A Semana Santa, para os cristãos, é o momento de refletir sobre o sacrifício de Jesus, que deu sua vida para salvar a humanidade. Nas 43 horas de greve da Polícia Militar, que acabou ontem às 14h, só em Salvador foram sacrificadas — assassinadas — 53 pessoas. A troco de quê? O acordo assinado ontem pela categoria que pôs fim à paralisação contém praticamente as mesmas propostas que foram apresentadas pelo governo do estado no fim de tarde de terça-feira, e negadas pela categoria na assembleia que iniciou a greve. Às 19h de terça, o vereador Marco Prisco (PSDB), presidente da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares no Estado (Aspra), fez a leitura da proposta pela primeira vez, em uma assembleia com cerca de 5 mil policiais que durou menos de cinco minutos, no Wet’n Wild. A possibilidade de greve foi colocada em votação e o resultado foi aclamado com os braços para o alto e aos gritos de “a PM parou”.
Ontem, após uma quarta-feira de negociações frustradas, os líderes do movimento leram praticamente a mesma proposta, e durante 35 minutos a elegeram como “vitória histórica” da categoria, como disse o próprio Prisco. “Foi histórica porque vamos sair daqui de cabeça erguida. Ninguém vai sair daqui perseguido”, disse ele. A proposta aprovada ontem teve apenas duas novidades: a anistia nos processos administrativos para que todos os policiais que participaram dessa greve não sejam punidos (item que, claro, não seria necessário se o acordo fosse feito na terça) e o aumento da Gratificação por Condições Especiais de Trabalho (CET) para uma das patentes, que não estava contemplada na proposta inicial – os tenentes, que tiveram o percentual da gratificação elevado de 110% para 125%, igualando assim aos demais níveis do oficialato. Após o discurso de Prisco, os presidentes das seis entidades envolvidas se manifestaram, todos comemorando o acordo. “Batalhas se vencem no campo de batalha e na mesa de negociações, e saímos vitoriosos”, acrescentou o presidente da Associação dos Oficiais do Quadro Auxiliar da PM baiana, major Ubiraci Vieira. “A vitória foi nossa, do governo do estado e da sociedade. A partir de segunda-feira, vamos sentar numa mesa para começar as discussões sobre o acordo que vamos firmar”, completou o presidente da Associação de Oficiais da Polícia Militar da Bahia, tenente-coronel Edmilson Tavares. No fim dos discursos, antes mesmo de consultar os policiais para saber se eles concordavam com a proposta, Prisco chegou a prometer um churrasco “de graça, 0800” ao som de arrocha para comemorar o acordo, bancado pelas associações. A festança, todavia, ficou para ser marcada para outro dia. As mãos se levantaram homologando o acordo, e um novo grito, de “A PM voltou”, saiu, dessa vez tímido, após o pedido de Prisco. Outros pontosEntre os itens acordados – presentes na primeira proposta – está o aumento do CET de 0% para 25% para os praças que trabalham na área administrativa, de 17% para 45% para os praças operacionais (que vão para as ruas) e de 35% para 60% para os praças motoristas. O texto ainda promete regulamentar o Artigo 92 do Estatuto da PM, que prevê o pagamento de adicionais de insalubridade, periculosidade e demais auxílios, mas sem estabelecer prazos. Assim como na proposta original, também mantiveram-se os compromissos de rediscutir o projeto de lei que cria o Plano de Reestruturação da PM. O governo garantiu que irá retirar a proposta de Código de Ética e rediscutir o estatuto e plano de carreira da categoria, para que em um mês um novo projeto seja enviado para a votação na Assembleia Legislativa. Nenhum dos pontos da proposta enviada ontem pelos manifestantes ao governo do estado – que somados teriam custo de R$ 600 milhões – foi acatado. Na saída do Wet’n Wild, era visível o descontentamento de parte dos policiais com o acordo. “O fim da greve não se deu por satisfação dos PMs. Os ganhos foram poucos. A cidade estava um caos e por isso resolvemos voltar. Estamos bastante descontentes com o governo, mas felizes com a população, que nos apoiou”, disse o cabo Agnaldo Souza, 44 anos. O major Ubiraci, um dos líderes do movimento, tentava consolar. “Nem tudo se conquista de vez, tensionar não se chega a lugar nenhum. Realmente, não foi o que esperávamos, conquistas mais deveriam ter vindo, mas virão, com certeza. O grande trunfo é continuar lutando. Eles têm que entender que esse momento bastou”, afirmou. NegociaçãoAs pressões pelo fim da greve vieram de vários lados. No início da manhã, Prisco foi recebido no Palácio Thomé de Souza pelo prefeito ACM Neto (DEM), que pediu pelo fim da greve. Neto recebeu um telefonema do governador Jaques Wagner (PT), que colocou o comandante da PM, coronel Alfredo Mascarenhas, à disposição para negociar um acordo. Marcou-se, então, uma nova reunião na sede da Câmara de Dirigentes Logistas (CDL), no Largo dos Aflitos. Na mesa, além do vereador e do comandante da PM, sentaram-se membros das outras cinco entidades de policiais, deputados e vereadores. Para mediar a mesa, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger. “Houve um desejo de todos de se chegar a um consenso. Percebi boa vontade, estava todo mundo preocupado, um vendo a violência e o outro com medo de ser atingido por ela. Pedi para que a gente desarme os corações”, disse o líder religioso. De lá, saiu o acordo que foi levado de imediato aos policiais. Dom Murilo foi até o Wet’n Wild, rezou com os grevistas antes da assembleia e sorriu ao perceber que sua colaboração surtiu efeito. “Como a paz é importante e como é importante para ter a paz o trabalho da polícia!”, exaltou. Exército permanecerá nas ruas pelo menos até fim do feriadoApesar do fim da greve, o governador Jaques Wagner anunciou, ontem, que o Exército permanecerá nas ruas pelo menos até o fim do feriado. Cerca de 7,5 mil homens devem continuar a postos em Salvador, já que não chegaram a ser deslocados para o interior. Wagner concedeu entrevista, ontem, após uma reunião para planejar o policiamento durante o regime de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que dá ao Exército o poder de polícia e foi decretado pela presidente Dilma Rousseff por causa da greve. “O nosso planejamento não se encerra aqui, porque temos um feriado pela frente, então vamos manter a GLO até a normalidade ser reconquistada”, assegurou. O governador disse ainda que voltará à negociação com os policiais para discutir as questões estruturais da remuneração policial no futuro. Mas não poupou críticas ao movimento. “O que foi assinado hoje é absolutamente igual ao que tinha sido ofertado a eles antes. A única coisa que melhorou foi a CET dos tenentes, algo muito pequeno, o resto é absolutamente igual ao assinado antes da greve”, criticou. Presente à reunião, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reafirmou a inconstitucionalidade da greve e prometeu ação rápida caso o mesmo ocorra em outros estados. “Não é justo que interesses corporativos fiquem acima dos interesses da sociedade”, disse. Apesar dos homicídios em alta, o general Racine Bezerra Lima, comandante da 6ª Região Militar e líder do Exército no período, considerou: “Tivemos um dia e noite de relativa normalidade. O objetivo de nossa operação foi garantido”. Justiça bloqueia bens de Marco Prisco, líder do movimento Líder do movimento grevista, vereador pelo PSDB e pré-candidato a deputado estadual, Marco Prisco, foi um dos alvos do Ministério Público Federal (MPF), na tentativa de pressionar os policiais a voltarem ao trabalho. Na quarta-feira, a pedido do MPF, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), sediado em Brasília, concedeu uma liminar determinando o bloqueio de bens do político, uma medida que visa garantir o ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos, a exemplo do uso da Força Nacional de Segurança Pública para o estado. A decisão ainda determinou a imediata paralisação da greve da PM, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1,4 milhão e o bloqueio de bens das associações envolvidas no movimento paredista e de seus dirigentes. O bloqueio de bens de outros líderes também foi solicitado. Foram eles: Jackson da Silva Carvalho, presidente da ABSSO-BA, Agnaldo Pinto de Sousa, presidente da APPM-BA, Edmilson Tavares Santos, presidente da AOPM-BA (Força Invicta), José Alberto da Silva, diretor financeiro da AOAPM-BA, Nelzito Coelho Oliveira Filho, presidente da Associação Dois de Julho-BA, Ubiraci Vieira dos Santos, presidente da AOAPM-BA e Paulo Sérgio Simões Ribeiro, diretor financeiro da Força Invicta. As associações também são réus no processo. Matéria original: Correio 24h Proposta aceita por PMs é quase igual à rejeitada no início; exército fica na cidade até feriado
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