhos biológicos, mas escolheram seguir o papel de conselheiros

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13/08/2015 às 0:05 • Atualizada em 01/09/2022 às 4:31 - há XX semanas
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Maestro do bate-lata

Joselito, com alguns dos meninos do Bagunçaço, na sala de computação: tardes com livros e jogos (Fotos de Angeluci Figueiredo)

Joselito Crispim, 44 anos, é pai de Elvis, Josinan e Jan. E também de Irlan, Jonata, Junior, Fábio, Victor, Ruan, Marcola... É assim há 23 anos, desde que criou o grupo cultural Bagunçaço na Massaranduba, região que antigamente era a invasão dos Alagados. “Nasci dentro de uma palafita, num terreiro de candomblé chamado Tumba do Mar. Na juventude, comecei a perder amigos para a violência e o tráfico. Hoje restam poucos”, conta Joselito. Um dia ele se inscreveu na aula de teatro da igreja. Apesar da zombaria inicial, os amigos curtiram a apresentação e isso o motivou. “Descobri que podia passar mensagens boas, com tom de humor”, diz Joselito. Ele montou um grupo de teatro no bairro e a primeira peça, Balada dos Pivetes, foi levada pelo Juizado de Menores para várias escolas. Um tempo depois, uma vizinha reclamou com ele de um grupo de meninos que fazia a maior zoada com latas. “Falei que não sabia tocar nem dançar, mas que era bom de organizar coisas”, lembra. As primeiras reuniões aconteceram em 1991, semanalmente, numa sala da igreja. “Tinha pedido espaço para várias pessoas, mas o padre Clóvis foi o único adulto que se alegrou com a iniciativa e quis ajudar”, explica. Dezenas de meninos chegaram e formou-se o grupo cultural Bagunçaço. Em 92, durante uma apresentação na rua, o marchand francês Dimitri Ganzelevitch se encantou e contratou o grupo para tocar num evento dele. Além de um fã, os meninos ganharam um padrinho. “Dimitri foi como um pai pra mim, pois nos ajudou muito e me mostrou muita coisa”, conta Joselito. O amigo foi a porta de embarque do Bagunçaço para o mundo. Foi na França, através de pessoas que chegaram a Joselito por Dimitri, que a banda fez seu primeiro show internacional. Desde então, já seguiram para mais de 10 turnês na Europa. A última foi em 2013.“Tocamos para a rainha da Suécia e ficamos hospedados no castelo dela. Foi tipo conto de fadas”, diz. Hoje, a iniciativa agrupa aulas de capoeira, percussão, futebol, um pequeno centro de leitura, um parquinho e alguns computadores. Mas já teve oficina de robótica, produção cinematográfica e curso de noções de direito. Um dos filmes chegou a vencer um festival em Chicago e rendeu doações que garantiram faculdade para seis jovens da área. O que rola no Bagunçaço? “O que os meninos quiserem e for surgindo. Minha principal ideia é ocupá-los e reproduzir o afeto que tive em minha família”, afirma Joselito. Ele diz que sempre teve nos pais, seu José e dona Jovelina, exemplos amorosos e alegres. Segundo Joselito, cerca de 40 crianças frequentam a casa atualmente. “Sei que algumas estão envolvidas com o que não devem e não vão ouvir meus conselhos. Mas pelo menos consigo ajudar a maior parte”, explica. Ele aposta na afetividade: “Tenho o maior respeito dos meninos do bairro, inclusive dos que estão no tráfico. Ninguém bole comigo nem com nada do Bagunçaço. A gente ensina a amar, respeitar”. O pai da Liberdade

O doté Amilton, do terreiro Xwe Vodun Zo, na Liberdade: ele abraça, mas também dá bronca

Sabe aquele pai que marca presença? Que, muito além do abraço e do amor, dá pitaco, participa, reclama e briga? Sem nunca ter gerado filhos, o doté Hamilton adotou muita gente e é um desses pais bem participativos. Comandante do terreiro Xwe Vodun Zo, na Liberdade, o auxiliar de enfermagem aposentado garante a relação de sinceridade com os seus e a força disso nos laços. Tanto que os filhos e frequentadores da casa não exitam em pedir conselhos. “Eles perguntam muita coisa, trazem problemas, abrem os corações e confiam. Aí você começa a ter um carinho especial e termina se sentindo muito pai mesmo”, conta o religioso. Mesmo de quem tem o genitor vivo. “Ser pai não é só deitar na cama com uma mulher e fazer filho para dizer que é homem. É ter personalidade, caráter. É olhar pelos filhos, orientar e conversar. Se tiver isso, dificilmente o filho rouba, trafica ou faz coisa ruim. O que falta é carinho, diálogo”, sentencia Amilton. Para ele, é preciso demonstrar preocupação. “Não precisa dar caviar pra comer, nem presentear com carro ou moto. O negócio é cuidar”, afirma.Um exemplo do poder disso é o de um rapaz que o religioso adotou aos 13 anos, depois do pai biológico abandonar a família. Morando na Itália, ele só casou depois de levar o doté para lá e saber o que o pai achava da moça. “Adotei ele e o irmão, que passavam fome. Hoje o menino cresceu, mora longe e ainda assim me considera para uma questão tão importante”, comemora Amilton. E não pense que é só as namoradas dos filhos que ele avalia. Faz isso com os filhos que têm namorados também. “Aqui a gente não discrimina ninguém. No caso, não tem nada errado em ser homossexual. Se eu gostar do parceiro, abraço. Se não, digo logo que não fui com a cara”, diz o doté. A preocupação com a paternidade contrasta com a experiência de vida do próprio líder religioso. “Muitos pais, a começar pelo meu, não são de verdade. Só fazem o filho e largam ao deus dará. Minha mãe, Guiomar, criou seis filhos com ajuda de minha avó, Juliana”, relembra. Além das atividades religiosas, o terreiro promove aulas de capoeira para crianças e jovens da comunidade, e faz festas de São João e Natal. “São momentos de união e alegria, no qual alimentamos as crianças e fazemos doações de brinquedos”, conta Amilton. O tio de Pituaçu

O médium e criador da Cidade da Luz, José Medrado, cercado de algumas das crianças que moram lá

José Medrado, 54, também não tem filho biológico. Mas o Lar Luz do Amanhã, parte da Cidade da Luz, complexo filantrópico criado por ele, é casa de cerca de 40 crianças que tiveram que ser afastadas da família pela Justiça. “Seja por abandono ou porque os pais não têm condição de criar, os meninos vêm para cá”, explica o médium. Doce, mas sem perder o jeito debochado, ele faz a festa dos pequenos na hora da foto. Todos querem se enfeitar para aparecer do lado do “tio”. Um contraponto ao jeito duro do pai, Arlindo, que, segundo o próprio Medrado, não era homem de beijo e abraço, era da época da palmatória. O carinho e a confiança que tem das crianças está em um dos episódios que mais o marcaram na fase pai. Foi quando um garoto de 14 anos que morava no abrigo contou para ele que era gay. “Ele falou, chorando, que gostava de meninos e que sofria. Perguntou se seria expulso daqui por conta disso. Aquilo me marcou. Senti que podia ser especial na vida deles”, conta. A resposta não perdeu o jeito Medrado: “Você pode até ser expulso, mas nunca por isso. Amor é amor”. Além dos moradores da Cidade da Luz, o espaço abriga a escola Carlos Murion, com 370 alunos, 150 deles em turno integral. Há ainda o Pavilhão Assistencial Francisco de Assis, com atendimento médico gratuito e o centro espírita. Lá, além das palestras, passes e bate- papos, acontecem cirurgias espirituais. “Me sinto pai de forma abrangente. Não só das crianças, mas também de quem procura um conselho. Reflito, opino e depois quero acompanhar. Ser pai não é só alimentar e dar moradia. É vislumbrar um sentido bem amplo de vida”, pontua. O padre da Vitória

Padre Luís Simões em bate papo com os alunos da escola

O padre da igreja com o metro quadrado mais caro da Bahia, quem diria, era fã de Karl Marx. Tanto que, em 1975, cursou Direito e História porque o comunista russo assim havia feito. Ele queria mudar o mundo. Entrou no grupo de jovens da Paróquia da Vitória e ficou pensativo sobre o sentido da vida. Dois anos depois se matriculou em Filosofia e decidiu trocar a foice e o martelo por crucifixo e bíblia. “Dom Avelar, ex-arcebispo de Salvador, foi um pai para mim, me acolheu e orientou”, relembra padre Luís Simões, 60. Por sugestão do tutor, ele foi estudar Teologia em Roma. Ordenado aos 28, acumula 31 anos de batina, 13 só na Vitória. “Ser pai é ter a responsabilidade da palavra. Graças a Deus, tive bons pais”, diz o padre. A dedicação às bênçãos e projetos sociais faz dele pop. Tanto entre os moradores de casinhas da Vila Brandão quanto entre os donos de suntuosas mansões do Corredor da Vitória. “As pessoas buscam atendimento, palavras. Gosto da missa, mas confissões e orientações dão ânimo às pessoas e sentido à vida do padre”, diz Luís. Para ele, acolher é fundamental para um sacerdote. Por conta disso, se alegra com as falas do papa Francisco. “Ele tem atitudes misericordiosas e quer incluir as pessoas, sobretudo as que estão na periferia existencial, os marginalizados”, diz o pároco. Do número de batizados realizados, ele perdeu a conta. Casamentos também. Mas é na extrema-unção (bênção aos enfermos, geralmente no leito de morte) que ele se sente mais pai. “É muito bom ajudar pessoas que estão, às vezes, desenganadas. É dar tranquilidade para elas. Nessas situações, escutei as coisas mais bonitas”, relata o padre. Entre as obras sociais da paróquia, tem um centro médico-odontológico que atende, gratuitamente, cerca de 2 mil pessoas por mês. Há ainda uma creche para 200 crianças. No espaço da igreja funciona uma escola primária em parceria com a prefeitura. “Fora outras pequenas coisas, como doações e serviços a uma creche de filhos de presidiários e ao pessoal da Vila Brandão”, pontua o padre.
Correio24horas

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