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SALVADOR

Incêndio destrói casarão onde funcionou brega e depois abrigo de Mãe Preta

O casarão número 57, onde funcionou um famoso brega e depois um abrigo, foi destruído por um incêndio. No imóvel, reinou Mãe Preta, primeiro como prostituta, e depois como responsável por acolher os filhos das colegas de profissão

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20/03/2012 às 7:58 • Atualizada em 06/09/2022 às 11:20 - há XX semanas
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O casarão em ruínas no número 57 da Ladeira da Montanha era o sonho da ex-prostituta Maria Dalvina Rodrigues de Oliveira. Lá, a senhora de 89 anos ficou conhecida no baixo meretrício de Salvador como a benfeitora dos deserdados da luxúria, a Madre Tereza dos filhos nascidos de alcovas paga, aposentadas do ramo, travestis e gays sem lar. Na noite de domingo, o sonho do Abrigo de Mãe Preta acabou. Um incêndio condenou definitivamente o imóvel, onde vidas sexuais foram iniciadas por ela. O mesmo sobrado que, depois da decadência da maior zona de bregas da cidade, virou um refúgio para os enjeitados da Montanha, mantido por Mãe Preta durante cerca de duas décadas e desativado em 30 de janeiro deste ano. Abandonado, servia a viciados na ladeira que se transformou em uma das cracolândias do Centro Histórico. Enquanto os bombeiros tentavam dar cabo do fogo ontem, a desconfiança de moradores era a de que algum cachimbo incontrolável iniciou as chamas. Com elas, ruiu também o último símbolo dos tempos em que a Montanha era o mercado do prazer da capital. Como conta o antropólogo Roberto Albergaria, confesso cliente da área: “Até os anos 70, a Montanha era parte do polígono sexual de Salvador, o recanto dos bregas tradicionais. Era uma época em que a cidade gravitava em torno do centro. Eu mesmo iniciei minha vida sexual na casa de Maria da Vovó (lendária cafetina da ladeira)”. Na era em que simbolizavam os cadinhos do sexo remunerado, relata Albergaria, as casas da Montanha, em sua maioria, eram conhecidas pelo número. “A 63 foi a mais famosa”, lembra. Mas tinham ainda a 73, a 65 e, claro, a 57. Foi neste sobrado que Mãe Preta começou a transitar como uma das musas dos gritos e sussurros da boêmia. Pelo menos é o que ela narra em uma reportagem publicada pelo CORREIO em 23 de outubro de 2002. “Eu tinha um corpaço. Ganhei muita grana no (brega) 57”, diz. Afirma também que nasceu em Andaraí, na Chapada Diamantina, de onde veio para ganhar a vida na capital aos 15 anos. Primeiro, garante ter trabalhado em casas de família. Meio de vida trocado pelo glamour da Montanha, depois de ter ouvido conselhos e relatos de uma amiga. No tempo em que se tomava vodca com Laranja Turva, a Fanta da época, Mãe Preta é descrita por frequentadores antigos como uma das prostitutas que fizeram gemer muito mancebo sem experiência. AtividadeEntre suas coxas, passaram de futuros políticos a filhos de fazendeiros ricos. Artistas e pobres trabalhadores também. Nomes, só dizia com a promessa de segredo. “Mãe Preta era um nome muito elevado naquele tempo. Não lembro bem dos meus momentos com ela, mas é que estou muito esquecido dos detalhes dos velhos tempos”, desconversa o sambista Riachão, outro notório consumidor da feira sexual da Montanha. “Eu ia pouco a locais como a Ladeira da Montanha. Nunca gostei de puteiro. Mas eram obrigatórios, porque naquele tempo ninguém ‘dava’ assim. Você não era homem se não fosse lá, era um rito da adolescência”, afirma o escritor João Ubaldo Ribeiro. E sobre Mãe Preta? “Não conheci, o que lamento. Deve ser uma figura muito interessante”, assinala. Qualidade que Albergaria coloca sem pudor sobre a trajetória da ex-prostituta que dedicou os anos pós-brega a abrigar os refugados da Montanha. “Ela é um dos últimos tipos de rua, que representavam a Bahia antiga, quando marinheiros eram trazidos para os prostíbulos para se resolverem em 45 minutos, no máximo”, recorda.
Incêndio destrói casarão onde funcionou brega e depois abrigo
RedençãoDepois da decadência da libertinagem na Montanha ao londo da década de 70, Mãe Preta criou o abrigo na casa 57, onde se dedicava a cuidar de crianças, em grande parte nascidas de ventre pagos. Meninos e meninas como os seus 25 filhos. Número que ela diz ter sido reduzido para 15 vivos em um vídeo postado no Youtube em 2007. Nas imagens, captadas pelo jornalista André Teixeira meses antes de um outro incêndio que arruinou o antigo bordel em 2 de julho de 2007, ela relata não saber quem são os pais dos seus filhos e filhas naturais. “Era de um e de outro”, segreda. Diz ainda que cuida da criançada porque foi ajudada também e afirma que gostaria de morrer abrigando as crias da “mundania”. Entre os que haviam auxíliado seu trabalho, lista Irmã Dulce, Jorge Amado e dom Lucas Moreira Neves”. No mesmo vídeo, contabiliza 37 crianças sob sua guarda, fora os 150 adultos que entravam atrás de roupa, comida, um canto para descansar da degradação que remodelou a Montanha para pior. Coisas que ela já não pode mais dar. Atualmente, Mãe Preta mora no Pau Miúdo e perdeu o vigor de quando se dedicava aos desvalidos da Montanha. “Era ela conhecida pelo trabalho social. Mantinha no abrigo crianças e adolescentes, misturados a idosos e adultos, mas em condições de alta precariedade”, relembra o advogado Waldemar Oliveira, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). Para ele, o que salvava era o amor e a dedicação de Mãe Preta. Presentes que não sobreviverão nas ruínas. Só na memória.

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