Em dias de chuva, o medo é a única companhia de Valdelice Mascarenhas, 70 anos. Ela mora sozinha numa casa de alvenaria com dois cômodos em uma das encostas da Baixa do Cacau, bairro de São Caetano — uma das 433 áreas de risco em Salvador. Com o risco iminente de um desabamento, qualquer garoa é motivo de preocupação. “Tem dias que não durmo mesmo com chuva fraca”, lamenta a idosa. A casa de Valdelice é como tantas outras da capital baiana: construída em encosta íngreme ocupada de forma desordenada. “Não estou aqui porque quero. É falta de opção”, declara Valdelice, cuja residência foi condenada pela Defesa Civil (Codesal).
De acordo com a Codesal, 11 localidades foram campeãs de chamadas no ano passado. Além da Baixa do Cacau, estão a Vila Picasso, em Capelinha de São Caetano; Planalto Real II, em Plataforma; Rua da Bica, em Nova Brasília do Aeroporto; Três Mangueiras, em Canabrava; Rua Maria das Dores Leite, em Cajazeira XI; Baixa de Santa Rita, em Pau da Lima; Vila Canária; Alto de Santa Teresinha; Valéria e Novo Horizonte. Foram registradas ocorrências diversas, desde deslizamento de terra, soterramento e alagamentos. Na Baixa do Cacau, onde também mora Paulo Alencar, 55, o problema começa com o escoamento da água na Rua Engenheiro Austricliano, que cedeu um trecho no ano passado por causa da chuva e até hoje está interditada. “Toda a água da pista desce e infiltra na terra. A gente fica apavorado. O pior é que ainda não é o período crítico de chuva”, diz Alencar, funcionário municipal. A preocupação dele faz sentido. Em maio, o mês mais chuvoso, o volume de água em Salvador no ano passado foi de 504 mm — 180 mm a mais da média anual, que é de 324 mm. “Foi a época que muita gente aqui ficou desabrigada”, conta Alencar. Silas Mascarenhas, vizinho de Alencar, disse que algumas casas foram condenadas pela Codesal não só por estar numa área de risco. “Aqui, todo mundo é ajudante de pedreiro. Basta brita e areia para levantar as casas. É arriscado, mas fazer o quê? ”, declara Mascarenhas. VolumeDe acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ainda assim, o volume total de chuva de 2012, 1.347 mm, foi menor que a média histórica de 30 anos, que é de 2.908 mm — uma redução de 64%. “Nos próximos dias, o clima de Salvador será de nebulosidade com chuva fraca”, afirma Edvaldo Correia Araújo, chefe da seção de previsão do Inmet. Segundo ele, não dá para já fazer uma estimativa para este ano — tudo vai depender da nebulosidade que vai se formar. Apesar da pouca chuva nos últimos dias, o medo tem tomado conta dos moradores da Rua Lindolfo Barbosa, em Vila Canária. A rua sem asfalto é cercada por dois morros, com cerca de 60 metros de altura. “Qualquer gota que cai do céu é motivo de preocupação. Mas se for ver, todo mundo aqui não tem outro lugar. A pessoa que me vendeu esta casa disse que viu a morte na cara há dois anos”, conta o pedreiro Giovanni dos Santos, 34. A casa dele é na base de um dos morros, próximo onde ocorreu uma tragédia. Em 14 de abril de 2010, duas crianças morreram quando a casa em que estavam foi soterrada com o deslizamento da encosta. Na ocasião, fortes chuvas caíam na cidade. “As crianças estavam dormindo. A mãe tentou salvá-las. Ela tinha saído da casa porque uma vizinha pediu socorro. Foi quando a terra encobriu a casa”, conta a dona de casa Magnólia Araújo Santos, 66, moradora da região. tragédia A tragédia de Vila Canária poderia ter sido maior. Na mesma noite, o filho de Magnólia, o pedreiro Erivaldo Santos Cruz, 31, estava na varanda da casa quando a terra desceu morro abaixo. “Só vi um estalo. Olhei da janela e a casa da vizinha já tinha sido soterrada. Peguei minha mulher e meus dois filhos e corri para o fundo”. Segundos depois, a casa ficou coberta de terra. “Qualquer gota que cai do céu é motivo de preocupação”, diz Erivaldo. Mãe de oito filhos aos 34 anos, a dona de casa Sônia Maria dos Santos mora num barraco com três deles — os outros vivem com o pai em Canabrava. A moradia é um barraco de um vão, construída com tábuas. Ao lado, sinais de uma casa vizinha. “Era de meu pai”, diz. Seu Francisco deixou o local, depois que parte do imóvel tinha sido atingido por um deslizamento de terra. “Hoje, ele está na casa de uma irmã, mas quer voltar, levantar a casa no mesmo lugar”, conta. Ainda na rua Lindolfo Barbosa, alguns moradores foram retirados do local e levados para casas populares da Conder, em Simões Filho e Itinga, mas a maioria continua residindo no local ou abandonou o imóvel. De janeiro até o momento, a Codesal cadastrou 63 famílias que moram de áreas de risco da capital. “Muita gente deixou tudo e foi morar com parentes. Aqueles que não têm opção, como eu, vivem através de coragem”, diz Maria Auzira do Livramento, 55. Prefeitura anuncia ações da Operação Chuva 2013Subúrbio Ferroviário e Península de Itapagipe vão receber atenção especial da Operação Chuva 2013. Ontem, o secretário de Infraestrutura, Habitação e Defesa Civil, Paulo Fontana, apresentou as ações, em reunião com o prefeito ACM Neto. “Algumas delas já começaram, como poda de árvores e limpeza de canais”, afirma Fontana. A Defesa Civil elencou três eixos para a execução da operação: enfrentar os 119 pontos de alagamento da cidade; evitar os deslizamentos de encostas e os desabamentos, que são causados pela construção desordenada de cerca de 600 mil unidades que não possuem licença ou alvará. A operação será efetuada num período de 90 dias, começando na primeira quinzena de março — com o período mais crítico, historicamente, no mês de abril. A Defesa Civil já registrou 368 solicitações de emergência e realizou 265 vistorias. Matéria original do Correio Com 433 áreas de risco, capital inicia ação para diminuir efeitos das chuvas
Há 2 anos, deslizamento de terra na Vila Canária matou duas crianças; terreno onde ficava a casa está vazio |
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